Correio braziliense, n. 19829, 06/09/2017. Política, p. 3.

 

Cármen exige investigação

Bernardo Bittar

06/09/2017

 

 

Consideradas “gravíssimas” pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, as denúncias gravadas pelos executivos da JBS e entregues por engano ao Ministério Público foram qualificadas pela ministra Cármen Lúcia como uma agressão à dignidade do Supremo Tribunal Federal (STF). Os áudios citam os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e a própria Cármen, chefe do órgão, que afirmou exigir investigações “com datas para início e conclusão”.

“Enviei, agora, ao diretor-geral da Polícia Federal e ao procurador-geral da República ofícios exigindo a investigação imediata, com definição de datas para início e conclusão dos trabalhos a serem apresentados, com absoluta clareza, a este Supremo Tribunal Federal e à sociedade brasileira, a fim de que não fique qualquer sombra de dúvida sobre a dignidade deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes”, afirmou Cármen Lúcia, em vídeo.

“Agride-se, de maneira inédita na história do país, a dignidade institucional deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes. Impõe-se, pois, com transparência absoluta, urgência, prioridade e presteza à apuração clara, profunda e definitiva das alegações, em respeito ao direito dos cidadãos brasileiros a um Judiciário honrado”, continuou a ministra.

Além de atingir a mais alta Corte da Justiça brasileira, a gravação demonstra suposto relacionamento entre um ex-assessor do gabinete de Janot, o procurador Marcello Miller, e a dupla, qualificada pela PGR como “colaboradores da Lava-Jato” — que podem perder os benefícios da delação premiada. Segundo Janot, “havendo provas de troca de informações e de outras situações ilícitas, o acordo entre o Ministério Público e o empresário pode, sim, ser cancelado”, afirmou o PGR em entrevista coletiva.

Durante quatro horas, Joesley e Ricardo Saud, diretor de relações institucionais do Grupo J&F — braço da JBS — teriam conversado sobre uma possível aproximação com Janot, citando os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, dirigente do órgão; e insinuado ter convivência com o procurador da República Marcello Miller, visto como traidor entre os colegas. Joesley e Saud falam sobre “dissolver o Supremo”, assim como a “Odebrecht moeu o Legislativo”. E dizem que usariam José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff. “Na semana que vem, vou chamar o Zé e falar: Zé, nós temos que organizar o Supremo. A única chance que nós temos de sobreviver é isso. Você tem quem?”.

 

Sigilo

Na noite de ontem, o ministro Edson Fachin, que recebeu e analisou o áudio da PGR, retirou o sigilo das gravações no fim da noite de ontem, alegando se tratar de “uma conversa gravada e divulgada pelos próprios interlocutores”. Em um dos áudios, Joesley Batista e Ricardo Saud mencionam os membros da Corte, dando a entender terem informações que podem prejudicar os ministros do STF. “O Supremo não, calma! Vai f... meus amigos”, disse o proprietário da JBS. Marcello Miller, que, segundo a PGR, estaria colaborando com Joesley e Saud, informou que “não cometeu crime ou ato de improbidade administrativa” e disse estar à disposição para eventuais esclarecimentos.

 

Confira trechos do diálogo entre o empresário Joesley Batista, dono da JBS, e o advogado Ricardo Saud.

Joesley: Você já imaginou se nós chama (SIC) o Marcelo (Miller, ex-procurador), assim: Marcelo, você vai passar pelo... nós damos um papel pro Marcelo (...) ó, você vai ser o advogado que vai arrumar as notas, arrumar o esquema das notas tal, tem nota, ó, nós vamos trazer aqui, ó. O Marcelo que trabalha conosco, trabalha há muitos anos, meu amigo de infância, é da...

Saud: Goiás

Joesley: É, infância lá de Goiás. Seguinte, ó...

 

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Saud: Ele acha que o Zé Eduardo (José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça no governo Dilma) é o melhor caminho pra chegar no Supremo.

Joesley: Ele te falou isso? Que que ele te falou? (...)

Saud: Não, como nós chegamos lá, começamos a conversar. O Joesley foi falando com ele, perguntamos as coisas que tinha feito. Ele falou da lei e tal... (parte inaudível). Você não tinha me falado da lei (parte inaudível) entendeu na hora da lei, falou que outubro foi aprovado uma lei assim, assim, negócio de narcotráfico aí. Eu não sabia, mudaram a lei lá e passou pra outra coisa. (...) O cara falou que tem cinco, cinco ministros do Supremo na mão dele. Inclusive, muitos conversados e outros não é só palavreado não, escrito tal. Ele falou: “cinco, ele não tem não. Ele tem... ah, só se eles, só se eles contam Lewandowski até hoje”, ele falou. Falei: ah daí eu não sei, não deu nome não. Mas, se contar Lewandowski, pode ser sim. (…) Porque ele falou da Cármen Lúcia, (parte inaudível) da Cármen Lúcia que vai lá falar do (parte inaudível) com a Dilma e tal, os três juntos, tal, tal, tal. “Ah, então, ele tem mesmo essa intimidade?” (parte inaudível) Os caras, falei, não é mentira não. Foi, tô falando (parte inaudível), contei pra ele, falamos do escritório, falamos da conta...

Joesley: Que escritório? Que escritório?

Saud: do Marco Aurélio (parte inaudível)... falou do dinheiro? Não, “não, né, Ricardo (parte inaudível). “Mas, e aí, que que a Dilma falou?” (parte inaudível) Não, não (parte inaudível), nada disso. Aí se viu a Cármen Lúcia lá e tal. A última indicação e tal. (…)

 

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Joesley: Eles vão dissolver o Supremo. Eu vou entregar o Executivo e você vai entregar o Zé, o Zé vai entregar um... vou ligar e chamar ele e falar: ô, Zé, seguinte: você precisa trabalhar com a gente, nós precisamos organizar o Supremo, a única chance que a gente tem de sobreviver. Você tem quem? Como é cada um? Qual a influência que você tem nesse? Como é que a gente grampeia? O Zé vai entregar tudo. A gente vai falar de dois só, nós só vai entregar o Judiciário e o Executivo. A Odebrecht moeu o Legislativo, nós vamos moer...

Saud: Vai deixar pra cumprir depois (inaudível).

Joesley: Não, tem que ser um tchau e não voltar aqui mais nunca. Não tem negócio de vir depois. Nós vamos fazer um serviço tão benfeito que não vai precisar chamar nós...tá tudo gravado aí.

Ricardo: “Essa parte o Marcelo tá (inaudível).

Joesley: Vamos ver, vamos devagar.

Saud: A não ser que o Zé entregue o Supremo inteiro.

Joesley: O Zé vai entregar: B é isso, o C é isso. Por onde a gente chega, bota tudo na conta do Zé. Nós só vamos precisar falar de duas coisas.

 

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Joesley: Por isso que eu quero nós dois 100% alinhado com o Marcelo. Nós dois temos que operar o Marcelo direitinho pra chegar no Janot. Eu acho... é o que falei com a Fernanda (Tórtima, advogada de Joesley): nós nunca podemos ser o primeiro, nós temos que ser o último, nós temos que ser a tampa do caixão. Fernanda, nós nunca vamos ser quem vai dar o primeiro tiro, nós vamos o último. Vai ser que vai bater o prego da tampa.

Saud: Ela tá entendendo?

Joesley: Nós fomos intensos pra fazer, temos que ser intensos pra terminar.

 

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Joesley: Ricardo, nós somos a joia da coroa deles. O Marcelo já descobriu e já falou com o Janot: “Ô, Janot, nós temos o pessoal que vai dar todas as provas que nós precisamos”. E ele já entendeu isso. A Fernanda surtou por quê? Porque a Fernanda entendeu que nós somos muito mais e nós podemos muito mais. Aí, até a Fernanda perdeu o controle. Aí, até a Fernanda falou: “Calma. Supremo, não. Calma. Vai f. meus amigos, vai”. Só para, Ricardinho, eu não vou conseguir te explicar. Ricardinho, confia em mim. É o seguinte, vamos conversando tudo. Nós vamos tocar esse negócio. Nós vamos sair lá na frente. Nós vamos sair amigos de todo mundo. E nós não vamos ser presos. Pronto. E nós vamos salvar a empresa.

 

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Saud: Eu falei (para Marcelo Miller): Você passa tudo pro Janot, né? Do que está acontecendo aqui. Ele disse: “Não, não. Não vou te mentir, não. Não passou não. É um amigo meu comum. É um amigo meu comum.

Joesley: Um amigo?

Saud: Meu comum. Comum do Janot. Eu falei, você passa tudo pro Janot? Ele falou: ‘Não’. É um amigo meu comum, que é dono desse escritório que o Janot vai trabalhar depois, junto com o Marcelo. Eu entendi agora. O Marcelo saiu antes. Tem um outro saindo, um tal de Christian. E o Janot não vai concorrer (novamente ao cargo de procurador-geral da República). Ele vai sair, e vai vir advogar junto com ele e esse Christian nesse escritório. Então, o escritório vai ser ele, esse christian, ele e o Janot.

Joesley: C., mas então você tá me confirmando que tudo que nós estamos falando, ele corre no banheiro e manda pro Janot. Ou para alguém que fala com o Janot.

Saud: Porque o Janot vai trabalhar com ele.

Joesley: Lógico.

Saud: Fala que vai voltar como procurador da República, é mentira.  O Janot vai sair e vai para esse mesmo escritório que ele tá indo, o mesmo escritório (ininteligível). Ele, esse Christian...