Correio braziliense, n. 19812, 20/08/2017. Opinião, p. 2.

 

Eles só pensam na disputa de 2018

Natalia Lambert e Paulo de Tarso Lyra

21/08/2017

 

 

Falta mais de um ano e um mês para as eleições presidenciais de 2018 e as regras eleitorais nem sequer estão aprovadas pelo Congresso Nacional no âmbito da reforma política (leia mais na página 3). Mesmo assim, os principais pré-candidatos ao posto percorreram, nos últimos três meses, somados, 54 mil quilômetros pelo país. Para se ter uma ideia, isso equivale a quase uma volta e meia ao planeta, percurso que corresponde a cerca de 40 mil quilômetros. Levantamento feito pelo Correio, com as agendas oficiais e eventos publicados nas redes sociais em junho, julho e agosto deste ano, mostra que, a despeito de ainda termos um titular no Planalto, todos já estão pensando no pós-Michel Temer.

Quem mais viajou foi o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT). Determinado a conquistar os votos da esquerda do Brasil — especialmente diante das incertezas quanto à viabilidade da candidatura do petista Luiz Inácio Lula da Silva —, Ciro fez palestras em universidade, deu entrevistas e participou de eventos destinados aos agentes econômicos em quase todas as regiões, percorrendo cerca de 21.718km.

Em segundo lugar aparece o deputado federal Jair Bolsonaro, atualmente no PSC, e ainda sem definição de qual partido vai abraçar a sua proposta radical de extrema-direita na Presidência. Ele estava às vésperas de se filiar ao PEN, mas adiou o casamento porque o partido questiona, no Supremo Tribunal Federal (STF), a prisão de condenados em segunda instância. Com mais de 13 mil quilômetros de avião, o congressista participou de diversos eventos. De acordo com a assessoria de imprensa do parlamentar, apesar das viagens terem sido bem afastadas do Rio de Janeiro, seu domicílio eleitoral, Bolsonaro não está em campanha, mas, sim, cumprindo funções como deputado.

 

Caravana

Prefeito de São Paulo há menos de um ano, João Doria (PSDB-SP) tem sido visto com pouca frequência pelas ruas da cidade. Na onda da descrença social com a classe política, o tucano tem rodado o país em clima de campanha para se tornar conhecido e se apresentar como alternativa aos medalhões já conhecidos e rejeitados Brasil afora. A intenção é visitar todas as capitais até o fim do ano e ganhar a disputa interna dentro do PSDB para ser o nome indicado. “Ele está determinado a conquistar essa vaga, mas não quer um confronto direto com o (Geraldo) Alckmin nem sair do PSDB. Então, ele vai trabalhar para fazer com que os tucanos entendam que o nome dele tem chance de ser vencedor”, conta uma pessoa próxima.

Líder em todas as pesquisas de intenção de voto realizadas até agora, Lula tem viajado bem menos que seus concorrentes. O petista iniciou na semana passada uma caravana pelo Nordeste, nos moldes da que fez no auge do mensalão, em 2005, e que lhe deu a certeza de que ainda era competitivo para concorrer à reeleição. Até agora, foram pouco mais de 2 mil quilômetros percorridos, apenas em agosto, já que, em junho e julho, ele limitou-se a participar de atos em São Paulo. A excursão pelo Nordeste foi planejada após a condenação de Lula no processo do tríplex do Guarujá.

Para o professor político de marketing digital da ESPM Marcelo Vitorino, os postulantes ao Planalto agem de maneira correta. “Como não existe mais restrição à pré-campanha, a antecipação faz com que, quando a corrida começar de fato, os gastos fiquem menores, pois os nomes já serão conhecidos”, justificou. Vitorino acrescenta que postulantes reais ao Planalto, até o momento, só podem ser considerados Ciro ou Bolsonaro.

Doria ainda precisa resolver a disputa interna no PSDB com Geraldo Alckmin, e Lula luta contra a rejeição e o risco de uma condenação em segunda instância, o que o tornaria inelegível pelas regras da Ficha Limpa. “Eu acredito que, se chegar em fevereiro e não conseguir reverter a rejeição, Lula desiste da candidatura. Ele não vai querer perder, vai preferir apostar em um candidato do PT com o discurso de que lhe interditaram o direito de concorrer”, aposta o especialista em marketing digital.

Vitorino ainda alerta para um nome que não aparece nos cenários mas que pode crescer: o senador Álvaro Dias (PR), filiado ao recém-criado Podemos. “Se o eleitor brasileiro repetir o fenômeno argentino e o francês e apostar no novo, Doria cresce. Se quiser alguém diferente e limpo, mas político testado, Álvaro entra no páreo”, resume ele.

O diretor do Instituto de Ciência Política da UnB, Paulo Calmon, acrescenta nesse caldeirão o fato de que, fragilizado como está, o governo Temer não terá condição de embalar nenhuma candidatura. “Como Lula aparece como o único nome consolidado até o momento, todos os demais precisam se esforçar para apresentarem-se como alternativa”, disse Calmon. Já o professor de ciência política da UFRJ Paulo Bahia acha que essa antecipação da corrida eleitoral começou com o impeachment de Dilma. “É curiosa essa corrida sem que o Congresso tenha definido sequer as regras que valerão para a eleição do ano que vem”, completou.