Título: Vizinhos em guarda
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 11/02/2012, Mundo, p. 26

Atentados com carro-bomba na segunda maior cidade da Síria deixam 28 mortos e colocam o país na antessala da guerra civil. Regime e oposição trocam acusações e a escalada de violência ameaça ultrapassar as fronteiras

Um duplo atentado contra prédios do governo em Aleppo, cidade mais populosa e capital comercial da Síria, mostrou que a violência no país se aproxima cada vez mais de uma guerra civil declarada. Temido pelas nações vizinhas e pela comunidade internacional, pelas implicações potenciais, um conflito como esse ameaça ultrapassar as fronteiras e se transformar em uma crise abarcando todo o Oriente Médio. Um enfrentamento entre partidários e adversários do regime de Bashar Al-Assad, ocorrido ontem no Líbano, reforçou esse temor. Para o médico Mousab Azzawi, coordenador internacional do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), se algo do tipo ocorrer, o combate poderá se transformar em um conflito com consequências globais.

Aleppo, até então imune à escalada de violência, foi sacudida por duas explosões que, segundo a televisão estatal, deixaram 28 mortos e 175 feridos. Os alvos dos carros-bomba foram edifícios militares e policiais. Uma reportagem da agência de notícias EFE no Cairo dizia que o comandante do Exército Livre Sírio, coronel Riad Al-Assad, havia reivindicado os ataques, mas o grupo recuou mais tarde, dizendo que se referia a um episódio anterior, envolvendo armas leves. A oposição síria classificou as explosões como uma "encenação" do regime para tirar o foco de sua ofensiva contra a cidade de Homs.

O governo de Damasco acusou "grupos terroristas" de assassinar inocentes em Aleppo, segundo comunicado divulgado pela agência oficial Sana. O Ministério das Relações Exteriores sírio anunciou que encaminharia uma carta-denúncia sobre os atentados às Nações Unidas, à Organização de Cooperação Islâmica, à Liga Árabe e ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

O último cenário na Síria reforçou os temores de que a violência recrudesça em todo o território, a despeito das tentativas do governo de sufocar e reprimir a revolta. "Se a comunidade internacional falhar em tomar a decisão correta, a Síria estará aberta para a guerra civil", afirmou ao Correio Azzawi, médico sírio que vive em Londres, onde fica a sede do OSDH. Para ele, o conflito poderá se espalhar rapidamente para a Jordânia, a Arábia Saudita e o Iraque, entre outros vizinhos, graças aos laços entre as populações desses países.

O médico opinou ainda que, se a situação criar uma instabilidade nos países exportadores de petróleo, isso poderá agravar a crise econômica global. "Se houver guerra, milhares (de cidadãos de nações próximas) virão para a Síria. Não será mais uma questão nacional", ponderou.

O potencial de contágio do conflito foi demonstrado ontem em Trípoli, no norte do Líbano, onde grupos armados de simpatizantes e antagonista de Al-Assad trocaram tiros. A cidade tem população de maioria muçulmana sunita, a mesma confissão religiosa da oposição síria. O regime de Damasco é dominado pela minoria alauíta, uma seita do islã xiita, que é majoritário no Líbano e se faz representar pelo Hezbollah, firme aliado do presidente sírio.

O especialista britânico em Oriente Médio Patrick Seale assinalou nesta semana, em artigo para a influente Agence Global, que a crise na Síria "deixou de ser uma questão interna há tempos". Seale cita como exemplo a última reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, há uma semana, para votar uma resolução condenando o regime. Contrariando a vontade das potências ocidentais e da Liga Árabe, Rússia e China vetaram o texto. "Moscou e Pequim mostraram que também têm interesses no Oriente Médio e estão determinados a protegê-los. A região não é mais um reduto do Ocidente, a serviço da hegemonia dos Estados Unidos e de seus aliados", escreveu.

Ainda ontem, sem mencionar os nomes dos países, a Rússia acusou o Ocidente de estar "abastecendo com armas" os rebeldes sírios. A denúncia foi feita pelo vice-chanceler Sergey Ryabkov, segundo o qual os aliados de Washington estão "fomentando os problemas" na Síria. Moscou tem sido frequentemente acusada de continuar a vender armas para o regime de Al-Assad.

França apoia ação militar Uma pesquisa divulgada ontem mostrou que uma apertada maioria dos franceses apoiaria uma intervenção militar na Síria, se autorizada pelas Nações Unidas. A porcentagem foi maior entre os cidadãos que apoiaram a operação pela qual a Otan ajudou a derrubar o ditador Muamar Kadafi, na Líbia, em 2011. Segundo a sondagem, realizada pelo instituto Ifop para o site Atlantico, 51% dos 1,2 mil entrevistados disseram ser favoráveis a uma ação internacional contra Bashar Al-Assad. O apoio foi maior (59%) entre os simpatizantes da oposição socialista do que entre os partidários do presidente Nicolas Sarkozy (56%).

Sensibilidade premiada

O fotógrafo espanhol Samuel Aranda, do jornal norte-americano The New York Times, venceu ontem a 55ª edição do prêmio World Press Photo na categoria "People in News". A foto de sua autoria mostra uma mulher consolando um parente ferido, dentro de uma mesquita improvisada como hospital.

O registro da imagem foi feito em 15 de outubro de 2011, em Sanaa, capital do Iêmen. "A foto vencedora retrata um momento de compaixão, a consequência humana de um evento enorme e que ainda está acontecendo", afirmou à agência de notícias Reuters Aidan Sullivan, integrante do júri, ao referir-se à Primavera Árabe, o levante pró-democracia que atinge vários países.

O homem da foto foi ferido durante uma batalha contra o regime do ditador Ali Abdullah Saleh, deposto em 22 de janeiro deste ano. O World Press Photo elege a melhor foto publicada pela imprensa mundial a cada ano. Em 2011, mais de 100 mil imagens foram inscritas.