Correio braziliense, n. 19805, 13/08/2017. Mundo, p. 14.

 

A China corre por fora

Silvio Queiroz

13/08/2017

 

 

A segunda economia do mundo começou o mês com um inédito desfile militar que celebrou os 90 anos de fundação do Exército Popular de Libertação, à frente do qual Mao Tsé-tung marcharia para colocar no poder o Partido Comunista, em outubro de 1949. Além de assistir à demonstração de 12 mil soldados e centenas de tanques, blindados e aviões de combate, o presidente Xi Jinping discursou para reafirmar o propósito das reformas que vem implantando no setor de defesa: dotar a China de “um exército de categoria mundial”.

Não apenas o pronunciamento de Xi e a parada na Praça da Paz Celestial marcaram a data histórica. Para os chineses, agosto de 2017 será lembrado também pela inauguração da primeira base militar do país fora do seu território. Três meses depois de ter lançado ao mar o seu segundo porta-aviões, sob queixas e questionamentos dos Estados Unidos, Pequim começa a operar no Djibuti, onde também EUA, França e Japão dispõem de instalações de apoio. O país está situado no estratégico Chifre da África (veja mapa), que controla o tráfego marítimo entre o Mar Vermelho e o Mar da Arábia, caminho obrigatório entre a Europa, o Oriente Médio e o Pacífico.

“É uma mensagem muito clara de Xi para os públicos interno e externo”, diz Nabil al-Sabah, especialista em China do Instituto Merics, em Berlim, citado pelo jornal alemão Die Zeit. Depois de ter aprovado para este ano um orçamento militar recorde, equivalente a 142 bilhões de euros — atrás apenas dos 516 bilhões de euros previstos pelos EUA —, Pequim reforça a presença naval em torno de ilhas disputadas com vizinhos no Mar da China. E se projeta com mais visibilidade na cena diplomática: o presidente chinês vem de apresentar um plano para a paz entre Israel e Palestina, além de ter condenado as “ingerências externas” na Venezuela.

Em parceria com a Rússia, a China bloqueia iniciativas mais drásticas de Washington contra a Coreia do Norte. “Xi Jinping e Vladimir Putin, por ora, veem vantagem em cooperar para se contrapor a políticas dos EUA e frustrá-las”, analisa Vincent Auger, cientista político da Universidade do Oeste de Illinois. Timothy Hagle, da Universidade de Iowa, acompanha a interpretação, mas, como o colega, lembra o papel pendular cumprido pela China comunista ao longo da Guerra Fria, oscilando de uma dobradinha inicial com a União Soviética para a histórica reaproximação com Washington, nos anos 1970. “Meu palpite é que Xi não vai querer ajudar tanto a Rússia, caso Putin consiga recolocá-la no status de potência global”, disse ao Correio.