O Estado de São Paulo, n. 45234, 22/08/2017. Política, p.A6

 

 

Reforma é para garantir reeleição, afirmam relatores

FÓRUM ESTADÃO – REFORMA POLÍTICA / Autores de propostas para alterar o sistema eleitoral criticam a preocupação de parlamentares em manter os próprios mandatos

Por: Marcia Furlan / Elizabeth Lopes / Igor Gadelha / Altamiro Silva Junior / Francisco Carlos Assis

 

Relatores de propostas que podem alterar o sistema eleitoral brasileiro nas próximas eleições admitiram ontem, durante o “Fórum Estadão – Reforma Política em Debate”, realizado em parceria com o Centro de Liderança Pública, que a discussão que está sendo feita no Congresso tem como pano de fundo o interesse dos parlamentares de preservarem seus próprios mandatos.

“A reforma política está sendo feita para atender aos interesses da reeleição”, disse o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), autor, no Senado, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que sugere o fim das coligações partidárias e a adoção da chamada cláusula de barreira. O senador concluiu que “dificilmente” o Brasil vai alcançar um sistema perfeito. “Nosso desafio é que ele dialogue com imperfeições.”

Para o deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política na comissão especial da Câmara, que tem como principais pontos a adoção do sistema distritão e a criação de um fundo público para financiar as campanhas eleitorais, o que une os parlamentares em torno da discussão é a intenção de garantir a reeleição. “Nós temos que ter paciência com esse Congresso. A única coisa que unifica o Congresso é a vontade de se reeleger”, disse.

O deputado avaliou que a reforma política em si não vai garantir a eleição de um parlamentar. “Não vai ser distritão, distritinho ou distrital puro que vai salvar o Congresso. Ou o Congresso se debruça sobre uma pauta da vida real das pessoas ou não vão ser esses modelos que vão salvar esse Congresso.”

Cândido afirmou que o eleitor está mais preocupado com temas como a volta do emprego e a retomada da economia. “Ou o Congresso vira a página e foca em mudanças na economia e que tragam emprego, que é o que o povo percebe. É isso que vai ser a credencial para que eu possa obter voto. Não vai ser a reforma política”, declarou.

Defensor da reforma e do distritão em 2018 como um “teste” para um sistema distrital misto nas eleições seguintes, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou os opositores às mudanças propostas. “Aqueles que têm puxadores de legenda têm defendido o modelo atual.”

 

‘Reforma possível’. Maia ressaltou a importância da discussão, mas disse que o texto que deve sair do Congresso será o “possível”. “A reforma política vai continuar sendo um debate importante, mas a gente não vai conseguir aprovar tudo agora. Se aprovarmos do jeito que está, teremos o debate de como regulamentar o distrital misto no País”, afirmou o deputado.

Ao falar para representantes da sociedade civil, Maia criticou a ausência de conteúdo programático na formação das coligações partidárias nas eleições brasileiras. “A formação de chapa hoje no Brasil é uma coisa completamente inorgânica, sem nenhum comprometimento com aquele partido. Hoje o candidato disputa pelo PC do B e amanhã ele pode fazer pelo DEM”, disse o parlamentar.

Ainda sobre a formação de chapa, Maia afirmou, em tom crítico, que hoje “o importante para um candidato é encontrar um caminho para ele se eleger com menos votos”.

No debate, o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, defendeu uma reforma “minimalista” para as eleições do ano que vem. “Seria salutar e ideal que a disputa de 2018 fosse marcada por regras que alterassem minimamente o jogo de forças para que a sociedade tenha oportunidade de se manifestar”, disse.

 

2018. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, afirmou que as alterações no sistema político-eleitoral deveriam entrar em vigor já na próxima eleição. “Estamos vivendo os últimos momentos que reflitam na eleição de 2018. Não há o que reclamar pelo fato de não termos feito até agora. O importante é que façamos algo que nos permita levar um melhor sistema político-eleitoral para o ano que vem”, disse Gilmar. / MARCIA FURLAN, ELIZABETH LOPES, IGOR GADELHA, ALTAMIRO SILVA JUNIOR e FRANCISCO CARLOS ASSIS

 

‘Regras’

“Seria salutar que a disputa de 2018 fosse marcada por regras que alterassem minimamente o jogo de forças para que a sociedade tenha oportunidade de se manifestar.”

Rafael Cortez

CIENTISTA POLÍTICO

 

 

 

 

Semipresidencialismo evitaria crises políticas, avalia Gilmar Mendes

Ministro do Supremo e presidente do TSE vê presidentes cada vez mais dependentes do Congresso Nacional
Por: Igor Gadelha / Altamiro Silva Junior / Francisco Carlos Assis

 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, defendeu ontem durante discurso no “Fórum Estadão – Reforma Política em Debate” a adoção de um regime “semipresidencialista” no Brasil a partir de 2022. Para Gilmar, esse sistema de governo evitaria muitas das crises políticas que atingem o País hoje e traria responsabilidade maior ao Congresso.

“Os presidentes são cada vez mais ‘Câmara-dependentes’, ‘Congresso-dependentes’. Então é preciso que a gente separe as coisas de Estado das coisas de governo. E por isso me parece que um semipresidencialismo seria um caminho. (...) Que combine essa estrutura antiga do nosso modelo presidencial com o parlamentarismo. Que permitisse que as questões de governo ficassem entregues a um primeiro-ministro”, disse.

Como adiantou o Estadão/Broadcast na sexta-feira, Gilmar já entregou o texto de uma proposta de semipresidencialismo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele tem como base a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada neste ano pelo atual ministro das Relações Exteriores, o senador licenciado Aloysio Nunes Ferreira (PSDBSP). Gilmar também tem conversado sobre o tema com o presidente Michel Temer.

O ministro propõe que o presidente da República fique como chefe de Estado, mas com poder moderador que daria a ele poder até mesmo de dissolver o Congresso. Já o primeiroministro cuidaria das questões de governo. “Essa combinação preservaria a Presidência da República e preservaria a chefia de Estado dessas crises que nos atingem. Isso traria maior responsabilidade para o processo decisório congressual”, disse.

Na avaliação de Gilmar, o presidencialismo em vigor no Brasil, no qual o presidente da República é, ao mesmo tempo, chefe de governo e chefe de Estado, é instável. “Só dois presidentes terminaram o mandato”, afirmou, ao lembrar que, desde a redemocratização, apenas dois dos quatro presidentes brasileiros eleitos pelo voto popular conseguiram concluir o mandato: Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).

Também presente no evento, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a proposta de Gilmar. “Quando o Parlamento tiver a responsabilidade de governar efetivamente, que a responsabilidade é dele, não só do Executivo, tenho certeza de que teremos um Parlamento que falará mais com a sociedade”, disse. / I.G., A.S.J. e F.C.A.

 

 

 

 

Temer diz que sistema de governo é ‘útil’ para o País

Por: Lu Aiko Otta

 

Lu Aiko Otta / BRASÍLIA

 

O presidente Michel Temer disse ontem que a proposta de se adotar no Brasil o semipresidencialismo, modelo no qual, apesar de haver um primeiro-ministro, o presidente mantém a força política, seria “extremamente útil para o Brasil”.

Questionado se preferia o modelo português ou o francês, Temer afirmou que são semelhantes. “O presidente tem uma presença muito grande. Não adianta instituir um parlamentarismo em que o presidente é fraco”, disse após almoço no Itamaraty oferecido ao presidente do Paraguai, Horacio Cartes, em visita oficial ao País.

Temer afirmou que tem dialogado sobre o tema com os presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes; da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). “Vamos alongar esses estudos para verificar qual é o melhor momento para sua aplicação.”

Para o presidente, a adoção do sistema requer uma “mudança constitucional grande” e, por isso, ele não quis dizer se acha possível que seja aplicado já na próxima eleição. “As discussões estão começando agora”, afirmou Temer.

Em resposta às críticas por causa de conversas fora da agenda com Gilmar Mendes, o peemedebista disse que “sempre” se encontra com o ministro para discutir política. “Aí vocês publicam: ‘Encontrou-se tarde da noite’. É que o presidente trabalha até meia-noite”, afirmou.