O Estado de São Paulo, n. 45261, 18/09/2017. Política, p.A4

 

 

Em posse de Raquel, Temer pedirá harmonia a Poderes

Transição. Em solenidade de transmissão de cargo de procurador-geral da República, presidente não deverá fazer citações a Janot, que o denunciou ao Supremo por três crimes

Por: Tânia Monteiro / Thiago Faria

 

Tânia Monteiro

Thiago Faria / BRASÍLIA

 

Em guerra declarada com o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o presidente Michel Temer vai adotar um tom conciliador e defender a independência e maior harmonia entre os Poderes no discurso que fará hoje na posse de Raquel Dodge. Ela é a primeira mulher a assumir a Procuradoria-Geral da República (PGR), o que também será destacado na fala do presidente. A expectativa é de que Temer não faça menção a Janot em seu breve discurso na cerimônia, marcada para as 8 horas, na sede da instituição.

Em seguida, o presidente embarca para os Estados Unidos, onde participa da Assembleia-Geral da ONU. Alvo de duas denúncias e um inquérito apresentados na gestão de Janot, o presidente pretende chamar a atenção para a participação feminina no comando de órgãos ligados ao Judiciário – além de Raquel no Ministério Público Federal, Cármen Lúcia no Supremo Tribunal Federal (STF) e Laurita Vaz no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Outro desafeto do ex-PGR, o ministro Gilmar Mendes, do STF, também tem presença confirmada na cerimônia de hoje. Há dez dias, o ministro chegou a dizer que Janot foi o procurador-geral “mais desqualificado da história”.

Janot deixa o cargo após enfrentar o seu pior momento – em suas próprias palavras – na

reta final do mandato. O ex-procurador rescindiu na semana passada o acordo de colaboração premiada com executivos do Grupo J&F após suspeitas de “jogo duplo” de um de seus auxiliares, o ex-procurador Marcello Miller, que teria orientado a delação. O desfecho do acordo, o mais bombástico da gestão de Janot tanto pelos benefícios aos delatores como por acusar diretamente o presidente da República, abriu brecha para uma série de críticas ao exprocurador-geral.

 

Mudanças. A nova procuradora-geral toma posse com a expectativa de ter uma atuação mais discreta e menos midiática do que seu antecessor, e sob incertezas do rumo que pretende dar à Operação Lava Jato.

A nova chefe do Ministério Público Federal já sinalizou que mudará a equipe e terá como um dos focos evitar vazamentos de informações dos processos – outro motivo de crítica recorrente a Janot. Na tarde de anteontem, dois procuradores que atuam na Operação Lava Jato foram avisados de que serão dispensados em 30 dias das funções.

O procurador José Alfredo de Paula Silva, coordenador do grupo de trabalho da Lava Jato na gestão de Raquel, avisou a Rodrigo Telles e Fernando Antonio de Alencar que serão dispensados da equipe. Ambos haviam manifestado vontade de permanecer no grupo de trabalho.

Raquel também já sinalizou que quer dar atenção a outras áreas, não só à Lava Jato. Exemplo disso é que seu vice, Luciano Mariz Maia, tem uma atuação voltada para questões de direitos indígenas. Ele é coordenador da Câmara de Coordenação e Revisão de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, tendo sido por quatro anos procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto. Raquel também pretende incluir mais mulheres em sua equipe.

Entre políticos que passaram a ser investigados durante a gestão de Janot, a expectativa em relação a Raquel é de que ela conduza os trabalhos de forma bem diferente de seu antecessor. “É uma mudança completa de postura, de uma pessoa que, espero, vá cumprir o seu dever. Não queremos o perfil de um procurador que tira foto ao lado de um cartaz dizendo que ele é a salvação do Brasil”, afirmou ao Estado o senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do seu partido, um dos mais envolvidos em suspeitas na Lava Jato .

 

Saída. Janot não participará da solenidade. Na sexta-feira, em seu último dia útil como procurador-geral, ele se despediu do cargo em uma cerimônia interna com apenas servidores. Janot fez um balanço da gestão e ganhou de presente um arco e flecha, enviado pela tribo Xokó, de Sergipe. O presente foi uma alusão à frase “enquanto houver bambu, lá vai flecha”, dita por ele na reta final de seu mandato logo após apresentar a primeira denúncia contra Temer por corrupção passiva. / COLABORARAM JULIA AFFONSO e BEATRIZ BULLA

 

Estilo. Raquel toma posse com a expectativa de ter uma atuação mais discreta e menos midiática do que antecessor

 

 

QUEM É

Raquel Elias Dodge, procuradora-geral da República

✱ Membro do Ministério Público Federal desde 1987, Raquel Dodge, de 56 anos, é mestre em Direito pela Universidade Harvard e pela Universidade de Brasília. Nascida em Morrinhos (GO), atua desde 2008 como subprocuradora no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em matéria criminal.

 

 

 

Políticos dizem esperar mais sobriedade e menos ativismo

Por: Thiago Faria

 

 

BRASÍLIA

 

Afinado às críticas sobre a atuação de Rodrigo Janot nos quatro anos em que esteve à frente da Procuradoria-Geral da República, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), afirmou ontem ser preciso “menos ativismo político dos agentes públicos”.

“(É preciso) mais equilíbrio institucional, mais diálogo e harmonia entre os Poderes. O País precisa é de tranquilidade para trabalhar, gerar empregos e distribuir renda”, disse o peemedebista.

Um dos últimos atos de Janot no cargo, há pouco mais de uma semana, foi denunciar o grupo político do PMDB do Senado por organização criminosa – o “quadrilhão” do PMDB do Senado. Eunício não foi incluído na denúncia, embora responda a outro inquérito relacionado à Lava Jato.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), líder da bancada petista no Senado e também alvo da Lava Jato, disse não esperar que as investigações sejam interrompidas, “mas que Raquel Dodge reconquiste a sobriedade necessária à PGR”. “Esperamos também que causas ligadas aos direitos humanos, defesa da Amazônia, e causas indígenas tenham prioridade pela história de atuação anterior dela.”

Para o presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), a expectativa é de que Raquel conduza as investigações com “seriedade”. “O passado da Raquel Dodge é um atestado do comportamento dela. Ela é uma pessoa equilibrada, comprometida com a lei e com a investigação séria”, disse. “Ela é comprometida com o objetivo do Ministério Público, que é de fazer acusação, mas com responsabilidade. Acho que isso vai pautar o comportamento dela. É o que eu espero.”

Sobre a nomeação de Luciano Maia, seu primo, como vice-procurador-geral na equipe de Raquel, Agripino Maia afirmou não ter qualquer influência. “A composição das pessoas é ela quem define. Longe de mim ter força para qualquer tipo de influência nesse sentido. Qualquer mudança de comando resulta em troca de equipe, não é anormal”, disse o senador, também denunciado por Janot em caso relacionado à Operação Lava Jato. / T.F.