Correio braziliense, n. 19821, 29/08/2017. Economia, p. 7.

 

 

Previdência: reforma cada vez mais diluída

Alessandra Azevedo

29/08/2017

 

 

Depois de ter sido engavetada e, agora, voltar a ser foco de discursos políticos governistas, a reforma da Previdência passou a ser enxergada a partir de, pelo menos, três lentes diferentes. O Executivo passa a impressão de que está tudo certo e que haverá votação na Câmara dos Deputados até setembro, ou talvez outubro, admitem técnicos da equipe econômica, nos bastidores, sem deixar o aparente otimismo de lado. Já no Congresso Nacional, a visão é menos positiva. Oito em cada 10 deputados admitem não acreditar que haja chance real de o assunto ser votado este ano, por dois motivos principais: eleições batendo à porta e base governista fraca, constatou a consultoria política Arko Advice.

Enquanto se procura um equilíbrio de expectativas entre Executivo e Legislativo, o terceiro fator, mercado financeiro, se mantém no meio termo. Embora defendam com firmeza a necessidade da reforma, os investidores mostram que não se abalarão tanto caso seja necessário desidratá-la. Em tempos politicamente instáveis, a conclusão é que não há problema em fazer mais concessões, desde que se garanta, pelo menos, a idade mínima para aposentadoria, de 62 anos para mulheres e de 65 para homens.

O governo sabe que a dificuldade de conseguir os 308 votos necessário na Câmara é enorme. Por isso, esforça-se para não deixar o assunto morrer e sinalizar ao mercado que ainda tem compromisso com a reforma, avaliam especialistas. “O foco agora é vencer as mudanças macroeconômicas, como a revisão da meta fiscal e a Taxa de Longo Prazo (TLP). Mas a reforma da Previdência não pode ser imobilizada, porque passaria uma mensagem ruim. Deixar o assunto em voga, ainda que não seja aprovado agora, é a melhor tática”, avaliou o coordenador de Análise Política da Prospectiva, Thiago Vidal.

 

Expectativas

Nesse cenário, o que antes incomodava o governo, como os rumores sobre pontos que precisam ser mudados, hoje é comemorado. “É um sinal de que o assunto ainda está em pauta”, avaliou uma fonte do Executivo. O discurso para a sociedade, no entanto, é de que o texto precisa ser aprovado no plenário do jeito que foi proposto pelo relator, Arthur Maia (PPS-BA), em abril. O texto de Maia diminuiu em R$ 200 bilhões a economia prevista para os próximos 10 anos com as alterações em aposentadorias, pensões e outros benefícios. “Vamos tentar passar a reforma tal qual foi aprovada na comissão especial, sempre reconhecendo, é claro, que quem decide é o Congresso”, reforçou o secretário de Previdência Social do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, em entrevista ao Correio, na última terça-feira.

Para retomar o assunto agora, arquivada a primeira denúncia contra o presidente Michel Temer, e em meio à expectativa de que chegue outra nos próximos dias, os deputados que ainda têm alguma esperança de votar a reforma este ano discutem o que mais pode ser mudado no texto. Parte do DEM, por exemplo, defende que o tempo de contribuição seja revisto — a ideia do governo é exigir que os brasileiros trabalhem 25 anos, e não mais 15, como é hoje, para poder pedir aposentadoria.

“Ainda não tem nada oficial por parte do governo, mas estamos discutindo as opções. Por enquanto, trabalhamos com a proposta que saiu da comissão, mas sabendo que será mantido o que for consenso. O que levanta divergência será extraído. Talvez seja melhor deixar para o próximo governo os pontos que geram dificuldades”, disse o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB). Entre os assuntos que devem avançar sem mudanças, ele acredita que estão a idade mínima e “a questão de focar em quem ganha acima do teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)”.

Com o mesmo viés de poupar os menos favorecidos, outros partidos da base, como o PSDB, insistem que o Benefício de Prestação Continuada (BPC) seja deixado como é atualmente: idosos de baixa renda podem receber um salário mínimo por mês quando completam 65 anos. A proposta do relator aumenta essa idade para 68 anos. “É uma sugestão cruel, porque mexe diretamente com os mais vulneráveis”, argumentou uma deputada tucana.

Embora defenda que a proposta seja aprovada como passou na comissão especial, o coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Nagamine, enfatizou que, dentro das opções, as alterações “menos traumáticas” seriam, de fato, na idade de acesso ao BPC e no tempo de contribuição. A segunda seria uma forma de mostrar comprometimento com os mais pobres, já que o mais difícil para eles é completar o tempo de contribuição, e não a idade mínima. “Mas acho que as pessoas estão discutindo isso de uma forma muito superficial”, ressaltou. “O mercado de trabalho melhorou muito nos anos 2000. A tendência é que a densidade contributiva aumente, não fique mais na casa dos 20 anos de contribuição, em média, como é hoje.”

 

Temas voltarão à pauta

Um dos poucos consensos entre especialistas e governo é que, devido aos desequilíbrios das contas da Previdência, qualquer ponto que seja flexibilizado na proposta de reforma, seja tempo de contribuição, BPC ou outro, necessariamente voltará à pauta em breve. “O que for retirado do projeto a partir de agora terá que ser rediscutido em 2019, após as eleições, da mesma forma que está proposto no parecer ou de maneira ainda mais dura”, alertou uma fonte do governo.

 

Frase

“Ainda não tem nada oficial por parte do governo, mas estamos discutindo as opções.  Talvez seja melhor deixar para o próximo governo os pontos que geram dificuldades”

Efraim Filho, líder do DEM na Câmara