Correio braziliense, n. 19815, 23/08/2017. Mundo, p. 14.

 

 

Ataque aos vizinhos

Rodrigo Craveiro

23/08/2017

 

 

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, informou ontem que enviará uma carta ao colega norte-americano, Donald Trump, na qual expressará o desejo de conversar com o magnata republicano. “Eu, sim, quero falar com Trump. Por que não vou querer falar com ele? Você e eu deveríamos conversar”, propôs o venezuelano. “Eu quero que as relações mudem para melhor. (…) Tomara que ele responda à carta  que enviarei. Você tem que ser valente para falar com quem pensa diferente”, disse Maduro, durante uma entrevista coletiva.  A ideia é que a conversa ocorra por via telefônica na próxima semana.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, endureceu a retórica contra os governos de Brasil, Paraguai e Argentina, ao acusar os três países de fazerem parte de um conluio para derrubá-lo e de dividirem a América do Sul. “A tríplice aliança Paraguai, Argentina e Brasil são três governos nefastos. (…) O fim do caminho da América Latina não pode ser da intervenção, da intriga. Temos que retornar ao encontro, à união. (…) A tríplice aliança abandonou o caminho do respeito e da união da América do Sul”, afirmou Maduro, enquanto uma de suas principais adversárias, a procuradora-geral destituída Luisa Ortega Díaz, embarcava em Bogotá rumo a Brasília. Na tarde de ontem, ela fez uma escala no Panamá, onde se reuniu com o presidente Juan Carlos Varela.

Ortega participará, hoje, da abertura da 22ª Reunião Especializada de Ministérios Públicos do Mercosul (REMPM), no Memorial da Procuradoria-Geral da República. O evento contará com representantes dos Ministérios Públicos de Brasil, Rússia, China, Índia, África do Sul, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname. Consultado pelo Correio, o Itamaraty negou o agendamento de reuniões entre a venezuelana e autoridades do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Rumores indicavam que Ortega e o marido, o deputado German Ferrer, viajariam aos Estados Unidos com a intenção de solicitar asilo. O casal fugiu da Venezuela na última sexta-feira, a bordo de uma lancha, em direção a Aruba. De lá, embarcaram para Bogotá.

O procurador-geral da Colômbia, Fernando Carrillo, garantiu ontem que Luisa Ortega possui documentos que evidenciariam a participação de lideranças políticas da Venezuela no esquema de corrupção da empreiteira brasileira Odebrecht no país. “Os ditadores caem quando a corrupção se faz evidente”, advertiu. Enquanto isso, Maduro pedirá à Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) a captura de Ortega e de Ferrer. “A Venezuela vai solicitar à Interpol um código vermelho para essas pessoas envolvidas em crimes graves. Sinceramente, nunca imaginei uma traição como esta. (Ela) Já estava comprometida, já estava quebrada moralmente. (…) Andas com a oligarquia colombiana, com os golpistas brasileiros. Diga-me com quem andas e te direi quem és”, declarou o presidente. “O Brasil acolhe esses fugitivos da Justiça venezuelana, seu marido, o chefe do cartel da Procuradoria.”

Se Maduro denunciou uma “divisão” na América do Sul, os países da região deram mostras de coesão. O Chile concedeu asilo a cinco dos 33 magistrados venezuelanos nomeados pela Assembleia Nacional para o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), em 21 de julho. O governo do Peru, por sua vez, estudava um plano de contingência para a retirada de cidadãos da Venezuela, em caso de agravamento da crise política. Por telefone, Alejandro Rebolledo, um dos juízes perseguidos pelo regime de Maduro, afirmou que “o Brasil tem dado um exemplo de justiça em relação ao caso Odebrecht e à corrupção”. “O Brasil tem feito o possível para revelar o esquema da Odebrecht, o qual repercute em toda a América Latina. Também tem dado um passo importante em relação ao ordenamento jurídico.” Ele lembrou que o artigo 3 do estatuto da Interpol determina que o organismo não pode atuar  em casos de perseguição política.

 

Investigação

Professor de pós-graduação da Universidad Central de Venezuela (UCV), Jesús Méndez Quijada desqualificou as críticas do Palácio de Miraflores a Argentina, Paraguai e Brasil. “Maduro ataca todos aqueles que fazem objeção ao aprofundamento autoritário que decidiu assumir. Ele fez o mesmo com México, Panamá, Espanha e Canadá”, explica. De acordo com Quijada, o pedido de Caracas pela prisão internacional de Luisa Ortega e do marido mostram uma tentativa do presidente de criminalizar a investigação sobre supostos subornos da Odebrecht recebidos por Maduro e aliados. “O presidente distorce o estatuto da Interpol, ao pretender utilizar a entidade como executor de perseguição política.”

Para o deputado venezuelano Eliezer Sirit, do partido opositor Acción Democrática (AD), Maduro segue assumindo “condutas irresponsáveis”. “Pretende responsabilizar fatores externos de algo que somente ele é o culpado. Na minha terra, há um refrão que diz: ‘Uma coisa pensa o burro, outra aquele que lhe coloca a sela”, disse à reportagem.

 

Frases

“Andas com a oligarquia colombiana, com os golpistas brasileiros. Diga-me com quem andas e te direi quem és”

“A Venezuela vai solicitar à Interpol um código vermelho para essas pessoas envolvidas em crimes graves”

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, ao se referir à procuradora-geral destituída Luisa Ortega Díaz e ao marido dela, Germán Ferrer

 

“A tríplice aliança Paraguai, Argentina e Brasil são três governos nefastos. Confiamos nas vias legais, nas quais entramos com recursos. O fim do caminho da América Latina não pode ser da intervenção, da intriga”

Nicolás Maduro, ao acusar Brasil e Paraguai de dividirem a América do Sul

 

Depoimento

“Nós queremos fazer justiça”

“Nós, os  33 juízes nomeados pela  Assembleia Nacional para  o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), não temos palavras para agradecer aos países que denunciaram a hora obscura da democracia na Venezuela. Desde o começo, temos sido perseguidos, de maneira implacável, apenas pelos únicos pecados de termos um currículo exitoso e de querermos fazer justiça na Venezuela, quando a impunidade, a corrupção, o narcotráfico e o financiamento do terrorismo imperam no país.

Acabo de chegar do Peru, onde me reuni com o vice-chanceler e com a Suprema Corte de Justiça de Lima. Não pretendo pedir asilo, pois estou em trânsito e desejo retornar à Venezuela. Estou tratando que as sanções impostas pelos Estados sejam replicadas pelo Brasil e por outros países, além da União Europeia. O mais importante é que os violadores de direitos humanos na Venezuela não tenham a possibilidade de se reunir com líderes da região.”

Alejandro Rebolledo, um dos 33 magistrados do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela designados pela Assembleia Nacional, em 21 de julho

 

Eu acho...

“Ao ameaçar pedir a prisão internacional de Luisa Ortega e do marido, o presidente Maduro mostra que perdeu a capacidade de discernimento. A Interpol poderia responder que tratará de capturar o vice venezuelano, Tareck El Aissami, ante acusações apresentadas pelo governo dos Estados Unidos.”

Eliezer Sirit, deputado pelo partido opositor Acción Democrática (AD)

 

“As críticas de Maduro ao Brasil, à Argentina e ao Paraguai são uma cortina de fumaça. ‘Todos são responsáveis pelo que ocorre, menos eu.’ É uma atitude típica dos megalomaníacos e dos líderes totalitários.”

Américo De Grazia, deputado pelo partido opositor CausaR

 

“Maduro convoca o diálogo como instrumento para validar a arbitrariedade. Para  ele, a Constituinte, rechaçada de forma  contundente por vários países democráticos, é um espaço de diálogo. Não é viável que exista diálogo nos termos da ditadura.”

Jesús Méndez Quijada, professor de pós-graduação da Universidad Central de Venezuela