O Estado de São Paulo, n. 45237, 25/08/2017. Espaço Aberto, p.A2

 

 

 

A centralidade política da educação

Por: Priscila Cruz / Olavo Nogueira / Gabriel Correa

A educação brasileira permanece vítima da lógica curto-prazista de governar. As decisões (ou a falta delas) se dão em sintonia com a eterna campanha em que vivem os políticos em seus mandatos de quatro anos – e o tempo de construção de medidas estruturantes se desencontra do tempo político-eleitoral. A pergunta que fica é: se as evidências já indicam com bastante clareza que educação pública de qualidade é condição necessária para permitir um futuro com mais crescimento econômico e melhor distribuição de renda, democracia fortalecida, mais segurança pública e menos homicídios, mais proteção à vida e à saúde e mais renda e emprego, por que raramente ela é prioridade dos governos?

Alguns dirão que o problema é a falta de valorização da educação pela sociedade. Não é, entretanto, o que dizem as pesquisas, tanto as de opinião quanto as acadêmicas. O professor de Economia da USP Renato Colistete mostrou em sua pesquisa de livre docência que a demanda das famílias por educação vem desde muito antes da República, pois elas tinham a certeza de que esse acesso promoveria um futuro melhor para seus filhos. Não gera surpresa, portanto, que vários políticos tentem passar publicamente a imagem de que são “pró-educação” – basta dar uma olhada rápida em seus perfis em redes sociais.

Não obstante, apesar da valorização por grande parte da população, sabemos que ela pouco se reflete em pressão nas urnas. É difícil para o eleitor perceber e avaliar melhoras na qualidade da educação, assim como associar fracassos ou sucessos educacionais aos gestores efetivamente responsáveis. Isso se dá em parte pela falta de parâmetros comparativos – muitos pais dos atuais estudantes brasileiros tiveram pouco acesso à escola – e também porque muitas políticas educacionais que podem de fato melhorar a aprendizagem dos alunos são pouco tangíveis – como a formação de professores –, fazendo com que pareçam menos urgentes se comparadas a outras políticas sociais. Essa situação acaba gerando desincentivos aos governantes: se o custo político de não mexer com a educação é baixo e o benefício de promover mudanças estruturantes não é garantia de frutos eleitorais, o ato de priorizar a educação fica dependente da tão rara visão estadista de um político.

Diante desse cenário, uma abordagem realista sugerirá que o caminho para a mudança está, ao menos no curto prazo, nas mãos de poucos: caberá a quem pensa o País e é ouvido, aos maiores influenciadores do debate público, aos formadores de opinião em diversas áreas e a todos aqueles que estão imbuídos da tarefa de mudar a trajetória histórica de crise após crise garantir que a educação seja prioridade na pauta dos governantes brasileiros.

Para tanto, é preciso que cada um desses atores ponha o tema em sua pauta de atuação, seja ela qual for – no meio acadêmico, empresarial, governamental, profissional. Esses grandes influenciadores do debate nacional têm papel central. A omissão dessa elite – não só econômica – nos custa muito caro. Cobrar benefícios apenas para seus setores, áreas e negócios é uma atitude míope. As empresas, os governos, as universidades, os trabalhadores, as famílias e, especialmente, as crianças e os jovens, todos ganham com a oferta de educação pública de qualidade.

É essencial que esses atores usem sua influência ativamente para conferir maior centralidade da educação no dia a dia dos políticos, pressionando-os vigorosa e incessantemente para a efetivação de medidas e atitudes que algumas experiências de sucesso em solo brasileiro, ainda que em quantidade pequena, já iluminam: exigir foco nas práticas validadas pelas pesquisas; dar continuidade e progressividade aos bons programas da gestão anterior; blindar a gestão central, regional e das escolas contra interferências político-partidárias; dar respaldo ao dirigente educacional mesmo quando medidas corretas são tidas como impopulares no começo; e cobrar obstinadamente a busca por melhores resultados.

Muitos desses formadores de opinião estão, inclusive, na mídia. Jornalistas e comunicadores podem aumentar o custo da má gestão ou do descaso com a educação por meio de uma cobertura mais crítica. Por outro lado, quem faz e demonstra resultados deve ser devidamente reconhecido, dando, assim, mais luz àqueles que promovem ações alicerçadas nas melhores práticas. Se, por um lado, nenhum político quer ser exposto publicamente como inimigo da educação, principalmente em épocas eleitorais, que incentivo há quando boas iniciativas são emplacadas sem que haja nenhum ou pouco reconhecimento público de tal esforço?

A causa da educação tem o potencial de unir pessoas de diferentes posicionamentos político-ideológicos, de diversas áreas, setores, regiões. Num país assolado pela corrupção, pela violência, pelo precário atendimento à saúde, pelo enfraquecimento da democracia e pelo acirramento da intolerância, temos o imperativo – moral, de justiça social e de estratégia de desenvolvimento humano e econômico – de superar o descaso histórico com a educação.

Com gestões municipais ainda em seu primeiro ano e com novos governos nacional e estaduais se aproximando, o momento é de educação já! Pois, se hoje temos abundância de diagnóstico, de evidências sobre práticas que trazem bons resultados e temos instrumentos institucionais para colocar a educação num patamar mais alto, a equação a ser resolvida é menos técnica e muito mais de centralidade política, de real compromisso com a escola pública. Essa, sim, é a escolha que nos permitirá, a médio prazo, sair da crise estruturante em que nos encontramos.

(...)

 

* PRISCILA CRUZ, OLAVO NOGUEIRA E GABRIEL CORREA SÃO, RESPECTIVAMENTE, MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELA HARVARD KENNEDY SCHOOL, PRESIDENTE EXECUTIVA DO TODOS PELA EDUCAÇÃO; PÓS-GRADUADO EM GESTÃO PÚBLICA PELO CENTRO DE LIDERANÇA PÚBLICA E GERENTE DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO TODOS PELA EDUCAÇÃO; E MESTRE EM ECONOMIA (USP) E GERENTE DE PROJETOS DO TODOS PELA EDUCAÇÃO