O Estado de São Paulo, n. 45235, 23/08/2017. Economia, p.B3

 

 

Venda pode colocar R$ 17 bi nos cofres públicos em 2018

 

Fernando Nakagawa

Eduardo Rodrigues / BRASÍLIA

 

A privatização da Eletrobrás pode render R$ 17 bilhões para o Tesouro Nacional no próximo ano, segundo cálculos da consultoria Thymos Energia feitos a pedido do ‘Estadão/Broadcast’. Essa estimativa leva em conta uma das opções aventadas pelo governo para vender o controle da empresa, que é a estatal levantar recursos na Bolsa de Valores com uma oferta de novas ações e usar o dinheiro para mudar os contratos do setor elétrico, o que geraria um pagamento de bônus à União. O governo ainda não definiu a modelagem de venda da empresa, mas anunciou ontem que a intenção é concluir o processo no primeiro semestre de 2018.

Apesar dessa perspectiva de reforço no caixa, o governo negou que esse seja o principal objetivo da operação. “Trata-se de um movimento muito maior do que apenas a necessidade arrecadatória. Vamos entregar uma nova empresa muito mais ágil após esse processo, com capacidade de enfrentar os desafios em um cenário competitivo com empresas globalizadas”, disse o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho.

A União tem dois caminhos diferentes para deixar o controle da companhia. O primeiro seria uma simples venda da sua participação no capital da empresa, mas os valores recebidos pelo Tesouro nessa operação – meramente financeira – não poderiam ser usados para reduzir o déficit primário (resultado antes do pagamento dos juros da dívida) do governo, estimado em R$ 159 bilhões. “Nesse caso, os recursos são inscritos como receitas financeiras, e não primárias. Não podem ser usados para o pagamento de despesas correntes”, disse o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia.

Já em outra alternativa – muito mais provável em um contexto de penúria das contas públicas –, a própria Eletrobrás emitiria um grande volume de novas ações na Bolsa, o suficiente para que a participação da União fosse diluída no total. Nesse caso, o total de recursos – que pode superar os R$ 25 bilhões – ficaria com a própria empresa.

Só que, mesmo sem receber um centavo com a privatização da Eletrobrás, o Tesouro acabaria garantindo um reforço considerável por conta de um processo que corre em paralelo. O governo Michel Temer abriu consulta pública para alterar o marco regulatório do setor elétrico e, dentre as mudanças propostas, quer permitir que 91 usinas hidrelétricas que hoje são forçadas a praticar um preço muito abaixo de mercado possam trocar seus contratos por um regime mais vantajoso.

A Eletrobrás possui 14 dessas usinas – as maiores dentre elas – e poderia deixar de cobrar entre R$ 50 e R$ 60 por megawatt-hora (MWh) gerado para passar a cobrar mais de R$ 150 por MWh. Mas a alteração de regime – chamada de “descotização” – requer o pagamento de um bônus ao governo, que atualmente a empresa não teria como pagar. “O plano permitirá à empresa participar mais ativamente do processo de descotização das hidrelétricas. No momento, a empresa não teria condições financeiras de participar do processo e, com a desestatização, iremos participar”, disse o presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira Júnior.

Ou seja, o dinheiro levantado com a privatização poderia bancar o custo da mudança de regime da empresa, estimado pela consultoria Thymos Energia em R$ 25 bilhões. Mas nem tudo iria para o governo. “A proposta que foi para consulta pública prevê que um terço do valor da alteração de contrato fique com a própria geradora, um terço sirva para abater encargos setoriais e o terço restante vá para o Tesouro. Mas o governo já sinalizou que pode tentar ficar com dois terços desse valor, o que daria em torno de R$ 17 bilhões”, explicou o presidente da Thymos, João Carlos Mello.

 

 

Chineses, fundos e europeias na lista de candidatos

Por: Renée Pereira / Luciana Collet

 

Renée Pereira

Luciana Collet

 

A lista de possíveis interessados no controle da Eletrobrás vai muito além dos chineses, que nos últimos anos abocanharam grandes companhias no setor, a exemplo da CPFL Energia e das usinas da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). Especialistas afirmam que, dependendo da modelagem que será adotada pelo governo, o ativo pode ser ideal para grandes fundos de investimentos espalhados pelo mundo, e que hoje têm muito dinheiro em caixa para gastar.

O presidente da Thymos Energia, João Carlos Mello, acrescenta ainda que as elétricas europeias – algumas delas que já passaram pelo mesmo caminho que o governo trilha para a Eletrobrás – estão voltando com apetite ao mercado brasileiro. Ele afirma que a italiana Enel e a francesa EDF podem ser candidatas a comprar uma fatia da estatal. “Numa venda pulverizada, dependendo do tamanho dos lotes, as companhias brasileiras também podem disputar esse negócio.”

O presidente da Engie Brasil Energia, Eduardo Sattamini, também acredita que a privatização da Eletrobrás está mais voltada para um investidor financeiro do que para um investidor estratégico, tendo em vista que a operação visa à entrada de recursos na companhia e à diluição da participação governamental. Ainda assim, ele considerou que “é uma maneira inteligente de dar dinamismo à empresa, ao liberar das amarras estatais”, permitindo uma gestão mais efetiva.

Para a economista Elena Landau, ex-conselheira da Eletrobrás, o governo conseguiu uma solução que estava “quicando na área”, considerando toda discussão sobre meta fiscal. Para ela, a oferta de ações, com a União diluindo a participação, é uma solução que vai ajudar a Eletrobrás nesse processo de transformação pela qual já vem passado. “E não será um modelo tradicional como antes (ou seja, será uma venda pulverizada).”

O presidente da EDP Energias do Brasil, Miguel Setas, também viu com bons olhos o anúncio da privatização da estatal. Apesar disso, ele evitou comentar a modelagem sugerida pelo governo para executar a privatização e a possibilidade de a EDP ou seu controlador, a China Three Gorges (CTG), participar do processo. “É cedo para comentar, a modelagem ainda está sendo estudada. (...) Obviamente nossa obrigação é fazer uma análise.”

Setas lembrou que a EDP já anunciou o interesse em adquirir ativos da Eletrobrás nos quais a companhia é sócia. “Apresentamos uma proposta, mas ela não foi aceita.”

 

 

Itaipu e usinas nucleares estão fora do pacote

Itaipu e as usinas nucleares de Angra dos Reis não deverão ser privatizadas no pacote da Eletrobrás. Os projetos têm restrições que dificultam ou até mesmo proíbem a transferência ao capital privado. O futuro das duas empresas será debatido pelo governo. Sobre o futuro de Itaipu, a discussão passará pelo governo paraguaio. Metade da 2ª maior usina do mundo é do Brasil e a outra parte é do Paraguai. Técnicos do governo entendem que a parcela brasileira de Itaipu não poderia ser desvinculada da parcela do Paraguai. Já o futuro da Eletronuclear, subsidiária que cuida das usinas em Angra, tem restrições constitucionais. O texto prevê que compete à União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza”.

 

 

 

Privatização leva em conta a conjuntura econômica

Por: Nivalde de Castro

 

ANÁLISE : Nivalde de Castro

 

A Eletrobrás foi fundamental na construção de sistema elétrico de dimensões continentais e matriz elétrica limpa, renovável e sustentável. O Estado brasileiro definiu políticas e estratégias de desenvolvimento com a Eletrobrás sendo instrumento de planejamento, operação e construção do complexo sistema elétrico. Mas, nos anos de 1980-90, a grave crise econômica reduziu drasticamente a capacidade de investimento do Estado, e a Eletrobrás passou por um processo de mutação. Inicialmente, se tentou rapidamente a privatização total. Não só não se conseguiu este objetivo, como a falta de planejamento e de investimentos submeteram o Brasil à crise do racionamento de 2001-2002.

A partir de 2003, a Eletrobrás volta a investir, mas com participação limitada nos novos projetos a 49% para poder obter financiamento do BNDES. Dentro dessa nova estratégia, grandes projetos de usinas e linhas de transmissão foram construídos, cabendo à Eletrobrás suportar taxas de remuneração menores em parcerias nem sempre eficientes, que levaram à destruição de valor.

A mudança nas regras de contratos derivadas da MP 579, de 2012, reduziram frontalmente suas receitas, em momento de grandes investimentos, provocando forte desequilíbrio financeiro. A solução imposta a partir de 2105 foi vender as distribuidoras cronicamente deficitárias e participação em projetos em andamento. Dificuldades internas de avançar este processo e a pressão do Ministério da Fazenda para reduzir o déficit fiscal levaram o governo a decidir privatizar em bloco, vendendo o controle acionário na Bolsa. Trata-se, assim, de decisão sem nenhuma convicção estratégica, mas de conjuntura econômica.

O risco futuro é o Brasil perder um importante instrumento de política energética. Para evitar esse risco, a venda de ações deve ser pulverizada com governança profissional e privada. E, principalmente, com cláusula de “golden share” para que o Estado possa definir políticas estratégicas para este setor tão importante e estratégico para o desenvolvimento do Brasil, com especial atenção para sua internacionalização, a exemplo de outros países como Portugal e Itália.