Correio braziliense, n. 20008, 02/03/2018. Mundo, p. 15

 

Maduro remarca a eleição

 
Em acordo com uma parte da oposição, o poder eleitoral venezuelano adia de 22 de abril para 20 de maio a escolha do próximo presidente. Coalizão antichavista mantém o boicote e decide não inscrever candidatos

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela decidiu adiar, de 22 de abril para 20 de maio, a eleição presidencial, originalmente prevista para o fim do ano e antecipada sob protestos da oposição. A mudança de data faz parte de um Acordo de Garantias Eleitorais firmado ontem entre os aliados do presidente Nicolás Maduro, do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV, chavista) e o candidato Henri Falcón, da Avançada Progressista (AP), apoiado também pelo Movimento ao Socialismo (MAS) e pela tradicional legenda democrata-cristã Copei.

“Os acordos assinados com a oposição me alegram muito, porque quero ir a um processo de reconciliação”, tuítou o presidente, candidato à reeleição. “Fica ratificado que nossos líderes são escolhidos com as garantias constitucionais e democráticas mais amplas”, disse a presidente do CNE, Tibisay Lucena.

A alteração da data da eleição presidencial foi anunciada um dia depois de Falcón, ex-governador do estado de Lara e presidente da AP, lançar sua candidatura. Militar reformado de 56 anos, ele contrariou a decisão da coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD), da qual faz parte, de boicotar o pleito, por falta de garantias e de transparência. Para a MUD, ao registrar a candidatura, Falcón acaba por legitimar o processo eleitoral.

Pouco antes do anúncio do CNE, a coalizão antichavista, imersa na crise mais profunda vivida desde a formação do bloco, em 2008, pediu a Falcón para reconsiderar a participação nas eleições e acusou-o de “fazer o jogo” de Maduro em sua “aspiração totalitária”. Nos últimos dias, em apoio à MUD, governos da América Latina, a União Europeia e os Estados Unidos rechaçaram as eleições de abril e exigiram o adiamento e a inclusão de garantias para a oposição. Do contrário, sinalizam que não reconhecerão o processo.

Falcón havia revelado, anteriormente, negociações privadas entre o governo e alguns opositores sobre a data e as condições para as eleições. Sua candidatura desatou fortes críticas dos que afirmam que ele colabora com o governo para legitimar a provável reeleição de Maduro. O prazo de inscrição de candidatos se encerrou ontem. Além do presidente e de Falcón, estão registrados quatro nomes praticamente desconhecidos.

 

“Montagem”

“Querem dar uma aparência de legitimidade a essa votação, especialmente perante a comunidade internacional”, avalia a cientista política Francine Jácome. “Fica comprovado que fabricaram um candidato de oposição sob medida”, acrescentou. “Estão avalizando uma eleição feita sob medida para Maduro. Continuam sendo eleições sem a oposição competitiva, isso não muda. É uma montagem para que pareçam eleições democráticas”, reforça o cientista político Luis Salamanca.

Uma pesquisa do Instituto de Análise de Dados mostrou Falcón tem 24% das intenções de votos, contra 18% de Maduro, cujo governo tem 75% de rejeição, em função da crise econômica. Mas analistas consideram praticamente impossível se derrotar o maquinário e o controle social e institucional do governo.

O acordo anunciado ontem prevê que seja proposta ao secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, a formação de uma delegação para acompanhamento e ampla observação de todas as fases do processo eleitoral, bem como a participação de outras instâncias e organizações internacionais. “Estamos em um ato de ratificação do espírito democrático, assinando (o acordo) com a oposição que decidiu participar (da eleição), como se faz em uma democracia”, disse o chefe de campanha de Maduro, Jorge Rodríguez.

 

Frase

"Estão avalizando uma eleição feita sob medida para Maduro. É uma montagem para que pareçam eleições democráticas”

Luis Salamanca, cientista político venezuelano