Correio braziliense, n. 19817, 25/08/2017. Política, p. 4

 

Procuradores contra Gilmar

Bernardo Bittar 

25/08/2017

 

 

REPÚBLICA EM TRANSE » Representantes da categoria enviam ao Supremo Tribunal Federal um pedido para "conter a ação e o comportamento" do ministro

Procuradores da República enviaram uma carta aberta ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo aos magistrados para “conter a ação e o comportamento” do ministro Gilmar Mendes — que mandou soltar três acusados na Operação Lava-Jato, iniciativa do Ministério Público Federal (MPF). O documento, assinado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), afirma que “o ministro se destaca e destoa por completo do comportamento dos demais integrantes da Corte”.

A ANPR criticou “a desenvoltura” com que Gilmar Mendes se envolve em assuntos “fora dos autos” e questionou a imparcialidade do ministro para atuar nos processos da Operação Ponto Final, desdobramento da Lava-Jato no Rio de Janeiro, que envolve a concessão de habeas corpus aos empresários Lélis Teixeira e Jacob Barata Filho — que recebeu, pela segunda vez, uma ordem de soltura decretara pelo magistrado, derrubando decisão do juiz carioca Marcelo Brêtas. Gilmar Mendes foi padrinho de casamento de uma das filhas de Barata Filho, o “rei dos ônibus” do Rio de Janeiro, em 2013.

Por causa da suposta proximidade entre o ministro e o acusado, a ANPR acredita que Gilmar Mendes não deveria ter julgado o processo, e, sim, usado de um mecanismo existente no direito para evitar que o julgador seja influenciado por algum tipo de relacionamento com o réu. “Ele deveria ter se declarado suspeito. Mas, como não existe uma corregedoria que trate do Supremo, foi necessário recorrer ao colegiado da Corte para que observem essa atitude”, explicou o presidente da Associação dos Procuradores, José Robalinho Cavalcanti.

Embora tenha assinado a carta que critica o ministro, José Robalinho deixou claro que se trata de uma situação específica. “Gilmar Mendes atua há décadas no Supremo, e não estamos falando do trabalho dele como um todo. O que se discute é essa diferença de comportamento que ele apresentou ao julgar esse caso específico”, afirmou o procurador da República.

“Situação incomum”

O que a ANPR pede é a arguição de suspeição contra o ministro, o que ocorre quando existem indícios de que um juiz, um integrante do Ministério Público ou até um servidor da Justiça tenha sido parcial em um caso por ter motivo para estar interessado nele. “Sou um respeitoso observador do Supremo, e acredito nunca ter visto a Corte se pronunciar nesse sentido. Mas acho que vale a tentativa, porque falamos de uma situação muito incomum”, completou Robalinho.

Semana passada, quando o assunto já estava sendo discutido, o ministro Gilmar Mendes divulgou nota dizendo que as regras de impedimento e suspeição previstas em lei não se aplicam ao caso. Nessa mesma ocasião, também informou que “não conhece a família”, com a qual alegou só ter tido contato no dia do casamento. “Não há relação com o paciente e/ou com os negócios que este realiza”, declarou por meio de sua assessoria.

O Ministério Público Federal no Rio (MPF-RJ) também se manifestou contrário à decisão do ministro. O órgão enviou ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedido de impedimento de Gilmar Mendes para atuar nesse caso específico. Até o fechamento desta edição, o ministro não se pronunciou sobre a carta da ANPR.

Frase

"Ele (Gilmar Mendes) deveria ter se declarado suspeito. Mas, como não existe uma corregedoria que trate do Supremo, foi necessário recorrer ao colegiado da Corte para que observem essa atitude”

José Robalinho Cavalcanti, presidente da ANPR