O globo, n.30711 , 06/9/2017. PAÍS, p.8

Ponto-chave é efeito real da atuação de Miller

SILVIA AMORIM

 

 

Esclarecimento sobre papel de ex-procurador influenciará decisão sobre validade de provas, dizem especialistas

A abertura de investigação interna na Procuradoria-Geral da República (PGR) para rever benefícios acordados na delação premiada de três executivos da J&F levantou a discussão sobre o impacto que gravações que os colaboradores não tinham entregue aos investigadores terão sobre as provas colhidas a partir do acordo da empresa. A apuração foi determinada anteontem pelo procurador-geral, Rodrigo Janot.

Especialistas acreditam que advogados de citados nas delações, como o presidente Michel Temer, podem pedir a anulação do acordo. Há dúvidas, porém, se essa tese vai avançar. O principal ponto de discórdia é o efeito da atuação do ex-assessor da PGR Marcelo Miller na efetivação da colaboração da JBS. Em uma gravação, Joesley Batista e Ricardo Saud dizem ter sido ajudados por Miller na elaboração da proposta de acordo assinado com a PGR.

Para oprofessor de Direito Penal da PUC-SP Carlos Kauffmann, caso comprovado que Miller orientou Joesley enquanto atuava na PGR, as provas devem ser invalidadas. Já o professor de Direito Constitucional da USP Rubens Beçak acredita que o acordo não deve ser invalidado, pois os fatos gravados valem por si só

 

OS POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS DO CASO

 

1 A INVESTIGAÇÃO PODE SER ANULADA SE O EX-ASSESSOR DA PGR AJUDOU O DELATOR?

Há controvérsia. Para o professor da PUC-SP Carlos Kauffmann, se ficar provado que o exprocurador Marcello Miller orientou os então potenciais delatores enquanto atuava na PGR, pode ser alegado vício de origem da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, e todas as provas obtidas podem ser invalidadas — até mesmo a gravação da conversa entre Temer e Joesley e a imagem da entrega de dinheiro ao ex-deputado Rocha Loures. O professor da USP Rubens Beçak tem uma leitura diferente. Ele entende que uma ingerência do ex-assessor da PGR não contamina necessariamente as provas e argumenta que a gravação de Temer e a imagem de Loures são incontestáveis.

2 MUDA O CENÁRIO SE O EX-ASSESSOR AJUDOU DELATOR JÁ FORA DO CARGO?

Se ficar comprovado que Marcello Miller atuou nos bastidores da delação de Joesley Batista quando já não ocupava o cargo de procurador, isso enfraqueceria a tese de anulação da investigação. Não seria uma infração funcional, nem crime. A atitude poderia ser considerada imoral. Isso porque o ex-procurador poderia ter conhecimento da investigação, mesmo que não tivesse integrado a equipe de investigadores do caso, e assim poderia ajudar o delator a direcionar o conteúdo da sua colaboração, sendo seletivo nos fatos narrados. A lei não proíbe que um ex-integrante do Ministério Público Federal deixe o cargo e, no dia seguinte, passe a exercer suas atividades advocatícias.

3 QUAL É O LIMITE DE ATUAÇÃO DE INVESTIGADORES EM DELAÇÕES?

O princípio maior de uma delação premiada é que ela seja espontânea por parte do delator. Não pode haver direcionamento dos fatos a serem narrados, e o delator precisa apresentar, sem omissão, tudo o que conhece sobre o objeto em investigação, sob pena de perder os benefícios garantidos em troca da colaboração. Investigadores não podem abrir a potenciais delatores o conteúdo da apuração em andamento nem as lacunas para as quais buscam respostas. Essa conduta pode ser enquadrada como infração funcional grave porque configuraria um direcionamento do que seria delatado. Por isso, a polêmica em torno da atuação do ex-assessor da PGR Marcello Miller.

4 TEMER PODE SE LIVRAR DA DENÚNCIA DA PGR COM A DELAÇÃO SOB SUSPEITA?

A anulação da denúncia da Procuradoria-Geral da República que acusou Temer de corrupção passiva — baseada na gravação da conversa entre o presidente e Joesley Batista e na entrega de uma mala com dinheiro a Rocha Loures — deverá ser a principal aposta da defesa de Temer diante das suspeitas que recaem sobre a delação da JBS. Se ele conseguir, não terá que se preocupar, ao deixar o cargo, com um processo. Por enquanto, a denúncia está parada no Supremo Tribunal Federal, após a Câmara rejeitar a abertura de ação penal contra o presidente. Se não houver a anulação, quando Temer perder o foro privilegiado, o processo será transferido para a primeira instância e prosseguirá normalmente.