Correio braziliense, n. 20007, 01/03/2018. Política, p. 3

 

Brecha para a bancada da bala

Natália Lambert 

01/03/2018

 

 

GUERRA URBANA » Deputados pretendem revogar trecho do Estatuto do Desarmamento para facilitar a posse e o porte de armas de fogo para pessoas físicas no país

A bancada da bala do Congresso aproveita a janela de oportunidade da pauta da segurança pública para retomar a tentativa de revogar o Estatuto do Desarmamento e facilitar a posse e o porte de armas de fogo para pessoas físicas no país. Entretanto, o calor eleitoreiro do momento tem gerado discordâncias até entre os deputados defensores da proposta e especialistas temem as consequências para a população.

Presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF) afirma que fez um acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para levar o tema ao plenário nas próximas semanas. A ideia de Fraga é sugerir uma proposta “mais amena” que o substitutivo ao Projeto de Lei nº 3.722/12, aprovado por comissão especial em 2015. Muito criticado por especialistas em segurança pública, o texto facilita as regras para a aquisição da posse e do porte de armas.

O parlamentar explica que ele manterá os critérios legais para a posse de armas de fogo, mas quer tirar a discricionariedade da Polícia Federal de decidir quem tem a necessidade de ter um armamento ou não. “A lei prevê não ter antecedentes, ter um curso de tiro, uma avaliação psicológica e comprovar a necessidade. Aí que veio o golpe em cima do brasileiro. A necessidade é subjetiva e nós vamos suprimir isso”, afirma Alberto Fraga. Para compensar, ele pretende apresentar critérios mais rígidos para o porte do que os propostos no PL 3.722, como ter cinco anos de posse antes de poder requisitar a possibilidade de portar o armamento.

Em outra frente, deputados também defensores das armas pressionam Rodrigo Maia para colocar em votação o texto aprovado na comissão especial em 2015. O relator da matéria, Laudívio Carvalho (SD-MG), e o autor, Peninha Mendonça (MDB-SC), se reuniram, na tarde de ontem, com o presidente da Câmara para pedir que o projeto vá ao plenário. “Eu defendo o trabalho que fiz na comissão especial, que foi muito cuidadoso, fruto de muito debate e não participei de conversas para ‘amenizar’ o texto”, afirma Carvalho, que diz não ter sido procurado por Fraga para conversar sobre as mudanças propostas.

Na opinião do pesquisador do Ipea e coordenador do Atlas da Violência, Daniel Cerqueira, não há flexibilização do tema que resolva a questão principal: “Quanto mais armas nas ruas, mais violência”. Para ele, o Congresso deveria discutir formas de controlar ainda mais o acesso. “É um consenso internacional dentro da ciência aplicada em evidências que mostram que quanto mais flexível a política de porte e posse de armas, vai ter mais mortes, homicídios e feminicídios”, afirma. Cerqueira cita que um estudo baseado em dados de motivações de assassinatos no país mostrou que, entre 30% e 40% têm motivações interpessoais, como brigas de trânsito, vizinhos, marido e mulher. “Qualquer medida no sentido de flexibilizar é uma irresponsabilidade do poder público.”

Sistema Único

Além do debate sobre armas, o Congresso segue com iniciativas na pauta da segurança. Na tarde de ontem, depois de ter lançado no sábado o Observatório Legislativo da Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (Olerj), Rodrigo Maia promoveu uma apresentação para explicar o trabalho, que será coordenado por servidores da Câmara. A ideia é acompanhar de perto os trabalhos dos militares, contribuir com dados e pesquisas e incentivar a participação popular.

Outra ideia que será tocada é a que cria um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que funcionará para integrar toda a atividade de segurança no país. A proposta está sendo coordenada por Maia e pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE). “As inteligências já existem, elas precisam apenas ser integradas. Os sistemas estão todos instalados, todos montados, basta fazer um falar com o outro, a integração dos sistemas”, afirma Oliveira.

O que diz a lei

» O Estatuto do Desarmamento — Lei nº 10.826, sancionada em 2003 — define os critérios para posse de armas por pessoas físicas no país. Segundo o texto, para alguém adquirir arma de fogo, além de declarar a efetiva necessidade, é preciso atender aos seguintes requisitos:

» Comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não responder a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos.

» Apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa.

» Comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.

O que pretende a bancada da bala?

A ideia é acabar com o trecho que determina a comprovação de necessidade, por ser baseada em critérios subjetivos de um delegado da Polícia Federal.