Correio braziliense, n. 19843, 20/09/2017. Política, p. 4.
Denúncia frustra os planos do governo
Paulo de Tarso Lyra e Natalia Lambert
20/09/2017
A provável decisão do Supremo Tribunal Federal de encaminhar hoje diretamente à Câmara a denúncia contra o presidente Michel Temer por organização criminosa e obstrução de Justiça, e deixar para depois a análise da validade das provas da delação da J&F pode prejudicar a estratégia do Planalto de acelerar a agenda econômica na Câmara. A ideia do governo é ganhar tempo, se possível, até com o reenvio da denúncia para nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para pautar o primeiro turno da reforma da Previdência.
No início da noite de ontem, o relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, respondeu ao questionamento feito pela defesa de Temer que pediu, na sexta, que a denúncia fosse devolvida à procuradora Raquel Dodge, antes de debater a validade ou não das provas obtidas a partir da delação da J&F. Em seu despacho, Fachin afirmou que o debate já se iniciou e que, por isso, não haveria razão para se debruçar sobre o pedido da defesa do peemedebista neste momento.
Com os planos frustrados, os esforços do governo devem se voltar agora para derrubar a denúncia. O primeiro foco de atenção será pressionar pela escolha de um relator com perfil técnico na Comissão de Constituição e Justiça. Os governistas não acreditam que será necessário promover substituições no colegiado, uma vez que a atual composição já é favorável a Temer.
O governo também comemorou as declarações do deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, que reapareceu ontem na Câmara. “Sempre defendi que todo cidadão brasileiro, quando sofre uma acusação, deve ter o benefício da dúvida e o amplo direito de defesa. E é isso que espero do Judiciário brasileiro: que dê a ele o amplo direito de defesa, que será manifestado nos autos”, disse Lúcio. A interpretação do governo é de que Geddel, ao menos por enquanto, não fará delação premiada.
A tendência é de que a maioria dos ministros defina hoje que não farão nada antes de a Câmara definir se autoriza ou rejeita o processo contra o presidente Michel Temer por organização criminosa e obstrução de Justiça. Caso isso aconteça, repetiria a decisão adotada pela mesma corte em relação à primeira denúncia contra o peemedebista por corrupção passiva, em agosto.
Acusação
Na quarta-feira passada, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, encerrou a sessão após o plenário decidir por 9 a 0 manter Edson Fachin como relator do processo envolvendo a JBS. Alegando o adiantado da hora, ela adiou para esta semana o debate sobre a validade das provas decorrentes da delação dos empresários Joesley Batista e Ricardo Saud, já que o próprio Rodrigo Janot, na época ainda chefe do Ministério Público Federal, decidiu pela rescisão do acordo de delação com os empresários.
No dia seguinte, Janot apresentou a denúncia por organização criminosa e obstrução de Justiça contra o presidente. Parte da acusação está amparada na delação da JBS, o que alterou complemente o cenário. Com isso, na visão de assessores do STF, Fachin terá de questionar primeiro se a Corte poderá se debruçar sobre algum ponto da denúncia antes do posicionamento da Câmara. “É claro que o plenário pode reverter a decisão anterior. Mas isso seria reescrever a Constituição, que deixa claro a competência da Câmara e do Supremo nos casos de denúncia contra o presidente da República”, alertou um especialista que trabalha no STF.
Mesmo que a Câmara negue a autorização para o Supremo julgar o presidente Michel Temer, todos os demais denunciados pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot terão o andamento dos respectivos processos mantidos, incluindo os ministros da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, e da Casa Civil, Eliseu Padilha. Apenas a acusação contra Temer fica congelada até 1º de janeiro de 2019, quando ele deixará o Planalto.
No caso dos ministros, a análise será feita pelas turmas do STF. Os demais citados — Eduardo Cunha, Lúcio Funaro, Rodrigo Rocha Loures, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves, além dos irmãos Wesley e Joesley Batista — terão os processos encaminhados para a primeira instância.