Título: Na posse de Eleonora, só deu Maria da Penha
Autor: Castro, Grasielle ; Braga, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 11/02/2012, Brasil, p. 12

A decisão do STF de que haverá processo mesmo sem queixa da vítima foi o principal assunto na estreia da ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres Diego Abreu

O dia seguinte à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que endureceu a Lei Maria da Penha foi marcado pela esperança de que a interpretação única da medida garanta a apuração e as investigações dos casos de violência contra a mulher em todo o país. O momento coincidiu com a posse da nova ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), a socióloga Eleonora Menucucci de Oliveira, que carrega no currículo um passado de longa luta contra a violência doméstica. No discurso durante a posse de Eleonora, a presidente Dilma Rousseff reforçou que a data da troca de comando na SPM possibilitou enfatizar o entendimento único com relação à Lei Maria da Penha.

Segundo a presidente, é fundamental que exista no país uma lei clara, que considere crime a violência contra a mulher dentro ou fora de casa. Dilma acredita que o Brasil começa a construir uma cultura de paz a partir do momento em que a aplicação da lei ocorra de acordo com o texto original, permitindo que o Ministério Público faça denúncia contra o agressor e que a investigação do crime continue mesmo após a vítima desistir da queixa. "Tenho certeza de que todos nós, mulheres e homens brasileiros, demos um passo na construção de uma sociedade em que, de fato, a luta contra a violência e a discriminação avançou", discursou.

Em entrevista ao Correio, o ministro Marco Aurélio Mello, relator dos processos julgados em plenário, ressaltou que os juízes brasileiros estão obrigados a dar prosseguimento às ações decorrentes de lesão corporal leve contra mulheres. "Assentamos que a mulher, com a possibilidade de retirar a queixa, ficava vulnerável a pressões e a intimidações. Até então, o juiz marcava a audiência praticamente pró-forma. Ele só homologava a desistência. Isso era quase automático", disse.

Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho reforça que a Constituição é clara ao dizer que os casos de agressão contra a mulher não se configuram como questão privada. Para ele, a antiga interpretação da lei — de que cabia unicamente à vítima denunciar o agressor — violava o princípio da dignidade da pessoa humana. "É como desconhecer as implicações dessa forma brutal de violência. Seja com ameaças reiteradas, abuso sexual ou cárcere privado, a vítima também fica emocionalmente comprometida", observou.

O movimento feminista vê na decisão o fim da impunidade. Para Angela Freitas, integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras, era a falta de punição que fazia com que a violência não fosse combatida. "Agora com a lei, isso vai acabar.

Essa foi uma grande vitória" comemorou. Ângela lembra que, quando a lei foi sancionada, houve uma reação no âmbito jurídico alegando que a lei era inconstitucional por tratar homens e mulheres de forma diferenciada, o que era entendido como preconceito.

No discurso de despedida, a deputada federal Iriny Lopes (PT), que sai do comando da SPM para concorrer à prefeitura de Vitória (ES), afirmou que a decisão do STF deu mais agilidade e eficácia à lei.

"Diferentemente do que disseram alguns ministros do STF, não se trata de mudar artigos da lei, trata-se de testar", explicou. Ao ser empossada, Eleonora prometeu reforçar a luta para a implementação da lei.

O início da gestão da socióloga deverá ser marcado pela intensificação dos diálogos com as justiças estaduais para costurar a Campanha Compromisso e Atitude no Enfrentamento à Impunidade e à Violência Contra a Mulher, assinada com o Ministério da Justiça em dezembro do ano passado. Além de priorizar o combate à violência doméstica, a ministra prometeu atenção às políticas de trabalho, ao trabalho doméstico e à participação feminina na sustentabilidade.

Anistia Engajada na causa desde que saiu da prisão, na época da ditadura, e contra a decisão do STF de anistiar os militares acusados de praticar atos de tortura durante o regime militar, Eleonora deverá atuar fortemente na Comissão da Verdade. Diz esperar que a presidente leve a questão no tempo e na hora certos. "É uma dívida histórica do estado brasileiro", justificou. Ela se emocionou ao citar nomes de presos políticos e ressaltou que chegou a dividir uma cela com a atual presidente da República.

Eleonora também preferiu evitar polêmicas na posse. Mesmo tendo reafirmado sua opinião favorável ao aborto e ter ressaltado que a quarta principal morte de mulheres é em decorrência de abortos inseguros, a ministra frisou que o governo tem uma posição em relação a isso e que vai trabalhar nesse sentido. "É um debate da sociedade civil", afirmou, ao ser questionada se estreitaria a relação com os evangélicos. Dilma reforçou a postura a ser adotada por Eleonora: "É uma feminista que respeitará seus ideais, mas que vai atuar segundo as diretrizes do governo em todos os temas sobre os quais terá atribuição".

"Tenho certeza de que todos nós, mulheres e homens brasileiros, demos um passo na construção de uma sociedade em que, de fato, a luta contra a violência e a discriminação avançou"

Dilma Rousseff, presidente da República