Correio braziliense, n. 19830, 07/09/2017. Política, p. 4.

 

As gravações dos delatores

07/09/2017

 

 

O áudio chama-se “Piauí Ricardo 3” e contém uma conversa de quatro horas de duração entre o empresário Joesley Batista e o advogado Ricardo Saud. Ela teria sido gravada no dia 17 de março — não se sabe se acidentalmente ou não. Nitidamente embriagados, os dois delatores divagam sobre diversos temas — como mulheres e carros —, mas também falam da suposta atuação do então procurador da República Marcelo Miller, dando a entender que ele estaria auxiliando na confecção de propostas de colaboração para serem fechadas com a Procuradoria-Geral da República. Tal conduta configuraria, em tese, crime e ato de improbidade administrativa.Por causa do diálogo, que também cita o Supremo Tribunal Federal e ministros da Corte, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, abriu uma investigação. “Há elementos que necessitam ser esclarecidos”, afirmou o chefe do Ministério Público Federal. A presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, também pediu a investigação do caso, dizendo que a conversa e insinuações contra o tribunal são “gravíssimas”. Confira alguns trechos da conversa entre Joesley e Saud.

Partes das conversas entre os delatores

Saud: (Saud lê uma mensagem, aparentemente no celular): “Ricardo, bom dia. Tudo bem? Como estão evoluindo as coisas por aí? Um abraço. Oi, Eduardo (supostamente, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo). Tudo bem. Estamos desanimados. E você? Está bem? Ricardo, tudo bem. Mercado forte. Preço em alta. Animação forte”.

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Joesley: Olha, eu vou te contar um negócio, sério mesmo… Nós somos do serviço, né?! Nós vamos virar amigo desse Ministério Público. Você vai ver. Nós vamos virar amigo desse Janot. Nós vamos virar funcionário desse Janot. Nós vamos falar a língua deles. Você quer conquistar o Marcelo (Miller, ex-procurador)? É só começar a chamar esse povo de bandido. Esses vagabundos, de bandidos. Comece a chamar esse povo de bandido. “Ah, agora você está do nosso lado.”
Saud: (Inaudível).
Joesley: Comece a chamar de bandido.
Saud: Devastado. Devastado é palavra que ele falou (Inaudível).
Joesley: Como é que ele falava?
Saud: (Inaudível).
Joesley: Não tem nenhuma chance de nós irmos embora. Se não deixar, nós não entregamos. Nenhuma chance. Tudo o que estamos fazendo é só para nós. Estamos fazendo sabe o quê? Guardando munição? É isso. E nós não vamos precisar usar nenhuma. Tomara. Vamos dizer assim.

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Joesley: “Francisco, vamos ligar pro Anselmo e vamos falar que a gente vai delatar tudo. Dá um f. nesses caras.” Eles querem que eu acredite que eles vão resolver. Eles vão resolver nada. Eles querem que eu vou ser preso. Aí, lá na cadeia, eles vão fazer um grande serviço. Que eu não vou algemado, eu vou com a mão pra trás. Eles vão pagar R$ 1 milhão pra eu não ir algemado, com a mão pra trás. Aí, mais R$ 1 milhão pra eu não dormir na cela com 8, vou ficar na cela com 4. Mais R$ 1 milhão pra eu ter um pão com manteiga, não um pão sem manteiga. Aí, eu falei: “Francisco, estamos f.”. Vamos atrás de cuidar da nossa vida. Tem três anos que estamos esperando esse povo, esse povo não vai fazer porra nenhuma. Essa turma aí já tem a solução, o que a gente tá procurando a MP já tem, sabia? A anistia que estamos querendo o MP já tem, é a delação.
Saud: Nós estamos com tudo pronto para f. os caras. Vamos entregar, fuder com tudo e pronto.

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Joesley: Dentro do contexto do que nós somos, do que nós representamos, do que nós temos para falar. Dentro do jogo do MP. Eu duvido que esse Janot não queira nossa delação. Eu aposto 100 pra 1. Eu fico vendo toda essa confusão, essa operação ridícula que fizeram. É de dar risada. Eu queria falar pro Janot: “Cara, isso é coisa de menino. Para. Você coloca mil homens na rua achando que vai me intimidar”. Ele não sabe com quem ele tá lidando. Eu acho que ele tá lidando com um menino amarelo. Eu vou chegar lá e vou falar: “Janot, nessa escola que você está tendo aula, eu fui professor”.

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Joesley: O que nós vamos falar é uma bomba atômica. Não dá pra jogar uma bomba atômica do nada. Tem que ser por que o MP foi “bateu, bateu, bateu”. É bom pro MP e é bom pra nós. É bom pros dois. O MP vai dizer: “Olha, nóis somos f.”, e a gente vai dizer que não tivemos outra opção, foi porque fomos pressionados. Pensa esse negócio de hoje. A gente tava com dúvida se falava desse esquema. Hoje não temos mais dúvidas, nós vamos falar.

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Ricardo: Pois é, o Marcelo (Miller) me deu a tarefa (Inaudível)...
Joesley: Vamos dar um passo atrás, na minha cabeça. O Marcelo é do MPF. O Marcelo tem linha direta do Janot. Quando falo Janot, tô falando do Pelella, é tudo a mesma coisa. MPF, é Janot, Pelella… qual o nome daquele outro? O outro lá… Ricardo, nós somos joia da coroa deles. O Marcelo já descobriu e falou pro Janot: “Janot, nós temos um cara, um pessoal que vai dar todas as provas que precisamos”. Ele já entendeu isso. A Fernanda surtou porque já entendeu que nós somos muito mais, e podemos muito mais, e aí até a Fernanda perdeu o controle. “Supremo não, vai f. meus amigos”. Ricardo, não vou conseguir te explicar. Confia em mim, é o seguinte: vamos conversando tudo, vamos tocar esse negócio, vamos sair lá na frente, vamos sair amigo de todo mundo e não vamos preso e vamos salvar a empresa.

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Joesley: Não, vai ser o Janot. Vai ser o Ministério Público. Eles vão dissolver o Supremo. É o seguinte, eu vou entregar o Executivo e você vai entregar o Zé (supostamente, José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça do governo Dilma). Pra mim, com o Zé, sabe o que nós vamos fazer com o Zé? Uma miúda. Eu, pra mim, não tem que falar mais nada com o Zé. Eu queria combinar com você o seguinte: que eu vou ligar pro Zé, eu direto, falar: “Zé, vem aqui. Zé, é o seguinte, você precisa trabalhar conosco. Zé, a gente precisa organizar o Supremo. Quem nós temos no Supremo? A única chance de sobreviver é isso. No Supremo quem a gente tem? A, B, C, D, F, tá, e como é cada um? Ah, o A é isso, o B é isso e tal. Qual influência você tem nesse? Nesse fdp? Como é que é? Como é que nós grampeia, como é que nós faz isso?” O Zé vai entregar tudo! Nós só vamos entregar o Judiciário e o Executivo, só, não muito. Eu já tive esse poder. A Odebrecht morreu, a Odebrecht morreu no Legislativo, nós vamos moer. Tem que ser um tchau. Tem que ser um tchau e não voltar aqui mais nunca. E não tem negócio de vim depor, por isso que eu digo o seguinte: eu tô na minha cabeça que nós vamos fazer um serviço tão benfeito que não vai precisar chamar nós. Tá tudo gravado aí. Já ele falou, nós não temos nada a acrescentar. Eu tô dizendo o seguinte: as gravações, não vai precisar de nós. O Zé vai entregar o Supremo. Eu vou chamar o Serra, eu vou chamar o Zé: “José, a casa caiu, véi. Eu preciso de você”. Vamos montar nossa tática de guerra aqui, quem é quem vai? O A é isso, o B é isso, o C é isso, por onde a gente chega. Nós vamos botar tudo na conta do Zé.

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Saud: Ele acha que o Zé Eduardo (José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça no governo Dilma) é o melhor caminho pra chegar no Supremo.
Joesley: Ele te falou isso? Que que ele te falou? (...)
Saud: Não, como, nós chegamos lá, começamos conversar. O Joesley foi falando com ele, perguntamos as coisas, que tinha feito. Ele falou da lei e tal... (parte inaudível). Você não tinha me falado da lei (parte inaudível), entendeu na hora da lei, falou que outubro foi aprovada uma lei assim, assim, negócio de narcotráfico aí. Eu não sabia, mudaram a lei lá e passou pra outra coisa. (...) O cara falou que tem cinco, cinco ministros do Supremo na mão dele. Inclusive, muitos conversados e outros, não é só palavreado não, escrito tal. Ele falou: “cinco, ele não tem não. Ele tem... ah, só se eles, só se eles contam Lewandowski até hoje”, ele falou. Falei: ah daí eu não sei, não deu nome não. Mas se contar Lewandowski, pode ser sim. (…) Porque ele falou da Cármen Lúcia, (parte inaudível) da Cármen Lúcia que vai lá falar do (parte inaudível) com a Dilma e tal, os três juntos, tal, tal, tal. “Ah, então, ele tem mesmo essa intimidade?” (parte inaudível) Os caras, falei, não é mentira não. Foi, tô falando (parte inaudível), contei pra ele, falamos do escritório, falamos da conta...
Joesley: Que escritório? Que escritório?
Saud: do Marco Aurélio (parte inaudível)... falou do dinheiro? Não, “não, né, Ricardo (parte inaudível). “Mas, e aí, que que a Dilma falou?” (parte inaudível) Não, não (parte inaudível), nada disso. Aí, se viu a Cármen Lúcia lá e tal. A última indicação e tal.