O globo, n.30711 , 06/09/2017. PAÍS, p. 12

Lava-Jato: Cabral pagou propina por Rio-2016

CHICO OTAVIO

DANIEL BIASETTO

MIGUEL CABALLERO

 

 

 

‘Rei Arthur’, considerado foragido, teria viabilizado operação; presidente do COB é levado para depor à PF

A Operação Lava-Jato avançou sobre os Jogos Olímpicos e identificou transações financeiras que indicam a compra de pelo menos um voto favorável ao Rio na eleição que, em 2009, definiu a cidade como sede da Olimpíada de 2016. Segundo a investigação, uma parceria entre autoridades brasileiras e francesas, o empresário Arthur César de Menezes Soares Filho (conhecido como “Rei Arthur”) pagou, a mando do então governador, Sérgio Cabral (PMDB), US$ 2 milhões ao filho de um dirigente com direito a voto na eleição do Comitê Olímpico Internacional (COI). O dinheiro, que seria oriundo de desvios em contratos do estado, entrou na conta de Papa Diack, filho de Lamine Diack (então presidente da Federação Internacional de Atletismo), três dias antes da votação. A ação foi batizada de Unfair Play (“jogo sujo).

Um mandado de prisão foi expedido contra Soares, mas ele não foi encontrado — a suspeita é que esteja nos Estados Unidos, e o empresário, que já teve o nome incluído na lista da Interpol, é considerado foragido. Eliane Pereira Cavalcante, sócia de Soares, foi presa ontem no Rio. O presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Carlos Arthur Nuzman, que também esteve à frente do Comitê Rio 2016, organizador dos Jogos, foi intimado a depor na Superintendência da Polícia Federal.

 

PROPINA NO EXTERIOR

Agentes da PF cumpriram mandados de busca e apreensão em endereços ligados aos três, incluindo a sede do COB, na Barra da Tijuca, Zona Oeste. A PF encontrou cerca de R$ 480 mil em dinheiro vivo (divididos em cinco moedas diferentes) na casa de Nuzman, que teve de entregar três passaportes, segundo o RJTV. O juiz Marcelo Bretas determinou ainda o bloqueio de R$ 1 bilhão em bens dos investigados.

— Venderam a realização dos Jogos como um grande momento de desenvolvimento do Rio, e as investigações estão mostrando que foram um trampolim para inúmeros casos de corrupção, como as obras do Arco Metropolitano e da Linha 4 do metrô — afirmou a procuradora Fabiana Schneider.

Para concretizar o pagamento de propina, Soares abriu uma conta chamada Matlock em um banco de Antígua e Barbuda. A conta era operada pelo doleiro Renato Chebar, que cuidava de uma conta de Cabral no mesmo banco — Chebar tornou-se delator e revelou detalhes do esquema. O mecanismo também foi usado para pagar propinas ao ex-governador no exterior: US$ 10,4 milhões saíram da Matlock para a conta de Cabral.

A transferência que, supostamente, serviu para comprar o voto do dirigente precisou ser refeita. Na primeira tentativa, os US$ 2 milhões foram transferidos para um banco francês, que estranhou a operação e a recusou. A propina então foi fracionada: Diack recebeu US$ 1,5 milhão em um banco de Senegal e US$ 500 mil em uma instituição bancária da Rússia.

Soares tornou-se um dos maiores prestadores de serviço do estado durante o governo Cabral — para o MPF, um posto alcançado em troca de pagamento de propina. O empresário é dono do Grupo Facility, que depois virou Prol. Os contratos firmados com o governo renderam cerca de R$ 3 bilhões de faturamento a Soares. Em depoimento à força-tarefa da LavaJato, em janeiro, ele negou ter pago propina por meio de contratos com o escritório de advocacia da ex-primeiradama Adriana Ancelmo. Ontem, a defesa dele não foi localizada para comentar. O COI, em nota, afirmou ter “alto interesse” em esclarecer as suspeitas de corrupção.

O MPF apontou um grande crescimento no patrimônio de Soares, que passou de R$ 16,8 milhões em 2006, antes do governo Cabral, para R$ 156,3 milhões já no ano seguinte, o primeiro da gestão do peemedebista no Rio.