Correio braziliense, n. 19832, 09/09/2017. Política, p. 4

 

Cinco dias úteis para Janot

Bernardo Bittar e Alessandra Azevedo

09/09/2017

 
 
O procurador Geral terá uma semana cheia pela frente. Além de ter de prestar esclarecimento sobre os áudios da JBS,passará pelo crivo do plenário do Supremo,o que definirá a possibilidade de uma nova denúncia contra Temmer ou não

A poucos dias de deixar o cargo de procurador-geral da República, Rodrigo Janot passou longe de ter um feriado tranquilo. Depois de denunciar uma organização criminosa no PT, ontem, apresentou acusação sobre um “quadrilhão” no PMDB do Senado. Agora, tem de hoje ao próximo domingo para deixar o mínimo de pendências possíveis para a sucessora Raquel Dodge, que assume o comando do Ministério Público Federal (MPF) no dia 18. A semana será cheia. Janot tem de dar explicações à ministra Cármen Lúcia sobre as citações ao Supremo Tribunal Federal (STF) em áudios gravados por Joesley Batista e passará pelo crivo da Suprema Corte antes de encaminhar a prometida nova denúncia contra o presidente da República, Michel Temer. Além disso, o MPF também terá de revisar os benefícios concedidos ao empresário da JBS.

O impasse com a Justiça não será o único problema de Rodrigo Janot nesta reta final do mandato. Tendo poucos dias para apresentar uma nova denúncia contra o presidente, o procurador-geral estará sob julgamento do plenário da Suprema Corte. Na quarta-feira, o pleno de ministros julgará o pedido de suspeição contra Janot feito pela defesa de Temer. Os advogados alegam perseguição política e pedem que qualquer acusação seja suspensa até que o caso JBS seja esclarecido. O ministro Edson Fachin, relator do pedido, decidiu a favor de Janot nesta semana, mas, diante do recurso, levará a decisão ao plenário. A possível apresentação de um pedido para investigar o presidente dependerá do crivo dos magistrados.

A acusação de Janot contra Temer tem como base, pelo menos, sete delações premiadas, uma delas de Lúcio Funaro, apontado como operador de propinas do PMDB ligado ao ex-deputado Eduardo Cunha. “Ele está trabalhando com força total para fazer o que anunciou. Eu aposto que a denúncia vai sair”, comenta um integrante do MPF próximo a Janot. O procurador acredita que deixar de agir nesse caso específico seria como “nadar e morrer na praia”. A denúncia deve conter acusações de formação de quadrilha e de obstrução de Justiça.

Apesar de o calendário de atividades da PGR estar mantido, a divulgação de áudios dos executivos da JBS, que envolveram o ex-procurador da República Marcelo Miller, enfraqueceu Janot. Um aliado na procuradoria-geral comparou o impacto do caso à prisão, em maio, do procurador Ângelo Goulart Vilela, amigo de Janot. Ele ficou 80 dias preso após delação de Joesley Batista. “Mesmo que os envolvidos sejam presos, o clima continua de suspeição. Se descobriram duas pessoas próximas envolvidas, por que não haveria mais?”, questionou, completando: “Ele encerra com um acaso triste, porque isso excede a questão pessoal e põe em dúvida uma série de fatores.” A situação pode afetar até mesmo a entrada de Raquel Dodge no comando do MPF. “Ela entra com nova equipe, o que dá um novo fôlego, mas esse é o tipo de acontecimento que respinga no ministério como um todo”, lamenta o procurador, que prefere manter o anonimato.

Marca

Rodrigo Janot deixa a chefia do MPF após quatro anos de intenso combate à corrupção no país. Ele entra para a história como um dos procuradores que mais investigaram desvios de dinheiro público e tornou-se a primeira autoridade a pedir a investigação de um presidente no exercício do cargo. Restando apenas cinco dias úteis para o fim da gestão, Janot precisará da cooperação da sucessora, Raquel Dodge, para manter o fôlego da Lava-Jato e das denúncias contra políticos. “Passar o bastão será uma tarefa difícil para o Rodrigo, que conseguiu colocar a procuradoria no centro do poder. Nunca houve tanto holofote em cima da instituição. Acredito que ele vai deixar as coisas amarradas de maneira que a Raquel (Dodge) não consiga fugir. Fale-me qualquer coisa que é apreciada atualmente pela procuradoria e responda: ela pode simplesmente ser enterrada?”, afirma um subprocurador ligado a Janot que prefere não se identificar.

Ressaltando as responsabilidades de ocupar o cargo máximo do MPF, um importante procurador da República disse ao Correio “levar fé” que os esclarecimentos sobre os ministros do Supremo serão tratados com especial celeridade. “Ele precisa colocar um ponto final nisso antes que a nova procuradora-geral entre em cena. Caso contrário, vai ter todo o trabalho dos últimos quatro anos apagados e ficar conhecido como ‘o cara que colocou o MP em uma enrascada com o Judiciário’. E, você sabe, esse terreno é extremamente fértil, né?”, destaca.

Próximos passos

» Por causa das suspeitas em relação à delação premiada de Joesley Batista, que, supostamente, mentiu e omitiu no depoimento à Procuradoria-Geral da República (PGR), a expectativa é de que revise os benefícios da delação. Na noite de ontem, pediu ao Supremo a prisão preventiva do empresário.

» Outra ação prevista para a próxima semana é o esclarecimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) das citações a ministros da Corte feitas por Joesley e 
Saud no áudio.

» Após ter tido a primeira denúncia contra o presidente Michel Temer derrubada na Câmara dos Deputados, Janot ainda deve apresentar ao STF mais um pedido de investigação contra o chefe do Executivo. Entretanto, terá de passar pelo crivo do plenário do Supremo antes.

Trabalho de perder a dieta
Durante o recesso do Judiciário, Rodrigo Janot viajou aos Estados Unidos para fazer palestras e retomou um hábito pouco saudável: o consumo excessivo de refrigerantes. Meses atrás, um dos nutricionistas do Ministério Público Federal teria aconselhado o procurador a pegar leve com a bebida. 
Desde que assumiu a chefia da instituição, Janot engordou 23kg. Conseguiu perder 12kg, mas, com a correria dos últimos tempos, teria recuperado alguns. A meta é voltar ao peso de antes, e, para isso, teria recorrido ao método de Máximo Ravenna, o mesmo que emagreceu Dilma Rousseff antes do impeachment.

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Miller nega acusações de jogo duplo 

Renato Souza

09/09/2017

 

 

De profissional especializado em direito penal internacional e investigador da força-tarefa da Operação Lava-Jato, o ex-procurador da República Marcelo Miller agora é suspeito de envolvimento no esquema criminoso. Até o fechamento desta edição, ele prestava depoimento no Ministério Público Federal (MPF), no Rio de Janeiro. Miller chegou ontem à sede do MPF no Rio de Janeiro por volta das 15h20. Os procuradores querem saber até que ponto ele pode ter atuado para acelerar o acordo de colaboração premiada e beneficiar os executivos do grupo J&F em um contrato de leniência. Na noite de ontem, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de prisão preventiva do ex-colega e dos executivos Joesley Batista e Ricardo Saud.

Miller chegou ao prédio da PGR sem falar com a imprensa, claramente, constrangido com a situação. Poucos colegas poderiam imaginar que uma carreira de 13 anos, onde ele atuou na investigação de casos de lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional, seria marcada pela acusação de integrar o maior esquema de corrupção da história. O ex-procurador foi convocado a prestar esclarecimentos sobre ter sido citado em uma conversa entre os empresários Joesley Batista e Ricardo Saud. No diálogo, registrado por um gravador no bolso de Joesley, Miller é apontado como alguém que faria os delatores “chegarem até o procurador-geral, Rodrigo Janot”.

Apesar de ter trabalhado durante três anos com Janot, no depoimento, ele disse que não era tão próximo assim do chefe do Ministério Público. Também afirmou que a última vez que se encontrou com Janot foi em fevereiro deste ano, quando pediu a dispensa do órgão. A estratégia da defesa é afastar a conduta do papel duplo: atuação na investigação e ajuda aos criminosos a obter benefícios durante o processo para fechar o acordo de colaboração com a força-tarefa.

Atuação

Após deixar o MPF, em abril deste ano, ele passou a atuar como advogado no escritório que participou do processo de leniência do grupo J&F, do qual Joesley Batista é um dos sócios. No depoimento, ele também disse que não participou das negociações do acordo de colaboração da empresa por causa de uma cláusula do escritório que o impedia de participar. Miller também negou ter atuado diretamente para defender os interesses de Joesley e Saud quando ainda estava no cargo.

A partir de agora, o Ministério Público decidirá quais medidas tomar, tanto contra os delatores quanto contra o ex-procurador. Prevendo que será difícil se explicar de forma convincente, Marcelo contratou o criminalista André Perecmanis para atuar nos assuntos relacionados à delação da J&F diante das acusações que pesam contra ele. André, inclusive, tem vários clientes que respondem a processos na Lava-Jato. Em nota enviada antes do início do depoimento, ele negou ter interferido no trabalho da investigação e disse que “está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos à Justiça”.

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Corrupção como "plano de governo"

09/09/2017

 

 

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ontem, durante evento em Washington (EUA), que uma oligarquia “saqueou dinheiro público do Estado” brasileiro. “É difícil combater o pacto oligárquico entre políticos, empresários e burocratas”, disse Barroso, em palestra no Brazil Institute, entidade que faz parte do Wilson Center, centro de estudos sediado na capital americana.

Barroso também afirmou que a corrupção se tornou um meio de vida para muitos no Brasil, inclusive, como forma de fazer negócios. “A corrupção no Brasil envolvendo Petrobras e BNDES foi quase um plano de governo”, acrescentou. O ministro do STF disse que o sistema penal foi seletivo para punir os pobres e perdoar os criminosos do “colarinho branco”. Ele entende que, apesar de a Lava-Jato ter três anos, “muitas práticas de corrupção continuam no país”.

“Uma foto do Brasil pode dar a impressão de que o crime compensa, mas não é verdade. Uma semente de honestidade e integridade foi plantada”, ponderou o ministro, que citou a impunidade e o sistema político como as causas da corrupção no Brasil. Barroso também afirmou estar convencido de que “as coisas não serão mais as mesmas”. “A luta contra a corrupção envolve mudanças em atitudes, leis e casos legais”, disse. Ele lembrou que, quando ocorreu o escândalo do mensalão, a sociedade estava muito mobilizada contra a corrupção. E opinou que a Operação Lava-Jato é uma “continuação desta atuação”.

“Poucos países no mundo fizeram como o Brasil para atacar corrupção com a Lava-Jato”, disse Barroso. E elogiou: “A Lava-Jato foi realizada com um bravo juiz e uma brava equipe de investigação”. Embora veja o sistema político e partidário como “muito caro e pouco representativo” na origem da corrupção, Barroso alertou que não se pode “demonizar a política, nem politizar o crime”.