O globo, n.30761 , 26/10/2017. PÁIS, p.12

‘Eu não tinha poder para tirar Geddel’, diz ex-presidente da Caixa

ANDRÉ DE SOUZA

 

 

Em depoimento à CPI da JBS, Hereda afirma que peemedebista trabalhava pouco
 
Em depoimento à CPI da JBS, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Hereda disse que não tinha poder para demitir Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), ex-vice-presidente de Pessoa Jurídica do banco entre 2011 e 2013. Geddel está preso e é investigado por recebimento de propina de empresários em troca de liberação de créditos da Caixa.

— Vou confessar uma coisa: eu preferia que ele (Geddel) fosse o mínimo possível para a Caixa. Os senhores são muito mais experientes que eu nessa coisa de relação política. Se o senhor me perguntar se eu tinha poder, como presidente da Caixa, de tirar Geddel lá de dentro, por favor! Vamos ser racionais. Eu não tinha poder de tirar Geddel — afirmou Hereda, que presidiu a Caixa entre 2011 e 2015, no governo de Dilma Rousseff.

Hereda afirmou, no entanto, que não houve achaque no banco ou pareceres encomendados para a liberação de empréstimos fraudulentos. Segundo o ex-presidente da Caixa, irregularidades de funcionários da instituição aconteciam da “porta para fora”, em negociações diretas entre eles e os empresários interessados. Seria o caso, por exemplo, de alguém “cobrar pedágio” para que o processo pudesse começar a ser analisado. Mas, uma vez iniciado esse processo, Hereda disse que as regras eram seguidas com rigor.

— Uma coisa é alguém cobrar pedágio na porta, sentar em cima do processo e não deixar andar. Outra coisa é esse processo ser fraudulento. Ele pode até segurar processo. Mas, depois que botou a operação para rodar dentro da Caixa, ela só sai dentro da norma. Então, não acredito em processo fraudulento — afirmou ele, que continuou a explicação:

— A Caixa é um banco. E, para rodar o processo lá dentro, só roda de acordo com as regras. Não tem processo sem ter risco, sem ter jurídico, sem ter área de precificação e área de negócio. São pareceres em cima de pareceres. Eu posso estar errado, mas eu não acredito que dentro desse processo tenha algum tipo de fraude. Também não acho que a Caixa teve prejuízo com a JBS, porque todas as contratações estão em dia ou foram liquidadas.

 

ATUAÇÃO DE FÁBIO CLETO

Há vários processos na Justiça para investigar desvios de recursos públicos com a eventual participação de Geddel, que chegou a ser ministro no governo de Michel Temer, e de Fábio Cleto, também ex-vice-presidente do banco, que se tornou delator e passou a colaborar com a Justiça. Hereda negou ter qualquer responsabilidade sobre o que eles fizeram. Também disse não acreditar que um servidor da Caixa colocaria seu emprego estável e aposentadoria em risco para elaborar um parecer encomendado.

Ele ironizou o trabalho de Geddel, que teria recebido propina de contratos do banco:

— Geddel inclusive era uma pessoa que trabalhava pouco. Chegava na segunda, tinha reunião na terça, na quarta atendia alguns deputados e, ó, ia embora. Eu, sinceramente, fiquei surpreso. Eu não imaginava que na área do Geddel pudesse ter acontecido alguma coisa, pelo desinteresse claro dele pela atividade.

Em relação a Cleto, Hereda afirmou que fez o possível para que tudo ocorresse dentro da legalidade. Ele disse que desconfiava de todas as indicações políticas feitas no banco. Em sua delação, Cleto contou que atuava sob orientação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Entre outras coisas, repassava informações sobre processos e, quando necessário, segurava votos. Hereda, porém, disse que nunca recebeu uma reclamação nesse sentido.

— No primeiro dia, eu o chamei, tive uma conversa boa com ele e disse: não mexa na área do Fundo de Garantia, tem gente aqui que tem 20, 30 anos cuidando disso, então não quero que mexa em nenhum superintendente abaixo de você. À tarde, ele retirou três superintendentes. Eu levei para o Conselho e mandei voltar os três superintendentes — disse Hereda à CPI.

O ex-presidente da Caixa argumentou que os cinco maiores bancos brasileiros emprestaram dinheiro à JBS ou à J&F, grupo controlador do frigorífico. Segundo ele, a Caixa deve ser o quarto ou quinto banco mais exposto à JBS. Disse também que nunca discutiu uma operação da Caixa com os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da J&F e da JBS.

 

PRESSÃO DE EDUARDO CUNHA

Hereda afirmou que os empréstimos colocados agora em dúvida foram do conhecimento dele e de outros 50 funcionários da Caixa, que não detectaram problemas. O ex-presidente da instituição disse também que nunca foi ouvido pela Polícia Federal (PF) e destacou que nenhuma delação até agora envolveu seu nome em irregularidades.

Hereda voltou a afirmar que foi pressionado por Eduardo Cunha, interessado na liberação de um empréstimo da Caixa. A ameaça do expresidente da Câmara era convocá-lo para depor na CPI da Petrobras. Hereda disse que foram apresentados requerimentos nesse sentido, mas nenhum foi aprovado. Negou ainda ter cedido à pressão.