O globo, n.30710 , 05/09/2017. PAÍS, p.6

CNJ: 73% DOS PROCESSOS NÃO TÊM DECISÃO

ANDRÉ DE SOUZA

 

 

Custo médio com magistrados brasileiros supera teto constitucional de salários, indica relatório do CNJ

“O Poder Judiciário quer se mostrar para se aperfeiçoar. Sabemos que há números que podem ser questionados e serão”

Cármen Lúcia

Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

 
 
 
 
 

ANDRÉ DE SOUZA

-BRASÍLIA- O estoque de processos sem decisão na Justiça brasileira continua crescendo. Passou de 76,9 milhões em 2015 para 79,7 milhões no ano passado, uma elevação de 3,6%. Enquanto isso, cada magistrado representou, no ano passado, um custo mensal médio de R$ 47,7 mil. Isso porque, além dos salários, que não podem ultrapassar o teto constitucional de R$ 33.763, eles têm direito a vários benefícios, como auxílio-moradia. Também são computadas despesas com diárias e passagens.

Os números fazem parte do relatório “Justiça em números”, divulgado ontem pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O levantamento reúne informações de todos os tribunais do país, com exceção do Supremo Tribunal Federal (STF), Corte que não se submete às normas do CNJ.

De acordo com o relatório, a chamada taxa de congestionamento da Justiça — percentual de processos em tramitação sem decisão — continua alta: 73%. Ou seja, apenas 27% dos processos foram solucionados.

O documento também revela que, no ano passado, o número de processos novos que chegaram à Justiça brasileira foi praticamente igual ao daqueles que foram baixados: 29,4 milhões. Mas o que poderia significar uma estabilidade na quantidade de processos em tramitação não ocorreu.

Os primeiros números da série histórica de processos sem decisão na Justiça brasileira são de 2009. De lá para cá, o número de casos pendentes cresceu 31,2%. Em 2016, cada juiz brasileiro solucionou em média 1.749 processos, ou sete por dia. No total, o número de decisões e sentenças vem crescendo, mas não o suficiente para dar conta do congestionamento que atinge a Justiça brasileira.

“Observe-se que podem existir situações em que autos já baixados retornem à tramitação sem figurar como caso novo. São os casos de sentenças anuladas na instância superior, de remessas e retornos de autos entre tribunais em razão de questões relativas à competência ou de devolução dos processos à instância inferior para aguardar julgamento em matéria de recursos repetitivos ou de repercussão geral. Tais fatores ajudam a entender o porquê de, apesar de se verificar um número de processos baixados quase sempre equivalente ao número de casos novos, o estoque de processos no Poder Judiciário (79,7 milhões) continuar aumentando desde o ano de 2009”, diz trecho do relatório.

Em discurso durante a divulgação do relatório, a presidente do STF e do CNJ, ministra Cármen Lúcia, destacou que a transparência na divulgação dos números permitirá o aperfeiçoamento da Justiça brasileira. Cármen afirmou que as estatísticas serão usadas para definir planos, programas e políticas públicas ligados ao Judiciário.

— O Poder Judiciário quer se mostrar para se aperfeiçoar. E com isso contamos com a colaboração da sociedade, das academias, dos órgãos. Sabemos que há números que podem ser questionados e serão — afirmou Cármen Lúcia.

 

CUSTO DE R$ 84 BILHÕES

O relatório mostra que o Judiciário custou R$ 84,8 bilhões em 2016, um crescimento de 0,4% em relação a 2015. A Justiça estadual, que tem o maior volume de trabalho, responde por 56,7% do custo do Judiciário brasileiro. A maior parte dos R$ 84,8 bilhões é gasta com recursos humanos, ou seja, salários e outras despesas de magistrados e servidores ativos e inativos: R$ 75,9 bilhões.

Ao todo, há 442.365 pessoas trabalhando no Judiciário, dos quais 18.011 são magistrados. Os juízes da Justiça estadual de Mato Grosso do Sul são os mais caros: valores gastos com cada magistrado em 2016 chegaram a R$ 95.895 por mês.

Os juízes de primeira instância são os mais sobrecarregados: têm 94% do volume de trabalho, mas apenas 84% dos servidores. Em média, a carga de trabalho de um juiz em 2016 — 7.192 processos — foi quase o dobro da carga de trabalho de um desembargador, que atua na segunda instância: 3.384 processos. Mesmo assim, os juízes têm produtividade maior: 1.788 processos baixados em média no ano passado, frente a 1.347 na segunda instância.

O documento chama de paradoxo um fenômeno comum nos tribunais: a execução da decisão costuma levar mais tempo que a tomada da decisão. Em média, a execução leva quatro anos e seis meses, enquanto o processo de tomada de decisão leva um ano e quatro meses.