Título: Na cadência das reformas
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 31/01/2012, Mundo, p. 14
Cubanos aprovam a abertura à iniciativa privada e pedem um país mais em sintonia com a economia do mundo globalizado ,
Havana — Quase todos os dias, Teresa Aleje, 55 anos, senta-se em uma pequena praça diante do Malecón, perto do Consulado da Espanha, e desfruta do jantar trazido em uma marmita. A pequena cubana, de pele escura e voz tranquila, traduz um pouco do conformismo de seu povo. "Eu tenho meu trabalho, não perdi nem ganhei nada com as reformas do presidente Raúl Castro", afirma ao Correio. "Eu trabalho desde os 15 anos, nunca me preocupei com o embargo econômico dos Estados Unidos.
Tomo café da manhã, almoço e janto todos os dias", acrescenta. Para Teresa, a Revolução Cubana está impregnada de significados, e desistir dela é algo fora de cogitação. "Eu nasci antes do triunfo da revolução. Antes, minha família estava em uma condição ruim. Depois da revolução, meus parentes ganharam casa e escola. A Revolução Cubana me deu o que eu tenho", admite Teresa. Para ela, o legado de Fidel Castro e Ernesto Che Guevara foi revestir o povo cubano de "simplicidade".
Na direção de um Lada branco emprestado pelo governo, o taxista José Miguel Figueroa, 38, sabe que Havana já não é a mesma. Ele conta que as transformações levadas a cabo pelo governo aqueceram o comércio e permitiram a abertura de empresas, especialmente cafeterias e paladares, como são chamados os restaurantes privados — um fenômeno até pouco tempo impensável na ilha socialista. "É um bom caminho. Abre-se um pouco mais a economia, porque estamos um tanto atrasados", comenta. A autorização para transferências de veículos foi a novidade que mais surpreendeu o motorista. "Eu pensava que isso nunca poderia acontecer", admite. A ideologia, porém, parece sobreviver: ao lado do Escritório de Interesses dos Estados Unidos, enormes bandeiras cubanas tremulam apontando a direção de Miami. "É uma espécie de monumento de resistência ao imperialismo", resume Figueroa.
O taxista Ramón Ramírez no centro da capital, com seu Chevy 1952: "Dinheiro não compra tranquilidade"
Exemplo chinês Outra evolução importante, segundo o taxista, foi a autorização para que os cubanos se hospedem nos hotéis da ilha, antes quase exclusivos para turistas estrangeiros. Figueroa acredita que a revolução não invalida a abertura. "Na China, existe abertura ao mundo. Cuba está atrasada em relação ao mundo. Raúl busca essa abertura mantendo a ideologia", acrescenta. Ele lamenta, no entanto, jamais ter conhecido outro país. Para deixar Cuba, o cidadão precisa de dinheiro e de autorização oficial.
No Malecón, o também taxista Ramon Ramírez, 50 anos, sorri ao lado do carro amarelo lustrado. Ele comprou o Chevy modelo 1952 há quase um ano. "Fidel (Castro) era melhor. Fidel é nosso líder. Nossas vidas têm evoluído e vêm se modificando", comenta o homem de chapéu preto e barriga avantajada, ao lado de outro colega. Segundo ele, "nenhum dinheiro do mundo" compra "a tranquilidade" do povo cubano. Ramon se referia, principalmente, à sensação de segurança experimentada pela população nas ruas. "No Brasil há violência, não é?", questiona.
Apesar das reformas estruturais — que incluem a demissão de 500 mil trabalhadores estatais, o incentivo à iniciativa privada e a limitação dos mandatos de dirigentes do partido e do Estado a dois períodos de cinco anos —, as bases da Revolução Cubana parecem intactas. Aliás, a capital respira Fidel e Raúl, em frases gravadas nas paredes, grafites nos muros e nas casas, e palavras de ordem.
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