Correio braziliense, n. 19822, 30/08/2017. Mundo, p. 13.

 

 

ONU condena teste de míssil

Rodrigo Craveiro

30/08/2017

 

 

Depois de uma reunião a portas fechadas, o Conselho de Segurança (CS) da ONU condenou, de forma unânime, o lançamento de um míssil norte-coreano que sobrevoou a ilha japonesa de Hokkaido e as “ações e ameaças ultrajantes” contra outro Estado-membro. Também exigiu de Pyongyang a interrupção dos testes e exortou o apoio a uma Península Coreana livre de armas atômicas. “O Conselho de Segurança expressa sua grave preocupação de que a República Popular Democrática da Coreia (RPDC), ao conduzir tal lançamento sobre o Japão, deliberadamente mina a paz regional e a estabilidade. (...) O Conselho de Segurança, resoluto em seu compromisso de uma Península Coreana desnuclearizada, enfatiza a importância vital de ações concretas e imediatas para reduzir as tensões”, declara o rascunho da resolução, discutido pelos 15 países-membros.

A forte condenação sucedeu a elevação do tom por parte dos EUA, que não descartaram o uso de força militar. “Esse regime sinalizou o desprezo por seus vizinhos, por todos os membros das Nações Unidas e pelos mínimos padrões de comportamento internacional aceitável. (…) Todas as opções estão sobre a mesa”, declarou o presidente Donald Trump. A embaixadora de Washington na ONU, Nikki Haley, instou a comunidade internacional a adotar  uma “decisão forte” sobre Pyong-yang. “Já chega!”, declarou. O representante de Pyongyang, Han Tae-song, alegou “direito à autodefesa” diante de “intenções hostis” dos EUA, enquanto a chancelaria chinesa conclamou as partes a adotarem a prudência, ao ressaltar que “pressões e sanções” não resolverão o problema.

A Coreia do Norte confirmou que o míssil disparado sobre o norte de Hokkaido era um Hwasong-12, de médio alcance, o mesmo tipo que Pyongyang ameaçou testar em direção à ilha de Guam, território dos EUA. “Ele cortou o céu sobre a Península de Oshima, Hokkaido e o Cabo Erimo, no Japão, segundo seu itinerário de voo, e atingiu seu objetivo nas águas do Pacífico Norte”, informou a agência estatal KCNA. O ditador Kim Jong-un supervisionou pessoalmente o teste, ficou “muito satisfeito” e prometeu “mais exercícios de mísseis balísticos com o Pacífico como objetivo”.

O lançamento seria em resposta aos exercícios militares conjuntos entre os EUA e a Coreia do Sul — as simulações de guerra começaram no dia 20, se encerrarão amanhã e mobilizam 17.500 soldados norte-americanos e 50 mil sul-coreanos. Autoridades de Pyongyang revelaram à TV CNN que o teste também foi um “prelúdio para mais opções militares” visando Guam. Poucas horas depois do lançamento do míssil, quatro caças F-15K da Coreia do Sul despejaram oito bombas MK 84 sobre um alvo na província de Gangwon (nordeste). Era a simulação de uma ofensiva para eliminar a liderança da Coreia do Norte. Por sua vez, Tóquio removeu e testou sistemas antimísseis PAC-3 em três bases norte-americanas no país.

“De algum modo, estamos mais próximos da guerra, mas todos sabem que as consequências seriam horríveis. Todas as vezes em que é desafiado, Trump responde com um desafio”, disse ao Correio Clark Sorensen, diretor do Centro para Estudos da Coreia da Universidade de Washington. Ele aposta que o premiê japonês, Shinzo Abe, usará o lançamento do míssil como pretexto para alterar a “Constituição pacifista” do país. Filha de norte-coreanos, a sul-coreana Katy Oh Kongdan Hassig — especialista em Leste Asiático pela Brookings Institution (em Washington) — admite que os EUA sempre mantiveram todas as opções sobre a mesa, incluindo a via militar, em caso de fracasso da dissuasão e da diplomacia. “A única e melhor opção é se livrar da atual liderança do Norte e instalar um regime reformista. Mas a transformação de poder precisa partir do próprio povo, não de forasteiros”, afirmou à reportagem. “A China é a chave para controlar a Coreia do Norte.”

 

Susto

Às 6h14 de ontem (18h14 de segunda-feira), 17 minutos depois do lançamento, o paranaense Wagner Silva, 34 anos, recebeu a mensagem no celular: “Míssil passando sobre a área. Se encontrar  algo suspeito, jamais se aproxime, entre em contato com a polícia ou os bombeiros imediatamente”. Morador de Ina-shi, na Ilha de Honshu, o operário contou ao Correio que houve dois alertas semelhantes em intervalo de 10 minutos. “Estava no trabalho. Quando vi que era em relação a um míssil, ainda que acompanhe notícias sobre a Coreia, me deu uma preocupação”, contou ao Correio.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil afirmou que “o governo condena veementemente o lançamento de mísseis”, um “inaceitável ato de provocação”. “O governo conclama a RPDC a cumprir plenamente todas as resoluções pertinentes do Conselho de Segurança, bem como a contribuir para conter a escalada de tensões e criar, assim, as condições necessárias à retomada das negociações relativas à paz.”

 

Irã desautoriza inspeções

O presidente iraniano, Hassan Rohani, rejeitou a ideia de possíveis inspeções em suas instalações militares — sugestão apresentada pelos Estados Unidos. Ele considerou que as fiscalizações não estão previstas no acordo sobre o programa nuclear assinado com as grandes potências. “Nossos compromissos internacionais são claros. Nossas relações com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) estão definidas por regras e não pelos Estados Unidos”, declarou Rohani, em mensagem transmitida pela televisão. “Acredito que seja muito pouco provável que a AIEA aceite solicitações de inspeções. Mas, se o fizesse, não aceitaríamos”, continuou.

 

Eu acho...

“A tensão aumentará dramaticamente. A comunidade internacional deveria se unir para condenar Pyongyang, incluindo os aliados China e Rússia. Ao jogar duro, Kim Jong-un talvez esteja cometendo um erro, por lançar combustível ao fogo. É preciso cuidado para não tomar qualquer ação que deflagre um grande conflito.”

Katy Oh Kongdan Hassig, especialista em Leste Asiático pela Brookings Institution (em Washington). Nascida na Coreia do Sul,  filha de norte-coreanos

 

“O Japão e os EUA são fortes aliados, e Tóquio não está no raio de artilharia de Pyongyang, ao contrário de Seul. Os japoneses sentem que, se devidamente armados, estarão relativamente seguros e não precisarão se preocupar em aplicar mais pressão sobre a Coreia do Norte. A longo prazo, Tóquio provavelmente fortalecerá a sua defesa antimísseis.”

Clark Sorensen, diretor do Centro para Estudos da Coreia da Universidade de Washington

 

“O fato de o míssil norte-coreano ter sobrevoado o território japonês é uma grande coisa. Pyongyang evitou isso por vários anos, ainda que tenha lançado mísseis com trajetórias de grande altitude, forçando os japoneses a lançarem seus satélites rumo ao sul. O lançamento de hoje (ontem) dificultará que os EUA  recebam apoio de Tóquio para a diplomacia.”

David Wright, codiretor e cientista do Programa de Segurança Global da União dos Cientistas  Preocupados, uma das principais organizações de defesa da ciência nos EUA