Correio braziliense, n. 19816, 24/08/2017. Política, p. 3

 

Gilmar sinaliza mudança no STF

Paulo de Tarso Lyra 

24/08/2017

 

 

REPÚBLICA EM TRANSE » Ministro manda soltar condenado em segunda instância, e juristas avaliam que o Supremo pode mudar o entendimento sobre prisões

O Supremo Tribunal Federal vai reanalisar a prisão em segunda instância, e alguns juristas acreditam já haver maioria para derrubar a decisão anterior da Corte que virou uma das marcas da Operação Lava-Jato. A percepção aumentou ainda mais ontem, após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes de conceder habeas corpus a Vicente de Paula Oliveira, condenado a quatro anos, dois meses e dois dias de prisão no regime semiaberto, por omissão de informações às autoridades fazendárias.

Em 2016, o mesmo STF entendeu que condenados por um tribunal colegiado poderiam ser presos antes de a sentença transitar em julgado. Hoje, essa certeza não existe. Segundo apurou o Correio junto a juristas e especialistas do setor, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Melo, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes apoiam a revisão da decisão.

Defendem a manutenção da regra os ministros Luís Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber, Edson Fachin e a presidente do STF, Cármen Lúcia. O decano da Corte, ministro Celso de Melo, aparece na lista de ambos os lados, mas juristas experimentados garantem que ele é um legalista e não apoia a supressão de garantias individuais. Logo, seria contrário à prisão em segunda instância.

O próprio Mendes admitiu, no despacho de ontem, ter mudado de opinião em relação ao caso. A defesa de Vicente Oliveira argumentou que a prisão foi decretada na segunda instância, mas completou que ele sofria constrangimento ilegal. O ministro lembrou que, mesmo com a formação de jurisprudência na Corte, em um dos casos analisados anteriormente, acompanhou o entendimento de Toffoli de que o ideal seria aguardar a execução da pena após a decisão sobre o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em pauta

Em seminário promovido por uma rádio na semana passada, o juiz Sérgio Moro defendeu a importância da manutenção da regra. “Essa foi uma reforma essencial para a efetividade da Justiça criminal. Eu diria que essa mudança é algo essencial para que nós tenhamos uma esperança no futuro em que a impunidade desses barões da corrupção chegue a seu termo e que nós tenhamos um país mais limpo”, destacou o juiz.

Quem também participou do mesmo seminário foi a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Moro fez questão de manifestar a preocupação a ela. “Estou preocupado com a segunda instância lá”, disse Moro. “Eu não mudei”, afirmou Cármen. Ela também comentou que esta questão não está em pauta.

No entanto, repousa sobre a mesa do ministro Marco Aurélio duas ações diretas de constitucionalidade (ADC), do PEN e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), questionando a prisão em segunda instância. O posicionamento do PEN, inclusive, gerou um estranhamento do partido com o deputado e presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ). A filiação de Bolsonaro chegou a ser anunciada à legenda, mas o parlamentar pediu o adiamento da solenidade alegando que não poderia entrar em uma sigla que fosse contrária à Lava-Jato.

Na semana passada, Marco Aurélio disse ao Correio que precisava analisar a questão, porque as duas ações estavam sob sua responsabilidade. Mas afirmou que não queria fazer uma avaliação quanto ao desdobramento político de uma decisão dele. “Não posso analisar os desdobramentos, a minha função aqui é ser guardião da Constituição Federal. Também não sei quem moveu as ações. Processo não tem capa”, assegurou o ministro.