Correio braziliense, n. 19835, 12/09/2017. Política, p. 2.

 

Dia de cadeia e de derrota na Justiça

Renato Souza

12/09/2017

 

 

Em meio a protestos e fogos de artifício lançados por manifestantes, o empresário Joesley Batista, um dos donos da J&F, controlador da JBS, chegou a Brasília na tarde de ontem. Delator da Operação Lava-Jato, ele é acusado pelo Ministério Público Federal de omitir provas em depoimentos prestados ao longo do processo. A prisão temporária, inicialmente de cinco dias, foi determinada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). O executivo Ricardo Saud também está preso. Após a decisão de Fachin de prender Joesley, a Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu parcialmente um acordo de leniência que havia sido firmado com a empresa.

Na decisão, o ministro Fachin afirmou que as prisões de Joesley e Saud são necessárias para garantir a investigação e destacou que os delatores não contaram tudo que sabiam. O magistrado embasou a decisão em uma gravação, na qual Joesley aponta possível envolvimento do ex-procurador Marcelo Miller nas tratativas para fechar o acordo de colaboração premiada.  No documento em que pediu a prisão do dono do Grupo J&F, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apontou a omissão de outras gravações feitas por delatores da J&F, uma delas citando o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.

Em depoimento prestado na Procuradoria-Geral da República na última quinta-feira, Saud admitiu que Cardozo foi gravado em um encontro na casa de Joesley. A gravação de Cardozo teria gerado uma “briga” entre Miller e os delatores, porque o ex-procurador não teria aprovado a atitude. Segundo Janot, o fato de os delatores terem não apenas ocultado a gravação do ex-ministro, como também a levado para o exterior, mostra intenção de omitir os fatos, após orientação de Miller. Joesley afirmou, em depoimento prestado na semana passada a investigadores da Lava-Jato, que tem gravações ainda não entregues.

O jato da Polícia Federal que trouxe o Joesley Batista de São Paulo pousou no Aeroporto Juscelino Kubitschek às 14h40. Ele tinha se entregado na capital paulista no domingo, após ficar sabendo que a prisão tinha sido determinada. Tanto na capital paulista quanto em Brasília, ele enfrentou diversos protestos pelo trajeto. Enquanto ocorria a transferência, equipes da força-tarefa da Lava-Jato faziam buscas em endereços ligados a executivos da J&F. Além de buscas nas casas dos delatores em São Paulo, um mandado foi cumprido na casa de Marcelo Miller.

Na capital, os manifestantes se reuniram em frente à Superintendência da Polícia Federal, no Setor Policial Sul. Portando cartazes, eles entoaram gritos de ordem a favor da polícia, do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava-Jato em primeira instância, e do Ministério Público Federal. O estudante Luca Torres Moura, 20 anos, chegou logo cedo ao local ao protesto. “Essa corrupção é apartidária. Ela envolve todos os partidos. A Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário precisam de apoio para combater todas as ações criminosas. Nós marcamos pela internet de nos encontrarmos aqui, e viemos bem cedo”, afirmou.

Assim que os delatores chegaram à PF, os advogados pediram que não fosse realizado exame de corpo de delito. No entanto, menos de uma hora depois, de acordo com a assessoria de imprensa da corporação, os defensores voltaram atrás e Joesley foi encaminhado com Saud ao Instituto Médico Legal (IML). Em seguida, eles voltaram para a cela no complexo policial.

No mesmo dia que os executivos da empresa foram encarcerados, a J&F sofreu mais uma baixa na Justiça. O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, suspendeu um acordo de leniência com a controlador da JBS. A intenção era que a empresa colaborasse com as investigações de quatro operações: Greenfield, Cui Bono, Lava-Jato e Sépsis. Em troca da colaboração, a J&F teria alguns benefícios, como a autorização para continuar participando de licitações públicas.

De acordo com a decisão do magistrado, o processo de delação só poderá seguir caso o Supremo decida manter a participação dos executivos da empresa na investigação do esquema revelado pela Lava-Jato. “Diante disso, por cautela e em atenção à segurança jurídica, suspendo os efeitos do presente acordo de leniência homologado, no âmbito da competência deste juízo federal, até ulterior deliberação deste juízo após a decisão a ser proferida pelo Supremo Tribunal Federai sobre mudança e validade (ou não) do acordo de colaboração premiada dos presidentes e diretores do Grupo J&F”, determinou.

Em nota, o Ministério Público Federal (MPF) alegou que o acordo de leniência da J&F com a Justiça Federal de Brasília continua válido. Para o órgão, o que ficou suspenso foi a possibilidade da inclusão de novas pessoas ligadas à empresa no acordo de delação premiada.

Contratado assim que a prisão de Joesley e Saud foi anunciada, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro criticou a decisão do ministro Edson Fachin e acusou Rodrigo Janot de atuar com intenções pessoais no caso. “Na quinta-feira, ele (Joesley) depôs durante quatro horas na Procuradoria-Geral da República. Enquanto ele respondia a todos as perguntas, estava sendo feito um pedido de prisão pelo procurador-geral. Por isso, acho que houve uma deslealdade com ele. É uma prisão totalmente desnecessária”, afirmou.

 

Reestruturação

Em meio à insegurança gerada pela prisão de Joesley Batista, que deu novo combustível à crise vivida pela empresa, a JBS tenta seguir com os planos para reerguer seus negócios. A empresa anunciou ontem a venda da britânica Moy Park para a Pilgrim’s Pride, companhia americana também controlada pela J&F. A operação ajudará a multinacional de alimentos a melhorar o perfil de sua dívida, reduzindo vencimentos no curto prazo.

 

Ponto a ponto

» O acordo de leniência da J&F, cancelado pela Justiça de Brasília, tinha sido assinado com a empresa na última sexta-feira.

» O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, suspendeu o processo de delação por parte da J&F com base na decisão do ministro Edson Fachin, do STF. Fachin cancelou, no sábado, um acordo realizado pelos empresários Joesley Batista e Ricardo Saud que dava a eles o perdão judicial.

» Um áudio, de quatro horas, em que Joesley conversa com Saud foi o motivo da revogação do acordo de leniência firmado com os empresários. Assinado na semana passada com a Justiça Federal do DF, o texto fechado com a J&F previa cooperação com esquemas investigados por quatro operações da PF: Greenfield, Cui Bono, Lava-Jato e Sépsis

» Entre os crimes investigados pelas operações que faziam parte do acordo estão desvios nos fundos de pensão de servidores públicos e na liberação de créditos da Caixa Econômica Federal

» A suspensão vale até decisão do Supremo sobre o caso dos colaboradores acusados de omitir informações em depoimento. O juiz Vallisney Oliveira alegou insegurança jurídica para seguir com a definição dos próximos passos do acordo fechado com a J&F.