O Estado de São Paulo, n. 45257, 14/09/2017. Política, p. A4.

 

Lula sugere que Palocci não assume 'fatos ilícitos'

Ricardo Brandt / Ricardo Galhardo / Elisa Clavery / Francisco Carlos de Assis

14/09/2017

 

 

Lava Jato. Ex-presidente depõe pela 2ª vez ao juiz Sérgio Moro e rebate declarações de Palocci; petista afirma que ex-ministro da Fazenda é ‘calculista’, ‘frio’ e ‘simulador’

 

 

Ao ser novamente interrogado pelo juiz federal Sérgio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu ontem que o ex-ministro Antonio Palocci não assumiu a responsabilidade por atos ilícitos que cometeu. Para Lula, Palocci, que está preso há quase um ano, “tem o direito de querer ser livre”. “O que não pode é, se você não quer assumir a tua responsabilidade pelos fatos ilícitos que você fez, não jogue em cima dos outros”, disse o ex-presidente.

Lula rebateu afirmações de seu ex-ministro da Fazenda, que, na semana passada, também em depoimento a Moro, disse que o ex-presidente fez um “pacto de sangue” com a Odebrecht para o repasse de R$ 300 milhões em propinas.

Cerca de dois meses após ser condenado por Moro a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Lula voltou a ficar frente a frente com o juiz da Operação Lava Jato na primeira instância. Sentenciado no caso do triplex do Guarujá, o petista foi ouvido na ação penal na qual é réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro sobre contratos entre a Odebrecht e a Petrobrás.

Segundo o Ministério Público Federal, os repasses ilícitos da empreiteira chegaram a R$ 75 milhões em oito contratos • com a estatal. O montante, segundo a força-tarefa da Lava Jato, inclui um terreno de R$ 12,5 milhões para o Instituto Lula e o aluguel de cobertura vizinha à residência de Lula em São Bernardo do Campo de R$ 504 mil.

A audiência de ontem na 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba durou cerca de duas horas. Demonstrando irritação, o expresidente deixou de responder a várias perguntas.

Mas, em diferentes trechos do depoimento, não se furtou a falar do ex-titular da Fazenda, que tenta firmar um acordo de colaboração premiada com a força-tarefa da Lava Jato. Palocci foi classificado como “calculista”, “frio” e “simulador”.

“Ele é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade”, disse. “Fiquei muito preocupado com a delação do Palocci, porque ele poderia ter falado ‘eu fiz isso de errado, eu fiz isso’. Ele, espertamente, disse ‘não é que eu sou santo’ e pau no Lula. ‘Não é que eu sou santo’, que é um jeito de você conquistar veracidade na tua frase. Eu fiquei com pena disso.”

Questionado, Lula disse que sua relação com a Odebrecht era a mesma que ele tinha com todo o empresariado brasileiro. Sobre Emílio Odebrecht, afirmou que o empreiteiro, pai de Marcelo Odebrecht, era tratado como um grande empresário assim como outros. Indagado se Emílio levava às reuniões com ele pedidos de interesse do grupo, respondeu que as pautas dos encontros eram relativas ao “desenvolvimento do Brasil”, nos quais os assuntos da Petrobrás estavam incluídos.

O petista disse não ter conhecimento do projeto de reforma do Instituto Lula, que, segundo depoimento dado por Alexandrino Alencar, um dos delatores da Odebrecht, teria sido apresentado a Lula. “Acho que é mentira”, afirmou.

No depoimento, o ex-presidente negou também que a exprimeira-dama Marisa Letícia, falecida em fevereiro, tenha tratado sobre a construção da sede do Instituto Lula com o pecuarista José Carlos Bumlai. Confrontado com o depoimento de Bumlai, o petista afirmou que há “pessoas contando fantasias”. O ex-presidente negou saber que a Odebrecht teria envolvimento na compra do terreno e que o imóvel teria sido adquirido em nome de Glaucos da Costamarques, primo de Bumlai.

 

‘Querida’. Durante o depoimento, o ex-presidente foi repreendido pela procuradora Isabel Groba ao se referir a ela em uma resposta como “querida”. No fim, questionou a imparcialidade de Moro. “Eu vou chegar em casa amanhã e vou almoçar com oito netos e uma bisneta de seis meses. Eu posso olhar na cara nos meus filhos e dizer que eu vim para Curitiba prestar depoimento a um juiz imparcial?” “Bem, primeiro, não cabe ao senhor fazer esse tipo de pergunta a mim, mas, sim”, respondeu o juiz da Lava Jato.

Lula rebateu: “Porque não foi o procedimento na outra ação”. “Não vou discutir a outra ação aqui com o senhor, senhor expresidente”, concluiu Moro. “Minha convicção é de que o senhor é culpado.” / COLABORARAM JULIA AFFONSO, LUIZ VASSALLO, FAUSTO MACEDO e EDUARDO LAGUNA

 

 

O que Lula disse

(O ex-ministro Antonio Palocci) Tem o direito de querer ser livre. O que não pode é, se você não quer assumir a tua responsabilidade pelos fatos ilícitos que você fez, não jogue em cima dos outros.”

 

Ele (Palocci) é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade.”

 

Eu vou chegar em casa amanhã e vou almoçar com oito netos e uma bisneta de seis meses. Eu posso olhar na cara nos meus filhos e dizer que eu vim para Curitiba prestar depoimento a um juiz imparcial?”