O Estado de São Paulo, n. 45256, 13/08/2017. Política, p.A8

 

 

MPF vê ‘batom na cueca’ contra Lula

Procurador responsável pela Operação Zelotes aponta tráfico de influência do ex-presidente para compra de caças suecos na gestão Dilma

Por: Fábio Fabrini

 

Fábio Fabrini / BRASÍLIA

 

O procurador Hebert Mesquita, responsável pela Operação Zelotes, disse ontem que as provas apresentadas em denúncia de tráfico de influência contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são “batom na cueca” e demonstram que o petista, após deixar o Palácio do Planalto, ofereceu seu prestígio a empresas, em troca de viabilizar um contrato bilionário e a edição de uma medida provisória no governo da petista Dilma Rousseff.

De acordo com o investigador, a acusação está baseada em uma série de mensagens e documentos que comprovam que Lula e o filho caçula, o empresário Luís Cláudio Lula da Silva, se envolveram em negociações com lobistas do setor privado sobre a compra de caças fabricados pela multinacional sueca Saab e a edição da Medida Provisória 627, de 2013, que prorrogou incentivos fiscais a montadoras de veículos. Ambas as decisões foram tomadas na gestão Dilma.

Mesquita afirmou que houve encontros entre os investigados para tratar dos dois assuntos e que uma empresa de Luís Cláudio recebeu R$ 2,5 milhões do lobista Mauro Marcondes Machado, representante das companhias interessadas nas decisões, como remuneração pelo apoio de Lula. O repasse foi revelado pelo Estado em 2015.

O procurador lembrou ainda que, em um e-mail descrito na denúncia, por exemplo, os investigados mencionam que a MP só seria feita se Lula mandasse. “Está tudo documentado. Com o perdão da expressão, é batom na cueca”, afirmou, ao sair de uma audiência na 10.ª Vara da Justiça Federal, em Brasília.

Durante a sessão, ontem, quatro testemunhas de defesa de Lula e do filho depuseram na ação penal que avalia as condutas dos dois e de outros réus. Falaram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o extitular do Ministério da Fazenda na gestão do tucano Pedro Malan e os ex-ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Nelson Jobim (Defesa). Os dois últimos exerceram os cargos nos governos petistas. Os depoentes negaram saber se o expresidente influenciou decisões de Dilma ou algum outro agente político.

Para o procurador, as testemunhas, “de certa forma”, corroboram a denúncia. Ele explicou que a investigação sobre o caso não diz se, efetivamente, algum gestor público chegou a ser influenciado por Lula ao tomar decisões. É que, conforme o Ministério Público Federal, somente o fato de “vender fumaça”, ou seja, oferecer a possibilidade de interferência no governo, em troca de vantagem, é crime, bastando, portanto, para uma acusação criminal.

O ex-presidente Fernando Henrique disse que a Força Aérea Brasileira (FAB) já tinha preferência pelos caças Gripen em 2002, ao fim de seu governo. Em depoimento por videoconferência, ele explicou que a opção da Aeronáutica lhe foi manifestada em uma reunião, mas que ele preferiu não comprar as aeronaves de defesa naquele momento para não “onerar” a gestão do sucessor, Lula.

 

Defesa. O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, afirmou, em nota, que “a acusação de tráfico de influência contra o ex-presidente Lula é manifestamente despropositada e desprovida de materialidade”.

 

Lobby

R$ 2,5 mi

teria recebido uma empresa do filho de Lula, Luís Claudio, do lobista Mauro Marcondes Machado, representante das empresas interessadas nas decisões do governo.

 

 

 

 

 

Das togas às urnas

Por: Pedro Floriano Ribeiro

 

ANÁLISE: Pedro Floriano Ribeiro

 

A um ano da eleição presidencial, a política brasileira tem um dia de expectativa com o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Poucos no PT acreditam que Lula escapará de ser considerado inelegível – no mais tardar, na deliberação em segunda instância pelo TRF. Enquanto isso, o partido elabora (e desmente) seus planos B,C, D etc., no que se avizinha como seu maior desafio: sobreviver à desintegração política de seu líder.

A condição de Lula como estrela solitária do PT resulta de seu próprio estilo ao longo dessas quase quatro décadas: amálgama a manter unidas as facções petistas, Lula nunca facilitou a emergência de líderes nacionais que pudessem fazer sombra a ele. Por outro lado, a sucessão de escândalos de corrupção abateu diversos herdeiros potenciais da liderança lulista, abrindo uma fissura geracional no partido.

Sem Lula, resta ao PT compor com forças de centro (Ciro Gomes), oferecendo nomes como Jaques Wagner ou Fernando Haddad na condição de cabeça ou vice. A boa notícia para os petistas é que se desenha um cenário de fragmentação na centro-direita (hoje favorita): uma disputa fratricida no PSDB e projetos pessoais de Meirelles, Bolsonaro, entre outros. Se a essa fragmentação somarmos a capilaridade do PT, a identificação de parcelas do eleitorado, e a condição de principal opositor de um governo impopular, abre-se um panorama de competitividade para qualquer candidato petista.

No outro front, o PSDB se angustia em torno de suas indecisões e de um problema de timing. Se Lula for derrubado, um candidato de perfil conciliador (Alckmin) desponta como melhor nome; se Lula sobreviver, será um candidato competitivo em uma eleição polarizada, empurrando os tucanos para uma retórica anti-PT mais inflamada (Doria). Porém, a decisão judicial sobre Lula provavelmente será posterior à definição do candidato tucano, e o PSDB terá de movimentar suas peças um tanto às cegas. De qualquer modo, tudo passará pelos magistrados antes da decisão dos eleitores nas urnas – algo pouco alvissareiro para qualquer democracia.

 

 

 

Petista encara Moro pela 2ª vez; mobilização de aliados é menor

Ex-presidente, que deve ir de carro a Curitiba, presta depoimento em ação que apura recursos ilícitos da Odebrecht
Por: Elisa Clavery / Ricardo Galhardo

 

Elisa Clavery

Ricardo Galhardo

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai prestar hoje, em Curitiba, o segundo depoimento a Sérgio Moro em uma situação diferente da que enfrentou em maio, quando esteve pela primeira vez frente a frente com o juiz responsável pela Lava Jato na primeira instância. A amplitude da mobilização em apoio ao petista será menor.

A exemplo do primeiro depoimento, o PT e movimentos alinhados a Lula marcaram um ato para a tarde de hoje, agora na Praça Generoso Marques, no centro de Curitiba. Porém, até mesmo aliados do petista estimam um número muito menor de participantes.

Além disso, a escassez de recursos do PT é evidente. O próprio Lula deve abrir mão de viajar de jatinho e deve ir de carro até Curitiba. O motivo alegado é a falta de dinheiro. No dia 11 de maio, quando enfrentou Moro pela primeira vez, Lula foi à capital paranaense no avião do ex-ministro Walfrido Mares Guia.

Segundo o ex-ministro Gilberto Carvalho, um dos mais próximos auxiliares de Lula, a convocação foi restringida aos Estados da Região Sul por uma questão estratégica. A ordem agora, vinda do próprio Lula, é dar prioridade à agenda política, cujo principal vetor são as caravanas que o petista está realizando pelo País, em detrimento da agenda jurídica.

Por isso, o PT e seus aliados decidiram priorizar o uso dos recursos disponíveis para grandes mobilizações na caravana de Lula por Minas, que deve começar no fim de outubro.

A Secretaria de Segurança Pública do Paraná afirmou que o efetivo do esquema de segurança para o segundo depoimento do petista será menor do que o de maio, quando foram mobilizados 3 mil agentes. Na ocasião, entidades de apoio ao ex-presidente calcularam em 30 mil os manifestantes. Para hoje, a pasta espera 5 mil apoiadores de Lula.

 

Terreno. O depoimento, desta vez, faz parte da ação penal em que Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro supostamente por ter recebido recursos da Odebrecht para a compra de um terreno destinado a abrigar a sede do Instituto Lula em São Paulo e de um apartamento vizinho ao do petista em São Bernardo do Campo.

Quando esteve diante de Moro em Curitiba pela primeira vez, em maio, Lula prestou depoimento no caso do triplex do Guarujá. Posteriormente, o petista foi condenado naquela ação a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Carvalho considerou que o depoimento do ex-ministro Antonio Palocci pode ter influência na oitiva de hoje. O ex-homem forte do PT disse, também a Moro, que Lula fez um “pacto de sangue” com a empreiteira Odebrecht. “O Moro pode querer usar o depoimento do Palocci”, disse o ex-ministro.

 

Acusação. Ação penal apura se ex-presidente recebeu recursos de empreiteira para compra de terreno para o instituto Lula, em São Paulo

 

Maratona

O depoimento de Lula está marcado para começar às 14h. Em maio, a oitiva foi longa. O primeiro ‘embate’ entre o ex-presidente e o juiz da Lava Jato durou cerca de 5 horas.