Correio braziliense, n. 19841, 18/09/2017. Opinião, p. 9.

 

Janot x Temer. Gosta ou não gosta?

Fábio P. Doyle

18/09/2017

 

 

Rodrigo Janot gosta ou não gosta de Michel Temer? A pergunta que se faz é essa, simples, direta. A resposta praticamente unânime dos que acompanham as confusões político-judiciárias dos últimos dias, ou meses, é a de que ele não gosta, e desgosta. Se não gosta, é obvio, não teria isenção para atuar e mover processos que envolvam a pessoa do presidente da República. Opinião confirmada pelo açodamento, pela obsessão, pela insistência com que Janot procura indiciar e denunciar Temer, o que resultaria em seu afastamento da Presidência. Indagação óbvia: por que tanta pressa se não é inimigo e se a denúncia vai paralisar o andamento das reformas imprescindíveis ao país?

Os ministros do Supremo Tribunal Federal não pensam assim, pelo menos em público, pois negaram, por unanimidade (o ministro Gilmar Mendes, já prevendo o resultado, não compareceu e não votou e, data venia, toda unanimidade não é burra?) o pedido de suspeição do PGR apresentado pelo advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira. Talvez motivados por companheirismo, Janot participa sempre das sessões da Corte e do lanche vespertino, ou por comodismo, ou para mostrar suposta independência diante do Executivo, eles votaram como os que conhecem o Supremo sabiam que votariam.

Enquanto os sobrejuízes, como sempre, lavam as mãos, a confusão lá fora continua. Ninguém, políticos, magistrados, procuradores, se entende. Cada um fala uma língua, um dialeto. Não conseguem se comunicar nem com os que estão ao lado. Muito menos com aqueles que, de longe, como curiosos observadores interessados, como nós outros, insistem em descobrir o significado das misteriosas falas truncadas e supostamente cifradas que usam.

Ministros supremos divergem e se agridem diante das câmeras de televisão, diante do país. Procuradores disparam flechadas (foi o que Janot disse quando a Câmara dos Deputados rejeitou a denúncia contra Temer) contra alvos inusitados, buscando atingir desafetos e amigos de desafetos. Advogados dão cabeçadas entre si mesmos, de olho no ouro escondido pelos endinheirados e desarvorados corruptos de sempre. Policiais federais não quiseram ficar fora da dança selvagem e mandaram mensagens absurdas com ameaças surrealistas aos superiores, lidas ao vivo, com espanto, por jornalistas e comentaristas televisivos, que também buscam encontrar um tradutor para o que desejam dizer ao mudo e ao perplexo telespectador cansado e descrente de tudo.

O que os possíveis leitores pacientes acabam de ler foi elaborado no estilo cifrado que o autor acaba de criticar. A doença pega. E se propaga rápido. Desculpem, mas o que fazer? Leiam os jornais, liguem seus rádios, suas televisões. Criaram dois monstros arrogantes, que provocam o caos em lugar de apenas fazer cumprir as normas legais que envolvem corruptos, corruptores, delatores e delatados, bandidos de colarinho o qual tentam, sem sucesso, manter branco. A sujeira em que todos se meteram desafia lavanderias a jato.

Que confusão dos diabos. Ex-açougueiros jecas e semialfabetizados, bandoleiros do asfalto transformados em industriais da roubalheira sistêmica, compram os que se vendem e que precisam comprar; enriquecem com empréstimos bilionários autorizados por governantes devidamente propinados; contratam um especialista, eticamente impedido, em delativas premiadas (e como são premiadas!); cumprem disciplinados o roteiro elaborado pelo promotor-mentor, gravando ingênuos desavisados. Ao fim, reúnem toda a tralha conseguida nos desvãos do poder e entregam o produto falsificado ao chefe do especialista contratado. E do chefão maior e de um ministro menor pelo descuido de neófito ganham benesses garantidoras de impunidade para todo o sempre. Agora se percebe que nem todo nem sempre, por motivos que envolvem bebedeira e honestos gravadores. Maquininhas que resolveram dar o devido troco aos que as manipularam com má-fé criminosa, desmoralizando-os e os da PGR e do STF que homologaram as fitas fajutas montadas, esburacadas e editadas ao gosto do freguês acanalhado.

Tudo gira e se modifica rápido no mundo da agitação lavadeira, como convém a quem adota o jato como sistema de limpar sujeira. O que acontece agora, e causa espanto e revolta, será suplantado dentro de minutos, de horas, por algo mais grave, mais revoltante. Para tornar a coisa pior, Janot agilizou e utilizou o que conseguiu carregar na mochila de maldades, sempre com o compadrio de supremos afoitos. Afinal, Rachel Dodge está chegando para botar a casa em ordem e em segurança. E, imprudente, o ministro da Justiça revela possível e próxima mudança na chefia da Polícia Federal, provocando alvoroço no gabinete diretor da corporação e, como suposta retaliação, o encaminhamento à dita açodada PGR de inquéritos ainda inconclusos, contra o presidente.

Ao fim e ao cabo, o que todos esperamos é que surja, lá no fim do túnel escuro, a alvorada luminosa de um novo tempo, de um novo país, de uma nova geração de homens públicos mais austera, mais patriota, menos gananciosa. A chance de mudança para melhor começou a acontecer, nunca se deve esquecer isso, com um correto, isento, competente, cauteloso, nunca açodado Sérgio Moro, juiz federal lá na Curitiba que ficou mais famosa e respeitada ainda graças a ele.

Certo que houve antes, anunciando o suposto fim da impunidade, o mensalão federal, com o ministro Joaquim Barbosa, e o mineiro, que não deu em nada, como todos sabiam que ia acontecer, no sentido de moralização. Mas, sem Moro, sem o MP do Paraná, sem a Polícia Federal ponderada e bem preparada daquele estado, nada do que está acontecendo teria acontecido.

(...)

 

FÁBIO P. DOYLE

Jornalista e membro da Academia Mineira de Letras