Cada vez mais isolado

Rodrigo Craveiro

04/08/2017

 

 

O destino da Venezuela no Mercosul será decidido amanhã, no Brasil, durante reunião extraordinária e emergencial entre os chanceleres dos quatro países fundadores — os outros três são Argentina, Uruguai e Paraguai . Ante o acirramento das tensões em Caracas, o presidente argentino, Mauricio Macri, defendeu  punição histórica ao governo de Nicolás Maduro. “A Venezuela tem que ser suspensa definitivamente do Mercosul”, declarou, em entrevista à Rádio Brisas, em Mar del Plata, a 400km de Buenos Aires. Apesar do isolamento internacional cada vez mais evidente do regime venezuelano, especialistas consultados pelo Correio divergem sobre a possibilidade de uma sanção. Na noite de quarta-feira, Maduro nomeou como novo chanceler o ex-vice-presidente Jorge Arreaza, no lugar do Samuel Moncada, em uma tentativa de estancar a sangria no campo diplomático.

Às 11h de hoje (meio-dia em Brasília), o Palácio de Miraflores pretende instalar a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) no prédio do Parlamento. No mesmo horário, a coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) iniciará uma marcha em direção à sede do Legislativo, a partir de cinco pontos de Caracas, “contra a fraude da Constituinte”. A Procuradoria-Geral da República solicitou à Justiça a anulação da instalação da ANC, enquanto investiga a suspeita de fraude na votação de domingo, revelada pela empresa britânica Smartmatic.

Sem consenso em relação a medidas contrárias à Venezuela, a Organização dos Estados Americanos (OEA) se limitou a excluir o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Reunião Interamericana de Autoridades Eleitorais, marcada para outubro, em Cartagena das Índias (Colômbia). A deputada opositora Adriana D’Elia (leia o Depoimento), filiada ao partido Primero Justicia e inabilitada politicamente por 15 anos, admitiu à reportagem que teme o impacto de decisões do Mercosul sobre a população. “Qualquer medida que nos afete e que piore nossas condições paupérrimas de vida não pode ser vista com bons olhos. No fim das contas, o regime não se importa com nada, a não ser permanecer no poder a qualquer custo, mesmo que seja com a fome e a morte de nosso povo”, lamentou, por telefone.

 

Fraude

Pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade do Sul da Flórida, Carolina Silva Pedroso explica que as provas mais  contundentes de fraude na votação de domingo devem forçar a um posicionamento mais enfático do Mercosul. “O Paraguai está decidido a suspender a Venezuela, e a Argentina fechará com essa posição também. É provável que o Brasil siga tal postura, o que levaria o Uruguai a ceder”, comentou. Ela crê que o bloco tentará priorizar três pontos na reunião de amanhã: o cumprimento do calendário eleitoral — estão previstas eleições regionais para o fim deste ano —, a libertação de presos políticos e a questão humanitária. “Existe o receio de que a suspensão do Mercosul signifique o aprofundamento da crise econômica, que atinge a população, e que a saída do país enfraqueça ainda mais os mecanismos regionais de ‘controle’ e ‘vigilância’ do regime de Maduro”, disse Carolina.

A especialista em Venezuela entende que a pressão internacional pode ser importante, caso seja direcionada para a busca do diálogo e a construção da confiança entre o Executivo e a MUD. “Se ela se restringir à condenação do governo Maduro, pode acabar servindo para reforçar a retórica de Maduro de que o país está sendo boicotado por questões ideológicas”, adverte. Carolina alerta que os países precisam ter o cuidado em se apresentarem como mediadores confiáveis, sob risco de a crise descambar para um conflito civil. “A postura do Mercosul precisa ser muito bem pensada, de forma que os Estados do bloco não se ‘descreditem’ como possíveis pontes entre governo e oposição.”

 

Obstáculo

Para Oliver  Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Uruguai é o principal entrave para uma eventual condenação a Caracas. “A coalizão de esquerda Frente Amplio, que está no governo, inclui grupos mais radicais que, ou têm simpatia por Maduro, ou apresentam relutância em participar de uma sanção”, lembrou, ao reconhecer como “bastante improvável” uma suspensão da Venezuela. “Apesar da retórica, não vejo o Brasil priorizar a questão. A Argentina lidera o processo, mas é algo apenas simbólico. O impacto que isso pode ter sobre Maduro é simbólico, pelo fato de o comércio entre o Mercosul e a Venezuela ser muito pequeno”, acrescentou.

Stuenkel enumera quatro países que podem mudar o comportamento do governo venezuelano: os aliados Cuba, Rússia e China e os EUA, que mantêm posição neutra. A relação quase simbiótica de Caracas com os três primeiros praticamente blinda o Palácio de Miraflores. “A Venezuela tem protegido essas nações na ONU. Em contrapartida, Cuba oferece apoio diplomático, a Rússia entra com assistência militar e a China com ajuda econômica.”

 

Depoimentos

Inabilitada por 15 anos

“A inabilitação política com a qual a Controladoria-Geral da República me puniu, por um prazo de 15 anos, se deve ao trabalho de mais de duas décadas que tenho desempenhado como lutadora social e como política no estado de Miranda, um dos mais carentes. A possibilidade de vencermos as eleições regionais representou, para o oficialismo, uma verdadeira ameaça. Por isso, esse regime — abertamente uma ditadura — decidiu me remover do caminho, com a inabilitação política. Por enquanto, posso seguir como deputada. Quando o meu mandato se encerrar, em 2021, não poderei optar por nenhum outro cargo político. A minha intenção era de me desincorporar da Assembleia Nacional para participar das eleições regionais como candidata ao governo de Miranda. Ninguém vai retirar os venezuelanos do caminho democrático. Esta cúpula, reconhecida pelo mundo como corrupta, se deslegitima cada vez mais.”

Adriana D’Elia, deputada pelo partido Primero Justicia, inabilitada pelo período de 15 anos

 

Demitido por não votar

“O governo de Maduro tem usado os 3 milhões de funcionários públicos como base eleitoral principal. O regime nos impôs a obrigação de comparecer às marchas oficialistas e de votar no simulacro de votação, em 16 de julho, e na eleição da Assembleia Nacional Constituinte, no último domingo. Quem não participou desse processo foi despedido. Fui demitido ontem (quarta-feira). Eles me perguntaram se eu votaria no último dia 30. Respondi que não. Conhecia as  consequências, mantive a decisão e, quando fui trabalhar, não me deixaram entrar na Fábrica de Insumos 27 de Febrero, em Guatire (a 27km de Caracas). A empresa estatal produz materiais de construção para moradias de interesse social. Nós temos aqui a Gran Misión Vivienda Venezuela, um programa de construção de casas populares. Eu não aceitei a pressão, pois o meu salário era  baixo, uns US$ 25 mensais. Minha esposa me apoiou e meus filhos ficaram orgulhosos.”

Javier Hernández, economista e consultor dispensado da Fábrica de Insumos 27 de Febrero, onde trabalhava havia cinco anos

 

A posição do Mercosul

O que pensam os Estados-partes do bloco em relação à Venezuela

 

Argentina

Defende a suspensão definitiva da Venezuela do bloco. Também retirou de Nicolás Maduro a Ordem do Libertador San Martín, a máxima condecoração oferecida a “funcionários estrangeiros que mereçam o alto grau de honra e reconhecimento”, outorgada em 2013.

 

Brasil

Amanhã, o país será anfitrião da reunião de emergência entre chanceleres. Desde a posse do presidente Michel Temer, tem marcado forte posição contrária ao regime de Maduro, a quem acusa de violar a ordem constitucional.

 

Paraguai

O chanceler paraguaio, Eladio Loizaga, afirma que a eventual suspensão da Venezuela dependerá da comprovação de que “foi restituída a ordem democrática e o Estado de direito”. Assunção defende a aplicação da cláusula democrática contra Maduro.

 

Uruguai

Depois de se reunir com o colega argentino Jorge Faurie, o chanceler Rodolfo Nin Novoa se limitou a dizer que a postura do país será conhecida amanhã.

 

Era uma vez um vice no Equador...

O presidente do Equador, Lenín Moreno, retirou todas as funções do vice, Jorge Glas. A medida foi tomada um dia depois que Glas publicou carta na qual acusa o chefe de Estado de se aliar ao opositor Abdalá Bucaram e de entregar o controle dos veículos estatais a “representantes da mídia”, além de manipular “de maneira perversa os números da economia no governo de Rafael Correa”. Glas disse ter recebido a notícia “com profunda dor”. “O presidente da República me tirou todos os encargos por opinar, criticar, denunciar e dizer a verdade.” Em entrevista ao Correio, Arturo Moscoso, cientista político da Universidad San Francisco de Quito, afirmou que a crise surgiu da tentativa de distanciar Moreno de Correa e em meio às  suspeitas de corrupção envolvendo Glas. “Haverá uma  ruptura, pois Moreno é quem tem a ‘chave dos fundos econômicos’ e, por isso, muitos o apoiam”, previu.

 

 

Correio braziliense, n. 19792, 04/08/2017. Mundo, p. 12.