Correio braziliense, n. 19840, 17/09/2017. Política, p. 2.

 

Turbulência no fim do mandato

Natália Lambert e Paulo de Tarso Lyra

17/09/2017

 

 

Ao encerrar o mandato neste domingo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, esperava estar em uma situação mais confortável. Escolheu como prioridade da gestão o combate à corrupção e denunciou centenas de políticos brasileiros. Entretanto, ao direcionar flechas ao presidente Michel Temer, tornou-se o chefe do Ministério Público Federal mais questionado ao fim de um mandato desde o ex-procurador Geraldo Brindeiro, que esteve no cargo de 1995 a 2003, e ganhou a alcunha de “engavetador-geral da República”. Como principal marca, leva no currículo o fato de ter sido o primeiro a denunciar — duas vezes — um presidente da República no exercício do cargo.

Até pouco mais de 15 dias atrás, as críticas a Janot eram mais incisivas nos meios político e jurídico, especialmente, entre os denunciados na Operação Lava-Jato e seus advogados. Dentro do Ministério Público Federal (MPF) também havia grupos que questionavam métodos “centralizadores” do chefe, mas a enxurrada de questionamentos em relação à conduta de Janot veio após a divulgação do áudio que flagrou uma conversa entre os empresários Joesley Batista e Ricardo Saud. Em uma turbulência típica de inferno astral — as regras do zodíaco dão conta de que os 30 dias anteriores ao aniversário são absolutamente insuportáveis —, o procurador-geral, que completou 61 anos na última sexta-feira, se viu em uma teia armada pelos delatores do grupo J&F, que envolvia, inclusive, o ex-colega de instituição Marcelo Miller.

No último sábado, foi flagrado em um bar na companhia do advogado de Joesley Batista, Pierpaolo Bottini, no dia seguinte ao pedido de prisão do empresário. Os episódios serviram para que o núcleo político investigado, principalmente, o aliado ao presidente Michel Temer, passasse a questionar todas as investigações do MPF e as colaborações premiadas feitas até agora.

Na opinião do advogado constitucionalista Erick Wilson Pereira, faltou responsabilidade na gestão de Rodrigo Janot por causa da “pressa que ele teve em condenar”. “Toda condenação com pressa não chega ao elemento de Justiça, que é o mais próximo da verdade, que exige cautela e verificação do que está sendo dito. Deu-se muita importância ao que os delatores disseram e faltou um código de conduta ética de como se usar o instituto da colaboração”, comenta.

O coordenador dos cursos de direito do Ibmec-DF, Washington Barbosa, reclama que Janot acabou por se perder em muitas “picuinhas” com outros poderes. Além do Planalto, ele também se indispôs com a Polícia Federal no debate sobre quem pode organizar as delações premiadas. “Em Curitiba, existe uma atuação conjunta da PF, do MPF, da Justiça Federal e dos auditores da Receita Federal. Em Brasília, essa interação é bem menor.” Barbosa também lembra que, descontada a reta final do mandato de Janot, a gestão do procurador que deixa hoje o cargo foi marcada por muitas investigações, mas poucas denúncias efetivas. “Você teve as denúncias coletivas. Mas, efetivamente, poucas delas caminharam nos tribunais superiores”, lamentou o coordenador do Ibmec.

 

“Brilhantismo”

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, lembra que o ex-procurador Roberto Gurgel também foi muito questionado no cargo por causa das investigações do mensalão e que, o desgaste da reta final, não passa nem perto de apagar o “brilhantismo” da gestão de Janot. “É o cargo mais pesado do país, com exceção do presidente da República. O acúmulo de coisas é muito grande. Essa investigação não estava nos planos do Rodrigo. Ela chegou e ele a conduziu com profissionalismo e impessoalidade, honrando a liderança no MPF”, defende.

Opinião corroborada pelo procurador da República e secretário de relações institucionais da PGR, Peterson Pereira. “Ser o órgão da acusação da máxima representação política no país constitui-se em imensa responsabilidade. Com coragem, serenidade e equilíbrio, Janot conduziu a PGR na maior operação que revelou a simbiose entre público e particular. Sua gestão inaugurou uma nova etapa no sistema de Justiça e grava seu nome na história institucional do Brasil, honrando nossa órfã e desorientada cidadania.”