Correio braziliense, n. 19811, 19/08/2017. Política, p. 2.

 

 

Pelo fim da caixa-preta

Alessandra Azevedo

19/08/2017

 

 

Em meio a um cenário de aperto fiscal focado no serviço público, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, resolveu investigar os salários dos juízes. Todo mês, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também comandado por ela, analisará as folhas de pagamento de todos os magistrados do país. A avaliação inclui não só o salário, mas as verbas indenizatórias, subsídios e outros eventuais benefícios recebidos. Os tribunais têm 10 dias úteis — ou seja, até o fim de agosto — para enviar cópias das folhas de pagamento referentes ao período de janeiro a agosto deste ano. A partir de setembro, deverão dar satisfação, no máximo, cinco dias após a liberação do pagamento. Os valores serão divulgados ao público. A nova regra foi anunciada ontem por meio de portaria do CNJ, órgão responsável por fiscalizar o Judiciário. No documento, a ministra ressaltou a “necessidade de aperfeiçoamento das formas de acesso à informação dos dados relacionados à estrutura remuneratória dos integrantes do Poder Judiciário”. Os salários dos juízes são, de fato, alvo de controvérsia por incorporarem, com frequência, muitas verbas adicionais que superam o salário. Assim, boa parte deles consegue ultrapassar o teto salarial estipulado constitucionalmente para o funcionalismo público, equivalente à remuneração dos ministros do Supremo, de R$ 33.763. A exigência de prestação de contas vem na sequência da recente decisão do governo federal de diminuir os gastos com servidores públicos do Executivo, por meio de medidas como limitação do salário inicial e corte de cargos. Anunciada terça-feira, a “reestruturação” gerou críticas pelo fato de o Judiciário e o Legislativo terem ficado de fora do ajuste fiscal, aparentemente sem pretensões de lançarem cortes de iniciativa própria.

Auxílio-caviar

Provas do descaso são vistas em todas as instâncias, quando, em meio à crise, os poderes aumentam benefícios, já bem mais altos que a média na iniciativa privada, como fizeram os deputados de Rondônia. Aproveitando-se da prerrogativa de mudar os valores por regulamentação interna — significado prático da “autonomia financeira” usada como justificativa pelo governo federal para não ter proposto uma reformulação nas carreiras dos outros poderes —, o presidente da assembleia estadual, Maurão de Carvalho (PMDB), anunciou, na última quarta-feira, a criação de um auxílio-alimentação de R$ 6 mil para os deputados. O valor equivale a mais de seis salários mínimos (R$ 937) e corresponde a R$ 300 por dia de trabalho, descontados os fins de semana. Após a repercussão negativa, o presidente da Casa revogou o auxílio e manteve os R$ 23,5 mil de cota mensal, sem separação por tipo de despesa, para arcar com atividades parlamentares. Voltou a vigorar para os rondonienses o mesmo esquema usado na Câmara dos Deputados, com a diferença que os federais têm direito a ressarcimento de cerca de R$ 40 mil com gastos com alimentação, moradia, combustível, fretamento de veículos, entre outras dezenas de despesas listadas no ato da Mesa Diretora que definiu a cota parlamentar. “Os gastos de Legislativo e Judiciário são desmedidos, fora da realidade, ainda mais em um momento de crise”, criticou o especialista em gestão pública José Simões, professor do Ibmec.

Os servidores do Executivo recebem R$ 458 por mês de auxílio-alimentação, 13 vezes menos que o valor proposto aos deputados de Rondônia e quase metade do destinado aos servidores do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (R$ 884). “Nada justifica uma diferença tão grande de um poder para o outro. É uma forma de dar aumento salarial sem mexer na folha de pagamento”, afirmou Simões. Ele considera que R$ 30 por dia, ou R$ 600 mensais, são mais que suficientes para arcar com esses gastos. “Um almoço na Esplanada dos Ministérios, por exemplo, custa por volta de R$ 15.” Os distritais da Câmara Legislativa do DF, no entanto, consideram insuficientes tanto os valores destinados ao tribunal quanto o dos servidores do Executivo. Apesar de receberem salário de R$ 25,3 mil, eles incrementaram, em janeiro, o auxílio-alimentação, que saltou de R$ 1.184,92, o equivalente a R$ 59,25 por dia de trabalho, para R$ 1.269,84 (gasto diário de R$ 63,49). Além dos deputados, os 625 servidores atualmente lotados na Casa recebem o mesmo valor, o que eleva a fatura em R$ 793.650 por mês. Os deputados têm direito, ainda, a uma verba indenizatória de R$ 25.322,25 para custear os trabalhos dos gabinetes, entre outros benefícios.

Discrepância

Veja quanto alguns servidores e parlamentares ganham de auxílio-alimentação por mês:

Servidores do Executivo Federal R$ 458

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios R$ 884

Deputados e funcionários da Câmara Legislativa do DF R$ 1.269,84

Procuradores de Justiça do Maranhão R$ 3.047,11