Correio braziliense, n. 19822, 30/08/2017. Economia, p. 9.

 

 

Lava-Jato na saúde suplementar

Antonio Temóteo

30/08/2017

 

 

Mesmo com a profunda crise econômica que assola o país e a alta no desemprego, as despesas assistenciais dos beneficiários de planos de saúde no Brasil totalizaram R$ 100 bilhões até agosto de 2017, conforme dados da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Esse montante é um recorde para o período. Para se ter uma ideia, o mesmo patamar de desembolsos só foi atingido no ano passado, em outubro. O mais impressionante é que o setor perdeu 1,5 milhão de usuários ao longo de 2016 e possui atualmente 47,6 milhões de participantes.

Dados da entidade coletados na base de informações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) apontam que, dos R$ 100 bilhões, 38,4% foram gastos com internações; 28,5%, com consultas; 18,4%, com exames complementares; e 8,8%, com terapias. A Abramge avalia que essa dinâmica de despesas tem impacto no desempenho das operadoras de planos de saúde. Conforme a associação, pelo menos desde 2007, as companhias do setor atuam com margens operacionais inferiores a 1%.

O resultado dessa combinação de fatores, destaca a Abramge, se reflete na dificuldade das operadoras em alcançarem o equilíbrio econômico-financeiro necessário. A entidade alerta que o crescimento dos gastos é impulsionado pela inflação médica, turbinada, sobretudo, pela judicialização da saúde, pelo envelhecimento da população e pela atuação da Máfia das Próteses. Executivos do setor cobram das autoridades públicas uma operação similar à Lava-Jato na saúde suplementar para coibir as irregularidades cometidas por representantes do ramo.

Dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) apontam uma inflação dos custos médico-hospitalares (VCMH) de 16,7% em 2016, enquanto nos Estados Unidos chegou a 5,7%. No mesmo período, os preços tiveram alta de 3% na França, de 9,3% no Reino Unido, de 5% no Chile e de 9,7% no México.

O IESS mostra que sistemas inovadores de cobrança, adotados em países como Dinamarca, Grécia, Estados Unidos e África do Sul, acarretaram reduções expressivas de custos médico-hospitalares. Muitos usam o método Grupo de Diagnósticos Relacionados (DRG), no qual os casos são previamente classificados de acordo com uma grande variedade de codificações e práticas clínicas. Dessa forma, o custo de cada DRG tem um valor predeterminado, elevando o nível de transparência na receita dos hospitais.

 

Olhos fechados

Nas contas das operadoras, 47% das despesas são decorrentes de internações hospitalares. Especialistas ressaltam que o sistema de cobrança pelos serviços, conhecido como free-for-service, no qual os insumos são adicionados à conta hospitalar, favorece a obtenção de elevadas margens de lucro. Para piorar, as operadoras criticam a falta de transparência dos gastos, que abre brechas para fraudes, como as praticadas pela Máfia das Próteses.

Para piorar a situação, o poder público fechou os olhos para os problemas. O Conselho de Saúde Suplementar (Consu), que deveria estabelecer e supervisionar a execução de políticas e diretrizes gerais do setor, está largado às moscas. O colegiado deveria fazer parte da estrutura do Ministério da Saúde. Entretanto, a pasta joga a responsabilidade para a ANS. A reguladora, por sua vez, afirma que o Consu é da competência do Ministério da Saúde. No meio desse fogo cruzado entre operadoras, hospitais, fornecedores de materiais e governo estão milhões de brasileiros desamparados. Pagam preços exorbitantes pelos convênios e têm acesso a um serviço que deixa a desejar em diversos aspectos.

Enquanto o poder público não direcionar esforços para tornar o setor mais competitivo e livre de verdadeiras quadrilhas, os problemas continuarão a crescer. Quem paga a conta são os consumidores que precisam se virar para arcar com as elevações nos preços dos planos, superiores à inflação oficial.

 

Vovô

» O verdadeiro motivo para o adiamento da reunião marcada para ontem na Advocacia-Geral da União (AGU) entre poupadores e a Federação Brasileira de Banco (Febraban) é que o presidente da entidade, Murilo Portugal, viajou à Europa para conhecer o neto, que acabou de nascer e mora no exterior. O próximo encontro entre as partes ocorrerá em duas semanas, assim que Portugal retornar ao Brasil.

 

Concorrência

» Até meados de setembro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deve decidir um dos casos mais polêmicos do ano: a aquisição da divisão de aços longos da Votorantim pela ArcelorMittal Brasil. O prazo para que as partes interessadas apresentassem suas argumentações finais no processo venceu em 23 de agosto.

 

Concentração

» Uma das partes interessadas foi representada pelo Instituto Nacional das Empresas de Preparação de Sucata Não Ferrosa e de Ferro e Aço (Inesfa), responsável pela comercialização mensal de cerca de 300 mil toneladas de sucata ferrosa, 50% a 60% da matéria-prima usada pelas siderúrgicas na produção de aço. Estudos da entidade indicaram que, se a aquisição for aprovada pelo Cade, haverá prejuízos significativos às companhias do setor, já que ocorreria uma concentração ainda maior no poder de compra da sucata.

 

Impactos

» Como resultado, a fusão poderia impactar negativamente parte dos quase 1,5 milhão de pessoas que, conforme o trabalho da consultoria de economia GO Associados, dependem hoje da comercialização de sucata para o seu sustento.