Correio braziliense, n. 19839, 16/09/2017. Política, p. 2.

 

Força da acusação nas mãos do Supremo

Paulo de Tarso Lyra e Natália Lambert

16/09/2017

 

 

O veredito a ser dado pelo Supremo Tribunal Federal na próxima quarta-feira será fundamental para definir a força da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer. Os 11 ministros da Suprema Corte decidirão sobre a validade das provas obtidas a partir das delações dos executivos Joesley Batista e Ricardo Saud, do grupo J&F, que embasam as acusações de obstrução de Justiça contra o presidente. Segundo apurou o Correio, as chances de os ministros anularem as provas são próximas de zero.

De acordo com especialistas, os ministros serão cautelosos para evitar que se crie uma jurisprudência que colocaria em risco outras investigações da Operação Lava-Jato. “Pode apostar que, no mínimo, seis votos garantirão a legalidade das provas. Neste momento, as instituições não aguentariam esse desgaste. Nem o Supremo nem a Procuradoria-Geral da República. Essas revelações do áudio entre o Joesley e o Saud foram muito desmoralizantes. Eles capturaram dois procuradores para o crime. Vinham muito bem e terminaram dessa forma. Uma pena”, lamenta um advogado constitucionalista que prefere não se identificar.

A defesa de Temer sustenta a tese do direito americano do “fruto da árvore envenenada”, segundo a qual, caso algum dos elementos da denúncia seja considerado ilegal, todo o conjunto probatório teria de ser desconsiderado. Os advogados alegam ainda que o próprio Janot pediu a rescisão do acordo de delação após a descoberta de um áudio no qual Joesley e Saud admitem a ocultação de provas e a suposta participação do ex-procurador Marcelo Miller nas tratativas. A delação dos executivos da J&F é a peça principal que sustenta a acusação por obstrução de Justiça. A denúncia de organização criminosa apresentada contra o peemedebista ampara-se no inquérito da Polícia Federal sobre o PMDB da Câmara e na delação do doleiro Lúcio Funaro.

Na opinião do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, a denúncia por formação de quadrilha está  resguardada por estar baseada em um apanhado de delações, provas e apurações que indicariam os ilícitos de Michel Temer na cúpula peemedebista. Em relação à acusação por obstrução de Justiça, a depender da decisão do Supremo, o procurador acredita que parte dela pode ser retirada. “O que pode acontecer é que algumas provas, como o áudio entre o Temer e o Joesley, sejam retiradas da denúncia sob o argumento de que tenha havido orientação de um membro do MP. Entretanto, ela não está baseada somente no áudio do Joesley. Há ações controladas feitas a partir da delação do Funaro”, afirma Robalinho.

 

 

Despedida

Em outra frente de estratégia da defesa, os advogados Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e Jorge Urbani Salomão pedem ao ministro Edson Fachin que devolva imediatamente a denúncia feita por Janot. Eles alegam que o procurador incluiu “fatos delituosos” anteriores ao mandato de Temer, “razão pela qual o chefe da Nação não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

Em seu último dia útil como procurador-geral da República, Janot, que completou 61 anos ontem, foi homenageado pelos servidores da PGR e recebeu de índios da etnia xocó um arco e flecha, em referência à metáfora dita por ele no combate à corrupção. Janot foi aplaudido por cerca de 400 procuradores e servidores. Compareceram à cerimônia os ex-procuradores-gerais Cláudio Fonteles, Aristides Junqueira e Sepúlveda Pertence. Chamou a atenção a ausência de Raquel Dodge, sua sucessora na PGR, que assume o posto na segunda-feira.

 

Os próximos passos

O que o Supremo Tribunal Federal precisa definir na acusação feita por Rodrigo Janot contra Michel Temer por organização criminosa e obstrução de Justiça:

 

» O STF se reunirá na próxima quarta-feira para decidir a validade ou não das provas obtidas a partir do acordo de delação premiada dos executivos da J&F.

 

O que diz a defesa

» Duas hipóteses são levantadas. A primeira é baseada na teoria dos frutos da árvore envenenada. De acordo com a defesa do presidente Michel Temer, se uma prova tiver sido obtida de maneira ilegal, todas as outras subsequentes estariam comprometidas. O fato de haver a suspeita de um agente de estado na participação da produção de provas também comprometeria a legalidade delas. Uma ação controlada só pode ser feita com a autorização do STF.

 

Como se defende o Ministério Público Federal

» De acordo com a Lei nº 12.850, que trata das delações premiadas, existem cláusulas que preveem a rescisão dos benefícios sem que as provas sejam invalidadas. A informação também consta do acordo assinado entre as partes. O procurador-geral, Rodrigo Janot, já pediu ao Supremo que o acordo de colaboração seja rescindido e as provas, mantidas.

» Caso o Supremo mantenha a validade das provas, a denúncia será encaminhada na íntegra à Câmara.

» Por outro lado, se o STF entender que as partes baseadas na delação da JBS e no áudio gravado por Joesley Batista durante encontro com o presidente Michel Temer são ilegais, a denúncia terá de ser revisada e tudo o que envolver as informações, retirado.

» Entretanto, a denúncia que tem como base a colaboração da JBS é a de obstrução de Justiça. A que trata de organização criminosa permaneceria íntegra para seguir à Câmara.

 

Qual a diferença entre associação criminosa e organização criminosa?

» Associação criminosa é quando três ou mais pessoas se unem para o fim específico de cometer crimes comuns. Está descrito no Artigo 288 do Código Penal. É o antigo termo “formação de quadrilha”. A pena vai de 1 a 3 anos de reclusão. Já organização criminosa, de acordo com a Lei nº 12.850/13, é considerada a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.