O globo, n.30760 , 25/10/2017. ECONOMIA, p.21

REAJUSTE DE 42,8% NA BANDEIRA

MANOEL VENTURA

JOÃO SORIMA NETO

ANA PAULA MACHADO

GLAUCE CAVALCANT

I DANIELLE NOGUEIRA

 

 

 
 

 

Cota extra sobe a R$ 5, e governo estuda socorro a distribuidoras. Analistas esperam mais aumentos

Com a previsão de um rombo de R$ 6 bilhões das distribuidoras este ano e com reservatórios de hidrelétricas em patamares inferiores aos de 2001, ano do racionamento, o governo estuda socorrer o setor elétrico. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou ontem em São Paulo que estão em análise alternativas para ajudar as empresas, mas observou que as medidas não podem causar desequilíbrio no Orçamento. Uma primeira ação foi colocada em prática logo em seguida. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou um aumento de 42,8% no valor cobrado pela bandeira vermelha no patamar 2, a cota extra em vigor atualmente no país. Mas a previsão é que outras providências sejam tomadas. Mesmo assim, analistas preveem que a conta recaia sobre o consumidor, com novos reajustes em 2018 e uma frequência maior de cobrança da cota extra na conta de luz.

— Estamos estudando (ajuda) desde que não desequilibre o Orçamento — afirmou Meirelles, sem dar detalhes.

Entre as medidas que podem auxiliar as empresas, a Aneel avalia autorizar as distribuidoras a adiarem o pagamento pela energia às geradoras para o último dia do mês. Outra ação em análise é o repasse de recursos do fundo setorial Conta de Energia de Reserva, que está superavitário em cerca de R$ 1 bilhão. Nestes dois casos, não há custo extra para o consumidor.

 

PARA CARIOCA, ALTA DE 2,7% NA CONTA DE LUZ

Com a decisão de ontem da agência, a bandeira vermelha patamar 2, que foi acionada pela primeira vez em outubro, passa de R$ 3,50 para R$ 5. A previsão é que ela continue vigente em novembro. A proposta de reajuste da cota extra deveria valer a partir de 2018, mas foi antecipada para os dois últimos meses deste ano diante da situação dos reservatórios. A bandeira tarifária sinaliza ao consumidor que o custo de geração da energia subiu, o que ocorre quando é necessário acionar termelétricas.

Para o morador do Rio de Janeiro, a previsão é de um aumento de 2,7% na conta de luz. O cálculo leva em conta a média de consumo na cidade em setembro, de 257 kilowatts-hora, equivalentes a R$ 118. Nesse exemplo, a tarifa subiria a R$ 121,50.

João Carlos Mello, presidente da consultoria Thymos Energia, estima que o reajuste deve resultar em aumento médio de 2%a 3% no país:

— Está se tentando atenuar o problema, mas a situação é grave. Para o consumidor, ameniza o reajuste da conta em 2018. Sem a taxa extra, poderia ser bem mais alto.

Somente o preço da bandeira em vigor, que representa o custo mais elevado, subiu. A amarela foi reduzida de R$ 2 para R$ 1. A bandeira vermelha nível 1 continuará em R$ 3. Quando a bandeira verde está em vigor, não há taxa extra na conta de luz.

A situação hídrica neste ano é tão delicada, no entanto, que a bandeira tarifária não está dando conta de cobrir os custos adicionais decorrentes da geração por meio de termelétricas. O diretorgeral da Aneel, Romeu Rufino, disse que o déficit na conta das bandeiras é de R$ 1,7 bilhão hoje. Isso significa que o custo total de geração de energia não está sendo coberto nem pelas tarifas nem pelas bandeiras. Se não houvesse mudança no modelo, como foi feito ontem, a previsão era que esse rombo atingisse R$ 6 bilhões em dezembro. Segundo Rufino, o déficit pode ser revertido com a recalibragem das bandeiras.

— Colocamos em vigência a partir de novembro dada a situação severa dos reservatórios. Esperamos que venham chuvas, porque o sinal que se temos é que dificilmente sairemos da vermelha patamar dois em novembro. A situação hídrica é, de fato, crítica. Estamos indo para o quarto ano consecutivo de nível de armazenamento em baixa — disse o diretor-geral da Aneel.

A Aneel mudou também a forma como as bandeiras são acionadas. Até então, o modelo era muito sensível aos preços no curto prazo e à previsão de chuvas para as semanas seguintes. O problema é que, quando chove menos que o previsto, o sistema fica “descalibrado”, recolhendo menos que o necessário para bancar o custo das termelétricas mais caras. Além disso, envia ao consumidor um sinal errado sobre a situação do setor. Agora, a Aneel vai deixar o modelo de acionamento das bandeiras tarifárias mais suscetível ao nível dos reservatórios — o que leva o governo a acionar mais termelétricas.

Como os reservatórios estão em baixa, a tendência é haver mais bandeiras vermelhas nos próximos meses. Até agosto, por exemplo, a bandeira ficou vermelha três vezes. Se o novo modelo de acionamento estivesse em vigor, seriam cinco vermelhas — e três vezes no segundo patamar. O diretor-geral da Aneel afirma que as mudanças aprovadas pelo órgão regulador vão permitir que o sistema seja mais estável e menos volátil.

Antes do anúncio da Aneel, o ministro da Fazenda comentou a possibilidade de reajuste:

— O importante é que o aumento de preços reflita a realidade. Não podemos criar distorções insustentáveis na economia. O que temos de fazer é trabalhar para baixar os custos, e é essa agenda de reformas de produtividade que temos, a chamada agenda de reformas microeconômicas. Visa exatamente a baixar os custos de produção e de geração.

Meirelles disse, ainda, que o aumento da bandeira pode ajudar a trazer a inflação para o piso da meta. Hoje, o IPCA, índice oficial, acumula alta de 2,54% em 12 meses até setembro. O piso da meta de inflação do ano é 3%.

Para o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, a decisão da Aneel foi positiva, mas as concessionárias continuarão com custos maiores que a arrecadação:

— A decisão foi muito importante porque ameniza a situação de descompasso de caixa. Mas outras medidas terão de ser tomadas. Estamos vivendo uma situação hidrológica complicada. Para mitigar esse custo, é necessário que haja arrecadação maior por parte das distribuidoras.

 

‘A SAÍDA É INIBIR O CONSUMO’, DIZ PINGUELLI

Segundo Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ, chegou a ser discutida no setor a criação de um novo patamar de bandeira tarifária, ainda mais alto.

— Acredito que entrará na consulta pública a criação de uma bandeira preta, acima da atual vermelha patamar 2, com uma proposta de aumentar ainda mais a cobrança da taxa extra.

Para Roberto D’Araujo, diretor do Instituto Ilumina, a situação atual pode causar maiores reajustes em 2018, e a taxa extra pode se tornar estrutural:

— O que estamos pagando hoje não chega a um quarto do que já se pagou em combustível para as termelétricas pelas distribuidoras.

A gerente de projetos da consultoria PSR, Paula Valenzuela, não descarta a hipótese de o governo se ver obrigado a reeditar a medida adotada em 2013 e 2014, um aporte bilionário do Tesouro seguido de empréstimo de um pool de bancos às distribuidoras. Na época, o consumidor acabou arcando com encargos na conta de luz:

— O pano de fundo é semelhante ao daquela época, com aumento dos custos variáveis das distribuidoras devido à elevação do risco hidrológico e dos custos com as termelétricas.

Dirigentes das distribuidoras, porém, têm dúvidas quanto à viabilidade da operação.

Luiz Pinguelli Rosa, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, lembra que a crise, até aqui, atenuou o agravamento da situação dos reservatórios e de alta do custo da geração:

— Com a demanda reprimida, o consumo caiu. A indústria reduziu a utilização. O patamar vinha cômodo. Agora, a saída é inibir o consumo. Mas é um reajuste muito forte.