O Estado de São Paulo, n. 45256, 13/09/2017. Política, p.A5
Por: Rafael Moraes Moura / Breno Pires
Rafael Moraes Moura
Breno Pires / BRASÍLIA
Em um dos momentos mais tensos no Supremo Tribunal Federal desde que a delação do Grupo J&F veio à tona, o ministro Edson Fachin disse ontem que a sua alma “está em paz”, ao rebater as críticas do colega de Corte Gilmar Mendes à homologação do acordo de colaboração premiada do empresário Joesley Batista. Para Gilmar, Fachin foi “ludibriado” pelo ex-procurador da República Marcello Miller, o que deve ter lhe imposto um “constrangimento pessoal muito grande”.
“Não invejo seus dramas pessoais, porque poucas pessoas ao longo da história do STF se viram confrontadas com desafios tão imensos, grandiosos. E tão poucas pessoas na história do STF correm o risco de ver o seu nome e o da própria Corte conspurcados por decisões que depois vão se revelar equivocadas”, disse Gilmar a Fachin, criticando a forma com que o relator conduziu o caso do Grupo J&F.
“Ter sido ludibriado por Miller e et caterva (e comparsas) e ter tido o dever de homologar isso devem-lhe impor um constrangimento pessoal muito grande”, afirmou Gilmar, em referência a Marcello Miller, que teria atuado para o Grupo J&F antes de se desligar da Procuradoria-Geral da República.
Para Gilmar, o STF enfrenta um quadro de “vexame institucional”. “Certamente, no lugar onde está, o ministro Teori (Zavascki, morto em janeiro em um acidente aéreo) está rezando por nós, dizendo: ‘Deus me poupou desse vexame’. Nós estamos vivenciando um grande vexame, o maior que já vi na história do tribunal”, disse o ministro.
Em junho, o plenário do Supremo referendou Fachin como responsável pela homologação monocrática da delação de executivos da J&F após questionamentos dos benefícios concedidos aos delatores.
O embate entre Fachin e Gilmar ocorreu de manhã, durante julgamento da Segunda Turma do STF sobre denúncia contra o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) e o ex-executivo da Petrobrás Djalma Rodrigues de Souza pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Fachin considerou que a delação do empresário Ricardo Pessoa, da UTC, e os documentos apresentados traziam condições para abertura de ação penal no caso. Ao suspender o julgamento, depois do pedido de vista (mais tempo para análise) de Ricardo Lewandowski, Fachin respondeu a Gilmar.
Provas. “Eu reitero o voto que proferi com base naquilo que entendo que é a prova dos autos. E por isso agradeço a preocupação de Vossa Excelência, mas parece-me que, pelo menos a meu ver, julgar de acordo com a prova dos autos não deve constranger ninguém, muito menos um ministro da Suprema Corte. Também agradeço a preocupação de Vossa Excelência e digo que a minha alma está em paz”, afirmou Fachin, sem demonstrar irritação.
Na Corte, Fachin tem tido o apoio dos colegas. Um integrante da Segunda Turma disse reservadamente concordar com o relator, de que não há que se falar em constrangimento e que o ministro se saiu muito bem diante da colocação de Gilmar.
Em novo ataque à Procuradoria-Geral da República, Gilmar falou em “putrefação, degradação dessa instituição”. “Parece que, ao sair de lá, o Miller, Janot também perdeu o cérebro. Não era só o braço direito”, disse.
Gilmar afirmou que, em muitos casos, sem delação, não há alternativa de investigação. “Mas estudos mostram que há um convite à subdelação, protegendo determinadas pessoas. E há o convite à superdelação. Essa manipulação é horrorosa, é nojenta, é repugnante.”
Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral da República não se manifestou.
Ministros. Fachin e Gilmar discutiram durante julgamento na Segunda Turma do Supremo
Embate
“Nós estamos vivenciando um grande vexame.”
Gilmar Mendes
MINISTRO DO SUPREMO
“Minha alma está em paz.”
Edson Fachin
RELATOR DO CASO J&F NA CORTE