O globo, n.30761 , 26/10/2017. SOCIEDADE, p. 30

Na contramão do acordo

 LUIZA SOUTO

RENATO GRANDELLE

 
 
 
Desmatamento e pecuária afastam o Brasil das metas de redução de gases de efeito estufa

A menos de duas semanas do início da Conferência do Clima (COP-23) em Bonn (Alemanha), um novo levantamento mostra como o Brasil está se afastando de cumprir suas metas ambientais. As emissões nacionais de gases de efeito estufa subiram 8,9% em 2016 em comparação ao ano anterior. Trata-se do nível de emissões mais alto desde 2008 e a maior elevação vista desde 2004. O país também se torna a única grande economia do mundo a aumentar a poluição sem crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Os dados fazem parte da nova edição do Sistema de Estimativas das Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), que será lançado hoje pelo Observatório do Clima. Os pesquisadores realizaram as medições a partir de uma métrica baseada no inventário oficial, divulgado pela última vez em 2010. A liberação de poluentes para a atmosfera está 70% acima das estimativas para 2020.

Em 2015 e em 2016, a elevação acumulada das emissões foi de 12,3%, contra a queda de 7,4% no PIB. Hoje, o país é o sétimo maior poluidor do planeta.

De acordo com a Seeg, 74% das emissões nacionais estão ligadas à atividade agropecuária e mudanças de uso da terra. O desmatamento da Amazônia, por sua vez, aumentou 27%.

— Nos principais países, a trajetória das emissões está sempre associada à atividade econômica. O Brasil está em recessão e ainda assim poluímos mais — lamenta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. — O desmatamento, ao contrário do que diz o presidente Michel Temer, está longe dos trilhos. Vimos uma redução das áreas protegidas, a ameaça a territórios indígenas e a redução de direitos de trabalhadores rurais.

Coordenador do Seeg, Tasso Azevedo ressalta que o país assumiu o compromisso de reduzir a área desmatada na Amazônia a um perímetro inferior a 4 mil km². No ano passado, a região desmatada tinha cerca de 8 mil km².

— A agropecuária, por sua vez, foi afetada pela crise econômica: como houve uma menor demanda por carne bovina, o abate de animais diminuiu; já o número de cabeças de corte passou de 190 milhões para 198 milhões em dois anos. Quanto mais bois e vacas, maior a emissão de metano, que é um gás altamente poluente — explica Tasso. — Ao mesmo tempo, o consumo de fertilizantes cresceu 20% em 2016.

Já o setor de energia registrou quedas em suas emissões. Na geração de eletricidade, a liberação de poluentes foi reduzida em 30% no ano passado, principalmente devido à desaceleração da economia e à volta das chuvas que encheram os reservatórios. Devido à crise hídrica registrada em 2014, as usinas termelétricas movidas por combustíveis fósseis vinham ganhando espaço.

Para Marcelo Cremer, analista do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), as emissões do setor energético crescerão quando a economia nacional ganhar fôlego.

— Para atender à demanda crescente, acredito que precisaremos acionar novamente as fontes ligadas aos combustíveis fósseis — analisa. — No entanto, a energia eólica está cada vez mais consolidada, já respondendo por 6% da matriz energética nacional, e há um potencial grande a ser explorado.

Rittl lembra que, após o Acordo de Paris, o mundo investiu maciçamente em energia limpa, deixando combustíveis fósseis em segundo plano.

— A China fechou 30 termelétricas a carvão, a Índia abortou a construção de várias dessas instalações. Ainda assim, o petróleo continua tendo um peso grande em nosso comércio, é um item importante no portfólio de exportações do Brasil. E não podemos continuar com a política de extrair até a última gota, ou não obedeceremos as metas que firmamos no Acordo de Paris — diz Rittl, que considera que o Brasil chegará a Bonn com a “imagem arranhada”, quebrando sua tradição de levar boas notícias às conferências sobre o clima.

Azevedo concorda que os dados podem levar os negociadores do país a transmitir mensagens contraditórias à comunidade internacional:

— Podemos falar, por exemplo, que temos a segunda maior cobertura florestal do planeta, mas ao mesmo tempo temos o maior desmatamento do mundo.

Em junho, em resposta à devastação crescente da floresta brasileira, o governo norueguês reduziu repasses para o Fundo Amazônia, que investe cerca de R$ 400 milhões por ano na proteção do bioma.

— Com o uso das hidrelétricas, temos uma quantidade de energia renovável maior do que outros países, mas nosso consumo é maior do que a média internacional — observa Rittl. — Manifestamos nossa intenção em implementar uma política para resíduos sólidos, mas para isso precisamos recuperar os gases de efeito estufa, e ainda não tomamos esta medida. Não temos um papel pró-ativo no combate às mudanças climáticas como é desempenhado por outras nações em desenvolvimento, como China, Índia e México.