ENTREVISTA - Christopher Garman

Rosana Hessel

13/08/2017

 

 

O cientista político e diretor-geral para as Américas da consultoria internacional Eurasia, Christopher Garman, acompanha com lupa a política dos mercados emergentes e a brasileira, diretamente de Washington, onde fica seu escritório. Para ele, o prefeito de São Paulo, João Doria, tem mais chances do que o governador do estado, Geraldo Alckmin, de disputar a Presidência da República pelo PSDB, o que justifica o assédio sobre ele de outros partidos, como o PMDB.“Estamos entrando numa eleição presidencial em 2018 com um rancor antiestablishment muito forte, uma raiva tremenda contra a classe política. E o governador de São Paulo é a cara do establishment político”, afirma Garman.

Na avaliação do especialista, o presidente Michel Temer conseguiu aumentar de 60% para 70% suas chances de continuar no poder após o arquivamento da denúncia de corrupção passiva feita contra ele pela PGR. Garman reconhece que o chefe do Executivo pode avançar em algumas reformas, mas terá grandes dificuldades. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Correio na quarta-feira, quando ele esteve em Brasília visitando parlamentares e ministros.

 

Depois do arquivamento da denúncia da PGR contra Temer na Câmara, existe risco de o presidente ser afastado com novas investigações?

Hoje, existe uma expectativa no Congresso de que Temer tem fôlego para sobreviver a uma segunda e, talvez, uma terceira votação. Aumentamos de 60% para 70% a probabilidade de o presidente terminar seu mandato. É necessário haver mais evidências e um noticiário muito mais pesado contra Temer para mudar esse jogo de expectativas. Até mesmo parlamentares da oposição não acreditam que o presidente cairá. Isso permite ao Planalto negociar a agenda de reformas antes de uma segunda denúncia.

 

Como o estrangeiro vê essas crises política e fiscal no Brasil?

O Brasil vive uma situação fiscal dramática. Qualquer medida que possa atenuar o buraco fiscal é acompanhada com lupa pelos investidores estrangeiros. Esse é o ponto em que há preocupação. Não existe expectativa lá fora ou aqui dentro de que o governo possa fazer grandes reformas depois da crise política iniciada com a denúncia da JBS, em 17 de maio. O caminho para as reformas ficou mais difícil sim, e não acreditamos que a reforma da Previdência seja aprovada do jeito que está, mas uma mais enxuta é factível.

 

O que seria essa reforma enxuta? Apenas a idade mínima?

A idade mínima e as regras de transição. O governo deve trabalhar para aprovar a proposta cheia, mas duvido que tenha os votos para fazer isso.

 

Quantos votos o governo precisa para aprovar a reforma em setembro?

Nas contas do governo, ele tem algo entre 270 e 280 votos. Necessitaria de 30 a 40 votos. Temer precisa agradar aos fiéis dos partidos de centro e atrair os dissidentes para atingir o mínimo de 308 votos para aprovar a reforma. Esse é o dilema. O Planalto está convicto que de pode obter êxito em alguma versão. Mas a margem deve ser muito apertada, de acordo com nossos levantamentos.

 

Qual é a sua avaliação de um eventual governo de Rodrigo Maia? Ele conseguiria mais votos para a reforma?

Eu acho muito difícil. O importante é ter certeza de quem vai ser presidente mais cedo do que mais tarde. Se na primeira votação Temer tivesse sido derrotado e o Maia tivesse sido colocado na Presidência de forma temporária, talvez o deputado tivesse condições quase iguais de Temer para construir uma coalizão favorável para aprovar a reforma da Previdência. Agora, não. As chances de fazer a reforma da Previdência estão nestes próximos dois meses.

 

Nesse curto espaço de tempo, a reforma da Previdência não pode ser atropelada pela reforma política ou por uma possível reforma tributária?

É muito difícil que uma reforma contamine a outra. A reforma política é consensual na Câmara. Não vai interferir na da Previdência. A tributária também não vai afetar, porque vai demorar mais e deve ser encaminhada somente no fim do segundo semestre. O nó e a dificuldade da reforma da Previdência é o parlamentar assumir o desgaste perante sua base depois de ter defendido Temer para arquivar a denúncia da PGR.

 

Como fica o PSDB? Qual é sua análise sobre esse partido rachado?

A imagem do partido sofreu muito mais pelas denúncias contra o presidente (licenciado), Aécio Neves, do que pela incapacidade de tomar uma decisão. Os analistas subestimam que estamos num sistema político com baixíssimo grau de identificação partidária. O eleitor vota no candidato, não no partido. O grau de identificação partidária do PSDB é de 4%. Estava em 7% há três meses. Qualquer candidato do partido à Presidência, seja o governador Geraldo Alckmin, seja o prefeito João Doria, vai se posicionar como independente, que não fazia parte do governo Temer.

 

O fato de o PMDB dar sinais de tentar atrair João Doria pode fazer o PSDB perder, mais uma vez, as chances de retomar o poder?

O PSDB tem uma escolha muito cruel sobre quem vai lançar como candidato à Presidência. Alckmin tem apoio do partido, é uma liderança confiável, tem toda a estrutura e a experiência. Mas o desafio é que estamos entrando numa eleição presidencial em 2018 com um rancor antiestablishment muito forte, uma tremenda raiva contra a classe política. E o governador de São Paulo é a cara do establishment político. A analogia que eu gosto de fazer sobre isso é com a decisão do partido democrata dos EUA quando escolheu a candidata Hillary Clinton, que era a cara do establishment numa eleição antiestablishment. Doria seria, sim, mais competitivo que Alckmin.

 

Mesmo levando ovada, como ocorreu em Salvador?

Sim. Isso faz parte do processo. A decisão do PSDB também vai ser influenciada pelo que acontecer com o ex-presidente Lula na Justiça. Se ele for desqualificado para a disputa, tende a fortalecer a candidatura de Alckmin. Se ele puder concorrer, o incentivo do PSDB talvez seja o de lançar a candidatura anti-Lula, que é mais alinhada com Doria. Agora, se existe a possibilidade de Doria abandonar a legenda, é difícil fazer uma aposta desse gênero, mas é uma possibilidade sim.

 

Em 2018, quem tem mais chances de vitória num cenário com Lula ou sem Lula?

Se o PSDB lançar Geraldo Alckmin como candidato, e o João Doria não sair na disputa presidencial, vamos ter uma eleição altamente fragmentada, com vários candidatos antirreformistas com chances concretas de chegar lá. Cada um tem um passivo eleitoral importante, Ciro Gomes ou Jair Bolsonaro. É preciso avaliar o passivo eleitoral de cada candidato. Isso vai ser difícil de antecipar. Doria tem mais capacidade de ser competitivo. Lula, se concorrer, tem grandes chances de ir para o segundo turno, mas está com alto grau de rejeição fora do Nordeste. Num segundo turno, tende a ser derrotado.

 

Quem chegaria com Lula a um segundo turno?

Um candidato do PSDB tende a chegar. Se Lula concorrer, é mais provável que Doria seja escolhido. Aí, Lula seria derrotado no segundo turno. Mas não dá para menosprezar as chances de uma candidatura de outsider, como a de Joaquim Barbosa, que teria chance de ser competitiva.

 

E a Marina Silva, tem chance?

Vai ser candidata, mas acho que a Marina passou do momento de ser outsider. Ela pode ser competitiva, mas não vai ter tempo de televisão nem recursos partidários.

 

Frases

"Não dá para menosprezar as chances de uma candidatura de outsider, como a de Joaquim Barbosa, que poderia aparecer no páreo e tem grandes chances de ser competitiva”

 

“Até mesmo parlamentares da oposição não acreditam que o presidente cairá. Isso permite ao Palácio do Planalto negociar a sua agenda de reformas antes de uma segunda denúncia ou uma segunda votação”

 

 

Correio braziliense, n. 19805, 13/08/2017. Política, p. 4.