O Estado de São Paulo, n. 45233, 21/08/2017. Política, p.A6

 

 

 

Justiça Eleitoral admite limite para controlar gastos

Presidente do TSE afirma que, com mais dinheiro, prestações de contas serão ‘problema’; relator de reforma vê fiscalização ‘impossível’

Por: Elisa Clavery / Pedro Venceslau

 

Elisa Clavery

Pedro Venceslau

 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, admitiu que a Justiça Eleitoral terá dificuldade para fiscalizar o volume de recursos públicos previsto na reforma política para financiar as campanhas eleitorais.

Ele não fez, porém, críticas diretas ao tamanho do fundo eleitoral previsto pelos deputados federais, de R$ 3,6 bilhões. “Estamos tentando cumprir o nosso papel, mas realmente com mais dinheiro (público) haverá maiores dificuldades”, disse o ministro ao Estado.

Gilmar apontou uma questão como a mais complexa: “Vamos ter repasse para os partidos que vão repassar para os candidatos, e aí vem o problema das prestações de contas.”

O ministro destacou o curto prazo para que a reforma política seja aprovada já para o próximo ano, mas disse que isso não atrapalha o diálogo entre a corte eleitoral e o Congresso Nacional. Após a votação na Câmara dos Deputados, prevista para amanhã, o texto seguirá para o Senado.

Gilmar descartou aumentar o número de servidores para fiscalizar as contas por causa do limite dos recursos públicos após a aprovação da PEC do Teto de Gastos. Como solução paliativa, o ministro citou um convênio firmado neste mês entre a Justiça Eleitoral e os tribunais de contas estaduais (TCEs), que cederam servidores para ajudar na fiscalização de contas.

O presidente do TSE defendeu o barateamento das campanhas, mas ponderou que há “custos incomprimíveis”, como as viagens de um candidato. “O fundo (público eleitoral) é menor do que eles declararam em 2014”, disse, lembrando o valor de R$ 5,1 bilhões. “O problema hoje é criar um fundo que será insuficiente. Então vão entrar recursos de outras fontes. Os critérios serão mais ou menos aleatórios. Cada partido vai adotar um critério de distribuição.”

O deputado federal Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política na Câmara, também reconheceu que será “impossível” fiscalizar o volume de recursos públicos destinado às campanhas caso o novo fundo seja aprovado. “Avisamos há muito tempo que é impossível fiscalizar 10 mil contas nas eleições com o atual modelo. Imagina como seria isso em uma eleição para vereador”, afirmou.

Segundo Cândido, o único modelo viável de sistema eleitoral diante da nova realidade é a lista fechada, na qual o eleitor votaria apenas na legenda do partido. Com isso, a prestação seria uma só.

O relator disse ainda que vai tentar convencer os colegas da Câmara a reduzir o tamanho do teto de gastos estabelecido para as campanhas. Ele vai propor a redução de R$ 150 milhões para R$ 120 milhões como valor máximo de gastos das campanhas presidenciais. Em 2014, o comitê pela reeleição da presidente cassada Dilma Rousseff declarou ao TSE ter gasto R$ 318 milhões na campanha. “Seja qual for o teto, o fundo bancaria 70% dele”, explicou o deputado.

 

Informatização. O vice-presidente de política institucional do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Joaquim Bezerra, defendeu o trabalho da Justiça Eleitoral nos últimos anos e destacou melhorias, principalmente na informatização.

Bezerra afirmou, porém, que agora que se discute um fundo público, a sociedade vai cobrar mais fiscalização. “Eu faço até um questionamento: fomos, até hoje, um País muito corrupto ou um País pouco auditado, pouco fiscalizado?”

O contador negou que o aumento do montante vá comprometer a fiscalização e o trabalho dos profissionais auditores da área. “A pergunta não é essa, mas sim: há necessidade desse fundo? O caminho é esse?”, questionou.

 

Orçamento. TSE não terá reforço de servidores com novas contratações, segundo presidente da corte, Gilmar Mendes

 

“Com mais dinheiro (público) haverá maiores dificuldades.”

Gilmar Mendes, ministro do STF e presidente do TSE

 

 

 

 

 

 

'Fórum Estadão' discute hoje reforma política

Com a presença do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, e do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o Estado promove hoje o “Fórum Estadão – A reforma política em debate”. O evento, que será realizado no auditório do jornal, na zona norte de São Paulo, começa às 8h30.

Também participam do debate parlamentares, como o deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da PEC 77/03, e cientistas políticos. O fórum discute os principais pontos da reforma em tramitação na Câmara: a adoção do distritão, modelo que transforma as eleições proporcionais em majoritárias, e a criação do fundo eleitoral.

As inscrições para o fórum já estão encerradas. O evento terá cobertura especial no portal estadão.com.br a partir das 8 horas com reportagens, entrevistas e transmissão ao vivo.

 

 

 

 

Fundo Público anima mercado de marketing

O retorno / Após 2016 modesto, publicitários aguardam recursos públicos para abastecer campanhas
Por: Pedro Venceslau

 

A expectativa de que a reforma política aprove um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões para bancar as campanhas de 2018 deixou o mercado do marketing político em compasso de espera, mas otimista. Se antes a previsão era de terra arrasada após o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir doações empresariais a partir de 2015, agora os marqueteiros acreditam que o setor vai sair do vermelho com o aporte dos recursos públicos.

“Em 2016, a tribo dos marqueteiros não tinha como trabalhar. Não havia condições operacionais. O mercado comemora a ideia do fundo com recursos públicos como uma luz no fim do túnel”, disse o publicitário Elsinho Mouco, que atua como marqueteiro do presidente Michel Temer. Ele classificou as eleições municipais passadas como “um laboratório que não deu certo” porque os legisladores “erraram na dose”.

Marqueteiros ouvidos pelo Estado contaram que as primeiras conversas com potenciais candidatos em 2018 já começaram. O momento é de sondagem e “precificação” dos serviços de marketing.

Em 2014, o comitê pela reeleição da presidente cassada Dilma Rousseff declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter gasto R$ 318 milhões na campanha – a mais cara desde a redemocratização, em 1985. O valor foi 13% superior aos R$ 282 milhões (em valores atualizados pela inflação) gastos na primeira eleição da petista, em 2010.

Esses valores certamente não se repetirão. “Não vai ser uma campanha mambembe, como se esperava. Mas também não será como antes. O caixa 2 impulsionava campanhas hollywoodianas. Isso não vai mais acontecer”, disse o publicitário Lula Guimarães, responsável pela bem sucedida campanha de João Doria à Prefeitura de São Paulo no ano passado.

Pelas contas dos especialistas, é possível fazer uma campanha presidencial competitiva com R$ 50 milhões investidos em comunicação, o que inclui propaganda em TV e rádio, materiais gráficos e operação de internet. Segundo o deputado federal Vicente Cândido (PTSP), relator da reforma política, a ideia é estabelecer um teto de recursos para campanhas presidenciais.

 

De volta. A “injeção” de dinheiro planejada pela Câmara deve atrair de volta ao setor nomes que estavam trilhando outros caminhos profissionais. “É natural que, com mais recursos do que havia em 2016, as campanhas procurem quem tem mais experiência”, disse Nelson Biondi, publicitário responsável por algumas das principais campanhas do PSDB desde a fundação do partido.

Biondi, que optou por ficar de fora das campanhas do ano passado, afirmou que ainda é cedo para falar de contratos, mas não descartou a ideia de voltar ao jogo. “Os profissionais de TV são caros. Com recursos, quem ficou fora em 2016 deve voltar em 2018”, previu.

Segundo Guimarães, a operação será diferente. “Eles só conseguiam fazer campanhas até 2014 com orçamentos estratosféricos. Vai ter mais dinheiro em 2018 do que se esperava, mas não se justifica os patamares de orçamentos de campanhas anteriores. Não acho que as campanhas presidenciais precisem custar milhões. Só custavam porque tinha caixa 2”, disse.

 

Internet. A nova geração pretende pôr o foco da estratégia nas redes sociais. “Com mais recursos, vai haver um investimento maior em mídia digital em 2018. As redes sociais não serão mais um apêndice, como foram até 2014. O criativo de internet vai ser mais valorizado do que o de offline. Os garotos das redes sociais serão os novos Nizans Guanaes e Dudas Mendonça do marketing político”, avaliou Mouco.

Responsável pela estratégia de Doria nas redes sociais em 2016 e até recentemente atuando com Temer no Palácio do Planalto, Daniel Braga calcula que uma campanha nacional precisa de um time de pelo menos 220 profissionais atuando em redes sociais, divididos em todos os Estados e operando de acordo com as realidades regionais. “Sem dúvida 2018 será o ano da campanha digital. Até 2014, as redes sociais eram feitas na base do achismo. O internauta muitas vezes interagia com robôs. Agora é preciso ter inteligência de conteúdo”, disse./P.V.