Rachado, PSDB pensa no futuro

Natália Lambert

04/08/2017

 

 

A votação da admissibilidade da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara, na última quarta-feira, tirou o PSDB de cima do muro e o rachou ao meio. Dos 47 deputados tucanos, 21 votaram contra o governo, 22, a favor, e quatro se ausentaram. De um lado, um líder que orientou a bancada contra o relatório do próprio correligionário, Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), que recomendava a rejeição da denúncia. De outro, dois ministros licenciados que não só apoiaram o governo, como pediram votos para os colegas. E, de acordo com integrantes da legenda, ao contrário do que se possa imaginar, o clima de divisão não incomodou no dia seguinte, porque, a partir de agora, tudo está “às claras”.

“Não há problemas. Temos divergências de opiniões dentro do partido e está transparente agora. A votação deixou claro o que cada um pensa sobre a permanência no governo ou não”, comentou o deputado Daniel Coelho (PSDB-PE), que defende que os ministros entreguem os cargos para que o partido possa trabalhar em um projeto interno de união e reestruturação. “O PSDB precisa reconhecer seus erros e encarar isso. Nós vínhamos nos comportando como todos os partidos que visam ao poder e se afastam da sociedade por causa disso. Temos que nos desculpar e retomar os princípios que orientaram a nossa criação”, defendeu Coelho.

Mesmo com metade da bancada contrária ao governo, os tucanos têm quatro pastas na Esplanada: Relações Exteriores (Aloysio Nunes), Cidades (Bruno Araújo), Direitos Humanos (Luislinda Valois) e Secretaria de Governo (Antonio Imbassahy). No Planalto, a situação do PSDB incomoda, mas não o suficiente para retaliações, porque o governo sabe que precisa dos tucanos para aprovar as reformas, principalmente, a da Previdência. O problema é segurar a sede do Centrão por espaços. Partidos como PR, PRB, PSD e Solidariedade querem que o presidente tire as pastas dos tucanos e as entregue a eles.

Outro tucano lista sucessivos erros que a sigla cometeu recentemente: a tentativa do senador Aécio Neves (MG) de assumir um terceiro mandato à frente do partido; o abandono da bancada da Câmara quando estouraram denúncias de que o tucano teria recebido propina de Joesley Batista; uma hipervalorização dos chamados “cabeças-pretas”; a orientação do líder Ricardo Trípoli (SP) para que a bancada aceitasse a denúncia contra Temer, quando o combinado teria sido a liberação. “Tudo isso contribuiu para rachar o partido ao meio”, comentou. Para Trípoli, não há crise, o assunto está encerrado e “agora é olhar para a frente na recuperação do país”. Segundo ele, o erro aconteceu quando Abi-Ackel aceitou contrariar uma denúncia que já tinha sido aceita pela maioria dos tucanos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), por 5 votos a 2. “Ele não respeitou a opinião da maioria”, comentou. “Só ajudei o PSDB a perder a pecha de ficar em cima do muro”, rebateu Abi-Ackel.

 

Pressão

Menos de 24 horas depois de a Câmara enterrar a denúncia contra Temer, o partido resolveu outra questão que incomodava: a indefinição quanto à presidência. Depois de ter sinalizado um possível retorno para comandar as eleições de uma nova executiva nacional, Aécio Neves passou, de fato, a condução ao senador Tasso Jereissati (CE). Ele permanece como presidente licenciado até o fim do ano, quando uma nova diretoria será eleita e haverá a escolha do candidato que disputará a Presidência da República em 2018.

“Fiz apelo a Tasso para que continue como presidente do PSDB. O senador Tasso hoje é quem tem as melhores condições de conduzir a renovação do PSDB”, explicou. Em lados opostos na divisão da legenda, Aécio e Jereissati evitaram falar sobre a votação da Câmara. “Não impusemos nada a ninguém, cada um vota como quiser”, afirmou Jereissati. Sobre um possível desembarque do governo, o cearense minimizou a questão: “Se tem ministro ou não tem ministro do PSDB, é problema do presidente da República. Se quiser tirar todos os ministros do partido, é problema dele”.

Entretanto, o presidente interino sofre pressões para que anuncie o desembarque do governo. No fim de julho, quatro economistas tucanos entregaram uma carta a Jereissati pedindo o afastamento do governo. “Infelizmente, incapaz até agora de se dissociar de um governo manchado pela corrupção institucionalizada que herdou do PT, o PSDB tem optado por deixar vazio o centro político ético de que o país tanto precisa. Como afiliados com alguma responsabilidade pelas opções técnicas do partido, esperamos com esta carta poder influir para mudar essa orientação”, destaca o texto assinado por Edmar Bacha, Elena Landau, Gustavo Franco e Luiz Roberto Cunha. Elena explica que a decisão de escrever a carta foi a última tentativa de se posicionar antes de se desfiliar. “Antigamente, nós tínhamos certeza de como o partido se posicionaria. Agora, está confuso. Temos que resgatar a origem do partido.”

 

Resgate

Economistas tucanos defendem compromissos que, segundo eles, nortearam a criação do PSDB

 

» A reconstrução de uma legenda social-democrata

» O compromisso com a justiça social

» Uma economia de mercado governada pela livre iniciativa

» A estabilidade da moeda

» A responsabilidade fiscal sem alterações da meta

» A integração do Brasil ao mundo desenvolvido

» O compromisso com as reformas

» Um estado mais enxuto e eficiente

 

 

Correio braziliense, n. 19792, 04/08/2017. Política, p. 3.