Título: Consumidor sofre com descaso de aéreas
Autor: Dinardo, Ana Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 17/02/2012, Economia, p. 9

Nem o reforço à fiscalização no carnaval deverá intimidar o desrespeito das empresas. Orientação é ficar atento aos direitos e reclamarNotíciaGráfico

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Às vésperas do carnaval e a pouco mais de dois meses do começo da gestão privada dos maiores aeroportos do país, o brasileiro ainda cruza os dedos para não sofrer com transtornos no transporte aéreo nos quatro dias de folia. Diante da expectativa da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) de um movimento 13,2% maior em relação ao feriado de 2011, as autoridades do setor começaram a aplicar, ontem, uma série de medidas para reforçar a fiscalização e esclarecer os passageiros sobre os seus direitos. Pelo menos 3 milhões de turistas passarão pelos 66 terminais administrados pela estatal na semana da festa.

O esquema especial repete ações adotadas nas comemorações de fim de ano e que resultaram em 205 autuações da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) nos seis principais aeroportos

do país. A Operação Carnaval esbarra, contudo, na combinação do crescimento da procura por voos com as graves restrições de infraestrutura e a pouca eficácia das penalidades impostas às companhias aéreas. Para piorar, o consumidor costuma fazer confusão na hora de reclamar, sem saber a quem recorrer.

Campanhas Desde o ano passado, Infraero e Anac realizam campanhas de esclarecimento com o intuito de redirecionar a maioria das queixas que recebem para as concessionárias de transporte aéreo. A ideia é que as principais reclamações dos usuários sejam cobradas diretamente nos guichês exclusivos de atendimento das empresas. Caso os problemas persistam, aí sim, a recomendação é apelar ao órgão regulador, ao operador do aeroporto ou até mesmo à Justiça.

Ontem, por exemplo, 10 passageiros de Cuiabá, que desembarcaram às 14h30 em Brasília num avião da Avianca, não encontraram a conexão que os levaria a Recife, às 15h. O grupo foi ao juizado especial, onde um funcionário da empresa prometeu embarcar todos num voo da TAM. Mas, por falta de assentos disponíveis nas aeronaves da companhia, apenas quatro deles conseguiram viajar. Os outros seis foram levados para um hotel e a expectativa é de que embarquem hoje, às 11h.

O faturista Marcelo Henrique da Silva, 24 anos, relatou que a Avianca atrasou duas horas a saída em Cuiabá e ainda quebrou o acordo no juizado. "A empresa falhou ao nos informar sobre conexões que não existiam", reclamou. O consultor de sistemas Anderson da Silva Ferreira, 28, também integrou o grupo que prestou queixa no Aeroporto Internacional de Brasília. "Estou viajando desde Lucas do Rio Verde(MT), de onde saí às 22h de quinta-feira", desabafou ele, irritado.

Passageiros que iam a Belo Horizonte pela Webjet também tiveram problemas. O casal Rogério Luiz Moreira Leite, 23 anos, e Thamyres Santos, 21, ele fotógrafo e ela estudante de artes, quer passar o carnaval em São João Del Rey (MG), mas o atraso do voo das 16h o impediu de pegar o ônibus, às 19h, para o interior de Minas Gerais. Os dois terão de dormir, por conta própria, na capital mineira. "Eles só dão reembolso se for mais de quatro horas de atraso", lamentou Thamyres. Os seis juizados

especiais instalados nos aeroportos brasileiros — em São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Mato Grosso — registraram, no ano passado, 25.117 reclamações de clientes das companhias aéreas. Nas queixas, os problemas de atendimento estão no topo da lista. Mas apenas 3.970 casos, 15,8% do total, resultaram em acordo, diz um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek liderou as reclamações: 7.888 no total. Delas, só em 1.389 (17,6%) houve conciliação. No ranking das ocorrências, os dois aeroportos do Rio também se destacaram. Foram 7.678 protestos no Santos Dumont e outros 7.001 no Galeão.

Processo Diante desses números, Ana Cecília Paz, conciliadora do aeroporto de Brasília, acha que o percentual de acordos pode melhorar. "Quando recebemos as reclamações, o primeiro passo é tentar fazer a conciliação entre as partes sem a necessidade de abrir um processo judicial. Se o passageiro não ficar satisfeito com o acordo proposto pela empresa, pode buscar seus direitos na Justiça", explicou.

Para o diretor do juizado especial do Aeroporto JK, Ryan Chantal, os problemas refletem a falta de infraestrutura dos terminais e não precisariam chegar à Justiça. Ele contou que durante um mês são documentadas, no mínimo, 60 reclamações de passageiros e que as indenizações variam com a gravidade de cada caso. "Os danos morais sofridos por um passageiro, por exemplo, foram comprovados e sua ação rendeu R$ 10 mil em ressarcimento. Apesar disso, a maioria dos registros pode ser resolvida na hora, sem processo", comentou ele. No JK, 59% dos acordos já foram cumpridos.

Em 2011, a Anac aplicou 4.666 multas, num total de R$ 35,3 milhões, e recebeu mais de 40 mil reclamações dos usuários. Os números são 40% superiores aos do ano anterior, mas não revelam o volume real de queixas. Por outro lado, os valores cobrados das companhias aéreas pelas infrações representam menos de 1% da soma das receitas das empresas líderes de mercado, Gol e TAM. O problema é que as multas, geralmente, ficam paradas na Justiça.

Diante da saturação dos aeroportos e do impacto limitado das penalidades aplicadas sobre as companhias, nos períodos de alta temporada o órgão regulador persegue o teto de até 20% para os índices médios de atrasos de até 30 minutos e de 5% para os de cancelamentos de voos. Apesar do crescimento expressivo do movimento de passageiros, esses patamares começaram a ceder.

Em dezembro passado, mesmo com um movimento de passageiros 15,5% superior ao do mesmo mês de 2010, houve registro de 13% de atrasos de até 30 minutos, contra 20,9% no mesmo período do ano anterior. O índice de cancelamentos de voos no último mês de 2011 foi de 3,55%, inferior aos 5,51% apurados no fim de 2010.

Operação -padrão A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) pretende colocar mais 80 fiscais, em média, por dia nos principais aeroportos do país para exigir aeronaves extras e manter a regularidade das operações, além de coibir a prática das companhias aéreas de vender bilhetes acima do número de assentos do avião (overbooking). A Polícia Federal, por sua vez, promete elevar em 30% o número de agentes nos terminais e a Receita Federal também vai intensificar a atuação, sobretudo em Guarulhos (SP). Funcionários da Infraero identificados por coletes amarelos vão circular nos saguões para orientar os passageiros.