O Estado de São Paulo, n. 45260, 17/09/2017. Política, p.A4

 

 

Fisco quer prioridade para receber recursos desviados

Fazenda Nacional propõe medidas na Vara Federal do juiz Sérgio Moro pedindo bloqueio de R$ 195 mi para pagar dívidas com a União

Por: Ricardo Brandt / Julia Affonso / Marianna Holanda

 

Ricardo Brandt

Julia Affonso

Marianna Holanda

 

A União pediu ao juiz federal Sérgio Moro para receber os tributos sonegados e suas respectivas multas referentes aos R$ 10,8 bilhões já recuperados pela Operação Lava Jato antes mesmo da Petrobrás, considerada a maior vítima do esquema de cartel e corrupção descoberto pela força-tarefa. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já ajuizou sete medidas cautelares na 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba a fim de bloquear imediatamente R$ 195 milhões para o futuro pagamento de dívidas com a União decorrentes de sonegação fiscal.

O órgão alega que a União deve ser ressarcida preferencialmente porque é “vítima”. “É imperioso que a Fazenda Nacional faça valer sua condição de vítima nos processos criminais e também seja agraciada com a destinação dos valores arrecadados nesses processos em virtude dos acordos de colaboração premiada”, escreveram os procuradores da Fazenda Nacional nos pedidos feitos a Moro.

Segundo a procuradora da Fazenda Nacional Fernanda Regina Villares, que defende o Fisco, a lei tributária não distingue os recursos em razão de sua origem ilícita. “Importa que, sob a luz da igualdade com que devem ser tratados os cidadãos, todos devem contribuir com o sustento do Estado. É o dinheiro dos impostos que financia as atividades essenciais da União, dos Estados e dos municípios, com destaque para saúde e educação.”

É a primeira vez que o órgão ajuíza pedidos para a recuperação de ativos em processos penais. “Não se trata de cobrança de qualquer crédito tributário, mas sim de lançamento efetuado como desdobramento dos crimes confessados pelo delator”, afirmou Fernanda, coordenadora de uma força-tarefa da Lava Jato criada na Fazenda Nacional em junho do ano passado. Segundo ela, as investigações revelaram uma “economia paralela imune a tributos”.

O montante já resgatado tem origem em 154 acordos de delação e também de leniência firmados com o Ministério Público Federal (MPF). As cautelares – tecnicamente chamadas de tutela provisória de urgência cautelar incidental – foram apresentadas contra o ex-ministro José Dirceu, o ex-diretor da Petrobrás Renato Duque, o exmarqueteiro do PT João Santana e sua mulher, Mônica Moura, e os doleiros Alberto Youssef, Nelma Kodama e Raul Srour. Só de Dirceu são cobrados R$ 22 milhões. Petrobrás, MPF e defesas dos réus rechaçam os argumentos da Fazenda Nacional .

 

‘Fura-fila’. Para Leonardo Henriques, especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, a União tenta “passar na frente da fila”. “A reparação dos danos para a vítima tem de ser privilegiada. Se a vítima é uma empresa pública de economia mista, antes de se reverter para os cofres públicos, teria de se privilegiar a posição do patrimônio da vítima”, disse.

Conforme Henriques, a Petrobrás tem um papel relevante na economia e há “milhares de pequenos acionistas que se viram prejudicados por esse escândalo (de corrupção)”. Ele disse que o Fisco deve receber em um segundo momento. “A Petrobrás sofreu uma queda de valores expressiva. Ainda mais considerando que, cedo ou tarde, a União vai receber a sua parte, em cima do que a Petrobrás declarar em seus balanços.”

Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), André Felix criticou o instrumento usado pela Procuradoria Nacional para a cobrança dos tributos devidos e das multas. “Não é só chegar e pedir o dinheiro”, disse. “Tem todo um trâmite (administrativo) a ser seguido e pode demorar anos.”

 

Derrota. Apesar da expectativa de ajuizar mais cautelares no âmbito da Lava Jato, a Fazenda Nacional já sofreu uma derrota. No dia 30 do mês passado, Moro negou o primeiro dos sete pedidos. “É certo que a Receita Federal tem prestado auxílio muito expressivo às investigações criminais. Apesar da inegável relevância do apoio qualificado da Receita Federal, isso não é suficiente para tornar a Fazenda Nacional credora preferencial em relação aos direitos das vítimas diretas dos crimes apurados”, escreveu Moro. O posicionamento foi dado no pedido de bloqueio de R$ 52 milhões contra Youssef.

Desde o fim do ano passado, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional tem ajuizado as cautelares em Curitiba.

 

Operação. Com obras paralisadas, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí, é um exemplo de caso de corrupção na Petrobrás que está sob investigação

 

 

 

 

Para força-tarefa, vítima e credora é a Petrobrás

Por: Ricardo Brandt / Julia Affonso

 

O Ministério Público Federal e advogados dos réus são contra a tese da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Para a forçatarefa da Operação Lava Jato, a cobrança pela União equivale a buscar com a vítima – no caso, a Petrobrás – a tributação devida por criminosos.

“Significaria nada mais nada menos do que obrigar a vítima a quitar os tributos que são devidos por terceiros”, disse o procurador regional da República Januário Paludo. Segundo ele, “a Fazenda Nacional não é vítima de dano, senão por mera ficção do lançamento (fiscal)”.

Em parecer à Justiça, o MPF citou o caso de uma bicicleta furtada. “Evidentemente que o meliante teve acréscimo patrimonial que pode ser tributado. Contudo, a bicicleta deve ser restituída a seu proprietário, sem que a Receita fique com uma das rodas como forma de pagamento do crédito tributário.”

Para o MPF, é “inviável querer a Fazenda Nacional expropriar da própria União – dela mesma e da Petrobrás – bens e valores para quitação do crédito tributário, sem afronta ao julgamento da ação”.

O criminalista René Ariel Dotti, que representa a Petrobrás como assistente de acusação, disse que a estatal tem prioridade. “Nós sustentamos desde o início que o produto arrecadado com os inquéritos deveria reverter para a Petrobrás e não para a União. A Petrobrás é credora disso, porque ela é vítima. De acordo com o Código Penal, o produto do crime reverte para União, ressalvado o direito de terceiro e da vítima. E ela é vítima.”

Roberto Podval, advogado do ex-ministro José Dirceu, afirmou em argumentação a Sérgio Moro que o pedido da Fazenda Nacional é incongruente e que ele não é o juiz para analisar a demanda. “As incongruências não param por aí. Ao mesmo tempo em que requer, criminalmente, a garantia de ressarcimento de danos causados por suposto crime contra a ordem tributária, a Fazenda Nacional afirma ‘que José Dirceu exercia atividade exclusivamente ilícita’. Ou seja, o que a autora pretende, mediante a cautelar, é levar aos cofres públicos valores que afirma serem provenientes de atos ilícitos. Nada mais contraditório”, disse Podval. / R.B. e J.A.