O Estado de São Paulo, n. 45234, 22/08/2017. Política, p.A8 e A9

 

 

 

Sem consenso sobre modelo, analistas criticam distritão

Para cientistas políticos, sistema enfraquece os partidos e aumenta o personalismo; distrital misto e lista fechada são citados como opções

Por: Marcia Furlan / Elizabeth Lopes / Altamiro Silva Junior / Francisco Carlos de Assis / Igor Gadelha

 

Analistas criticaram o distritão como modelo eleitoral a ser adotado no Brasil, mas não houve consenso sobre uma alternativa – se o distrital misto, se o proporcional com lista aberta (usado atualmente), se a lista fechada. Ontem, no “Fórum Estadão – Reforma Política em Debate”, evento promovido pelo Estado, o distritão foi questionado até como uma transição, que valeria para 2018 e 2020.

“Por que somos contrários ao distritão? Ele distancia o eleitor de seu representado e enfraquece os partidos políticos”, afirmou o cientista político Luiz Felipe d’Avila, diretor-presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), parceiro do evento. Pelo modelo, são eleitos para o Legislativo os candidatos com mais votos em cada Estado, como é hoje na eleição de senadores e dos cargos do Executivo, como prefeitos, governadores e presidente.

Para d’Avila, o sistema eleitoral atual, que funciona por meio de um quociente eleitoral, “é um verdadeiro cheque especial que ajuda a eleger pessoas que não conseguiram votos suficientes”. O cientista político defendeu o voto distrital misto.

“Temos de aplaudir porque o voto distrital misto está pela primeira vez em pauta no Congresso. Teremos duas coisas fundamentais, metade será eleita pelo voto distrital, no qual o eleitor sabe quem é o eleito do seu distrito. O outro voto, que é o da legenda, é fundamental para fortalecer os partidos políticos”, afirmou d’Avila.

Mesmo fora do parecer do relator sobre a reforma política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), o distritão foi aprovado neste mês na comissão que discute o tema na Câmara. Para que passe a valer em 2018, a reforma precisa ser aprovada até outubro. O texto, agora, segue para o plenário da Casa antes de seguir para o Senado.

 

‘Transparência’. O cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV), disse que o distritão não pode ser considerado como um sistema de transição. “Ele não tem nada a ver com o (modelo) atual, nem com o seguinte”, afirmou Couto. “Uma transição que vai para o lado? Ele (distritão) aumenta o personalismo, aumenta os valores. Mesmo que diminua o valor total, já que tem menos gente concorrendo, ele aumenta os valores individuais”, disse o cientista político da FGV. “É um sistema dilacerante desse ponto de vista.”

Para Couto, o sistema de lista fechada é “mais claro”. “Concordo com o deputado (Vicente Cândido) de que ela foi demonizada. É exatamente o contrário, a lista fechada expõe”, disse. “Se você tem uma lista fechada, são explícitos os nomes que serão escolhidos previamente pelo partido”, afirmou Couto. “O sistema (lista fechada) é mais transparente que o atual e mais transparente que o distritão.”

Na lista fechada, os partidos relacionam candidatos em lista pré-ordenada e os eleitores votam na legenda.

Ao falar sobre o distritão, o presidente da Analítica Consultoria, Orjan Olsen, citou levantamento segundo o qual, se as eleições mais recentes tivessem adotado o modelo eleitoral, 45 deputados não estariam no cargo. “Esse seria o impacto final, mas não mudaria substancialmente as bancadas”, disse.

Olsen defendeu o distrital misto, mas fez ressalvas. “O voto distrital misto simplifica e barateia a campanha no distrito, mas ele mantém as mazelas do sistema atual para a outra metade”, disse, citando o modelo que mistura o sistema proporcional e o majoritário. O eleitor vota duas vezes. Uma para candidatos no distrito e outra para a lista dos partidos (legenda).

Para Olsen, a divisão dos Estados em distritos eleitorais deveria ser feita “a partir de uma base geográfica neutra, que é o IBGE”. De acordo com ele, a base do desenho tem de ser aquela que não sofra uma “tentativa de manipulação política”.

 

Emenda. No debate de ontem, houve ainda quem criticasse o distritão e defendesse a manutenção do sistema proporcional, mas com mudanças. “Talvez seja até melhor manter o sistema proporcional, mas com a emenda do Ferraço”, disse o presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Guilherme Afif Domingos.

Afif fez a referência ao senador Ricardo Ferraço (PSDBES), um dos autores de um projeto que estabelece uma cláusula de barreira, dispositivo que restringe o acesso de partidos ao Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV, além de pôr fim às coligações proporcionais, mecanismo que permite que deputados sejam “puxados” pelos votos da coligação.

Para Couto, neste debate, é preciso evitar o que ele chamou de “fetiches reformistas”. Segundo o cientista político, seria “algo identificado como todo o mal e algo que seria identificado como todo o bem”. / MARCIA FURLAN, ELIZABETH LOPES, ALTAMIRO SILVA JUNIOR, FRANCISCO CARLOS DE ASSIS e IGOR GADELHA

 

Modelo em debate

 

 

“Por que somos contrários ao distritão? Ele distancia o eleitor de seu representado e enfraquece os partidos políticos.”

 

Luiz Felipe d’Ávila

 

CIENTISTA POLÍTICO DO CENTRO DE LIDERANÇA PÚBLICA (CLP)

 

 

“O sistema (da lista fechada) é mais transparente que o atual e mais transparente que o distritão.”

 

Cláudio Couto

 

CIENTISTA POLÍTICO DA FGV-SP

 

 

“(Se as últimas eleições tivessem adotado o distritão, 45 deputados estariam fora dos cargos). Esse seria o impacto final, mas não mudaria substancialmente as bancadas.”

 

Orjan Olsen

 

PRESIDENTE DA ANALÍTICA

 

“Não acho que faça sentido criar um novo sistema (distritão). Talvez seja até melhor manter o sistema proporcional, mas com a emenda do Ferraço.”

 

Guilherme Afif Domingos

 

PRESIDENTE DO SEBRAE

 

DIFERENÇAS

 

Proporcional

Puxadores de voto

 

Modelo eleitoral em vigor no País atualmente em que são somados os votos válidos no candidato e no partido ou coligação. A partir daí, é calculado o quociente eleitoral, que determina o número de vagas a que o partido ou a coligação tem direito. O quociente eleitoral é resultado da divisão do número de votos pelo número de assentos a preencher. Essa norma favorece a eleição de candidatos com baixa votação por causa dos chamados puxadores de voto, como é o caso do deputado Tiririca (PR-SP).

 

 

Distritão

Mais votados

 

Sistema eleitoral em debate atualmente pela comissão de reforma política da Câmara. Cada Estado ou município vira um distrito eleitoral. São eleitos os candidatos mais votados em cada distrito. Recentemente, aumentou a resistência ao distritão entre os deputados, mesmo com a ideia de usá-lo como modelo de transição para o distrital misto em 2022.

 

 

Distrital misto

 

Lista

 

O eleitor vota duas vezes: uma para candidatos no distrito e outra para a lista dos partidos. Uma metade das vagas vai para os candidatos eleitos por maioria simples. A outra é preenchida conforme o quociente eleitoral pelos candidatos de lista pré-ordenada pelos partidos. O modelo seria implantado apenas a partir de 2022.

 

 

Distritão misto

Novidade

 

Modelo eleitoral inédito que combina o voto majoritário com o voto em legenda. A ideia é que, na eleição para deputado federal e estadual, por exemplo, os eleitores continuem tendo a possibilidade de votar tanto no candidato como no partido. A novidade é que no resultado final os votos em legenda seriam distribuídos, proporcionalmente, aos candidatos daquele partido.

 

 

Lista fechada

 

Ordem

 

Pelo sistema, o eleitor vota no partido, que define previamente os candidatos que serão eleitos em ordem de prioridade. Atualmente, o eleitor vota diretamente no candidato.

 

 

 

 

Lava Jato é o risco para a elite política’

Por: Marcia Furlan / Elizabeth Lopes

 

O cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, disse ontem no “Fórum Estadão – Reforma Política em Debate”, que o recente processo turbulento enfrentado pelo País trouxe como saldo positivo a discussão do tema reforma política pela sociedade.

Cortez avaliou que o mais importante neste momento é recuperar a crença na legitimidade do processo político. “Em boa parte das vezes em que há mudanças no sistema eleitoral, tem a ver com problemas enfrentados pela elite política. No caso atual, esse risco (para a elite política) tem nome e sobrenome: Operação Lava Jato’’, afirmou, citando as investigações sobre um esquema de corrupção e desvios na Petrobrás que já dura mais de três anos.

Fragmentação. Para Cortez, dois pontos sobre a reforma política são os mais importantes. O primeiro, que tem a ver com a governabilidade, é o número exacerbado de partidos. O segundo – e mais relevantes para o cientista político –é o financiamento de campanha.

“Boa parte dos escândalos (de corrupção) está relacionada ao efeito do financiamento. Me parece que essa deveria ser a atenção dada do Congresso Nacional na discussão sobre reforma política”, afirmou Cortez.

Já o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV), avaliou que o número de parlamentares não é o problema do País, citando democracias em que esta quantidade é ainda maior e em resposta a questionamentos da plateia. “O problema pode ser o número de assessores, os valores’’, disse. / M.F. e E.L.

 

 

 

 

 

 

ENTREVISTA - Gilmar Mendes

Gilmar Mendes defende proximidade entre eleitor e políticos e reconhece vantagem na escolha do voto distrital misto
Por: Adriana Ferraz

 

Adriana Ferraz

 

‘O sistema está exaurido. É preciso mudar’

Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, defendeu, ao Estado, uma reforma política que mude o atual sistema, que está “exaurido”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

Qual a reforma política que o Brasil precisa?

Acho que estamos muito próximos daquele lema do modernismo: nós são sabemos o que queremos, mas sabemos o que não queremos. Nós não queremos mais esse sistema de corrupção política eleitoral, esse divórcio entre a política e a sociedade e, então, é preciso mudar esse sistema que está exaurido. Não dá mais para manter esse sistema de lista aberta sem uma cláusula de barreira. Não dá para manter mais coligações, o que falseia o resultado eleitoral. Tudo isso precisa ser discutido. Como se financia, como recursos públicos ou privados, 500 mil candidatos?

 

E como se fiscaliza?

Sim, como se acompanha? Com financiamento público, então, nem se fala. Qualquer número (de fiscais) que a gente colocar seria insuficiente para acompanhar essa distribuição. É notório que os limites que estão sendo estabelecidos para as campanhas não estão sendo cumpridos. 80% dos municípios não podiam gastar mais de R$ 100 mil para prefeito, o que não é realista. Um vereador, R$ 10,8 mil. Temos é que tornar as campanhas mais baratas, revendo o modelo da propaganda na televisão, e buscar uma proximidade entre o eleitor e os políticos.

 

Neste contexto, de baratear as campanhas, como o senhor vê a adoção do distrital misto?

A vantagem desse modelo é que ele cria uma interface direta do candidato com o eleitor. É uma campanha feita num território menor que se parece muito com uma campanha de prefeito, onde você dialoga diretamente com o eleitor.

 

A cláusula de barreira é tão importante como discutir financiamento?

Não podemos discutir financiamento sem olharmos antes o sistema eleitoral que a gente está definindo. E, claro, temos de reduzir esse número de partidos. Não é possível termos 28 partidos representados no Congresso. Não é possível termos 35 partidos no total.

 

O parlamentarismo deve entrar nessa discussão?

Acho que sim, mas não por conta da reforma política, apesar de ela ajudar a revisar o sistema de governo. O que detectamos: quatro presidentes após a retomada da democracia e só dois chegaram ao fim do mandato. É um dado que mostra uma instabilidade.

 

 

 

 

 

Temas em debate mobilizam sociedade civil

Clima. Vaias, aplausos e protestos marcam evento que debate financiamento de campanha e outras mudanças no sistema político
Por: Gilberto Amendola

 

Gilberto Amendola

 

O“Fórum Estadão – Reforma Política em Debate”, realizado ontem no auditório do Estado, mostrou que temas como financiamento de campanha e o futuro do sistema eleitoral já têm despertado debates acirrados e apaixonados na sociedade civil. Protestos, vaias e aplausos irromperam durante as falas dos convidados.

Antes de o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, chegar ao evento, um representante do movimento ‘Tomataço’ (que como o próprio nome indica usa o ataque com tomates como forma de protesto), Ricardo Rocchi, foi retirado do auditório. Ele estava com um saco plástico cheio de tomates podres.

Rocchi, que se identificou como empresário e inventor, confirmou que o objetivo era atirar tomates no ministro. “Já joguei tomates no carro do Gilmar e na faculdade dele também. Fiquei quietinho aqui no meu canto, esperando minha chance de jogar alguns tomates podres nele, mas me reconheceram.”

Já do lado de fora do jornal, Rocchi disse, espremendo os tomates com as mãos, que Gilmar Mendes “é um inimigo da Lava Jato, a maior operação contra corrupção já feita no País”.

Durante a participação do ministro, um grupo de dez pessoas ensaiou uma vaia. Parte dos manifestantes usava nariz de palhaço em protesto contra Gilmar. Outros seguravam cartazes sugerindo o impeachment dele e palavras de ordem como “Fora, Gilmar” e “Vergonha”.

O cientista político Cláudio Couto (FGV) arrancou aplausos da plateia ao se posicionar contra o financiamento empresarial de campanha. “As empresas não votam’’, disse. Couto também afirmou que o que deveria ser discutido era o “barateamento das campanhas”.

 

Calor.  Ricardo Rocchi,  que levou uma sacola com  tomates ao evento, é retirado do auditório; Gilmar Mendes é alvo de manifestantes

 

 

 

 

ENTREVISTA - Rodrigo Maia

Para presidente da Câmara, Rodrigo Maia, País deve alterar o sistema de governo para o parlamentarismo
Por: Adriana Ferraz

 

‘Nosso modelo é de crise permanente’

Rodrigo Maia (DEM-RJ , presidente da Câmara dos Deputados

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao Estado que a reforma política, se aprovada, poderá levar o País para o parlamentarismo em um “segundo momento”. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

 

Qual a reforma política que o Brasil precisa?

A ideal é aquela que reaproxime a sociedade da política brasileira. Aquela onde o eleitor de fato se sinta representado pelos seus eleitos. Esse é o ideal, que a gente tenha um sistema onde a sociedade se sinta parte da política de uma forma permanente.

 

A reforma discutida atualmente é essa reforma ideal?

Ou apenas parte dela? Acho que a reforma, do jeito que está construída, terá um resultado muito positivo, caso aprovada. Estamos trabalhando com um sistema de transição, que é o atual, que está falido e é o pior de todos, ou o distritão, que pode ser melhor que o atual para uma eleição, como modelo transitório, apesar de não ser o ideal. Na minha análise, o distritão renova mais do que o proporcional, apesar de a maioria dos analistas discordarem. E estamos colocando para 2022 o distrital misto, que está consolidado em uma das democracias mais avançadas do mundo, que é a Alemanha. Do outro lado da reforma, vamos deixar o financiamento público como referência, mas sem valor definido

 

O eleitor entende isso?

A cada eleição há novas regras, como explicar tanta mudança? O distrital misto é um sistema consolidado, ninguém vai tratá-lo como transitório. Se ele for aprovado para a eleição de 2022, vamos trabalhar na próxima legislatura para fazer a sua regulamentação. Tem uma parte relevante da sociedade hoje, principalmente no mundo das redes sociais, que defende muito o voto no distrito. E tem uma outra parte dos partidos mais à esquerda, que entende que a lista preordenada que faz fortalecer o debate de ideias. Com o sistema alemão, então, vamos trazer para a política as duas partes da sociedade. Nós precisamos, como nas democracias mais consolidadas, ter uma renovação menor, mas com mais qualidade.

 

A adoção do parlamentarismo cabe nessa discussão?

Se a gente conseguir avançar no distrital misto, isso pode gerar condições para que a gente pense no parlamentarismo, que eu sou a favor. Se conseguirmos organizar o sistema eleitoral para que ele seja racional, que aproxime a sociedade, aí poderemos, num segundo momento, olhar para um sistema que seja, vamos dizer assim, menos imprevisível como o presidencialismo hoje é. O nosso presidencialismo hoje é um sistema de crises permanente./A.F.

 

Futuro. Maia vê parlamentarismo para um ‘segundo momento’