Correio braziliense, n. 19844, 21/09/2017. Política, p. 2.

 

Perdido no STF, Temer negocia na Câmara

Paulo de Tarso Lyra

21/09/2017

 

 

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal entendeu que a denúncia por obstrução de Justiça contra o presidente Michel Temer tem de ser encaminhada à Câmara. O julgamento foi interrompido e será concluído na tarde de hoje. Mas o placar mais do que simbólico — 7 a 1 contra Temer — fez estrago no otimismo dos governistas. No Congresso, integrantes da base aliada admitiam que a denúncia seria encaminhada, mas achavam que conseguiram, ao menos, 4 votos a favor. A partir de agora, os governistas vão tentar emplacar um nome aliado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a primeira etapa da denúncia no Legislativo, e tentar acelerar a tramitação para não prejudicar a agenda econômica.

Por enquanto, apenas o ministro Gilmar Mendes alinhou-se à tese da defesa de Temer, que nega todas as acusações. Restam ainda os votos do decano Celso de Melo, do ministro Marco Aurélio Melo e da presidente do STF, Cármen Lúcia. Em um determinado momento, havia divergência quanto ao posicionamento de Dias Toffoli, mas o gabinete confirmou que ele acompanhara o voto do relator Edson Fachin.

Além de Toffoli e Fachin, votaram pelo envio imediato da denúncia para os deputados os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Ricardo Lewandovski. Fachin, relator do processo, foi claro ao afirmar que a Constituição delega à Câmara o direito de fazer a análise política do processo e que, antes disso, não há como o STF se pronunciar sobre qualquer questão.

Mesmo assim, expôs a opinião sobre outro ponto que ainda virá a ser discutido: a validade das provas decorrentes da delação da JBS. “Precisamos avaliar sobre a possibilidade de revisão total ou parcial de provas. A revisão da delação, nesse caso, terá efeitos apenas sobre as partes, não sobre terceiros”, defendeu.

Esse foi o primeiro momento de embate acalorado no plenário. Novato na Corte, o ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator, mas lembrou que essa denúncia tem dois fatos inusitados. O primeiro é que, antes de ela ser encaminhada, o antigo procurador Rodrigo Janot abriu uma investigação contra um ex-procurador que participara da delação — Marcelo Miller — e, posteriormente, o próprio Janot pediu a revisão do acordo com os empresários da JBS.

 

“Sem controle”

“Talvez tenhamos que revisitar o tema da investigação do MP ou que essa parceria seja melhor definida”, defendeu Gilmar. “As investigações do MP estão sendo feitas à margem de qualquer controle constitucional”, atacou o ministro Ricardo Lewandovski. Para tentar evitar debates eternos, Cármen Lúcia cortou o assunto, dizendo que aquele ponto não estava em debate agora. “Teremos um encontro marcado com isso”, destacou ela.

Barroso fez questão de enumerar os diversos pontos da denúncia e transferir para a Câmara a missão de abrir a investigação. “Cabe à Câmara decidir se cabe ou não a denúncia de que dirigentes de partidos políticos indicavam diretores para desviar dinheiro de esquemas criminosos; que CPIs eram instauradas para extorquir dinheiro; que parlamentares vendiam emendas em MPs e leis ordinárias; que um ex-ministro deixou R$ 51 milhões em um apartamento”, enumerou Barroso.

O voto de Toffoli gerou divergências, porque ele questionou que diversos crimes imputados a Temer teriam sido cometidos antes do mandato e que, dessa forma, em vez de encaminhar a denúncia para a Câmara, Fachin poderia tê-la rejeitado por ausência de justa causa. Mesmo assim, acabou acompanhando o relator.

O único voto divergente — e, por coincidência, o mais longo — foi de Gilmar Mendes. Além de repetir que os supostos crimes teriam sido cometidos antes do mandato de Temer, ele foi muito duro com o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o ex-procurador Marcelo Miller. “Já se falava da atuação exótica do procurador (Marcelo Miller). Aquilo que se falava à boca pequena e à boca grande se confirmou: a participação do procurador dos dois lados do balcão”, criticou Gilmar Mendes.

O ministro disse que, no Itamaraty, Miller era conhecido como Massaranduba (o personagem violento do Casseta & Planeta) pela grosseria com que tratava os delatores. E disse que Deus é brasileiro por ter ajudado a desvendar as falcatruas dos executivos da JBS no processo de delação. “Os bandidos confessaram a bandidagem em um ato jurídico de se autogravarem”, ironizou.