O Estado de São Paulo, n. 45258, 15/09/2017. Política, p. A4.

 

Janot denuncia Temer, ministros e delatores

15/09/2017

 

 

A SEGUNDA DENÚNCIA / Procurador - Geral da República acusa formalmente o presidente de liderar organização criminosa formada pelo ‘núcleo político’ do PMDB na Câmara e de obstruir a Justiça

 

 

Às vésperas de deixar o cargo de procurador-geral da República, Rodrigo Janot denunciou ontem, pela segunda vez, o presidente Michel Temer. Ele foi acusado de liderar organização criminosa formada por integrantes do PMDB na Câmara e tentar obstruir a Justiça. A nova denúncia encaminhada ao Supremo Tribunal Federal envolve também os delatores Joesley Batista e Ricardo Saud, do Grupo J&F – que tiveram o acordo de delação rescindido –, além de ministros e ex-ministros do governo Temer.

Além do presidente, foram acusados formalmente de integrar um “núcleo político” que arrecadava propina em órgãos públicos os atuais ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral); os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor especial do presidente. Com exceção dos dois ocupantes da Esplanada, os outros peemedebistas estão presos em regime fechado ou domiciliar.

Na acusação por obstrução da Justiça, Temer foi apontado como responsável por “instigar” Joesley e Saud a repassarem dinheiro a Cunha e ao operador Lúcio Funaro para impedir que os dois firmassem acordos de delação premiada. A segunda denúncia foi apresentada quase 40 dias depois de a Câmara barrar o prosseguimento da acusação por corrupção passiva contra o presidente.

Antes de enviar a denúncia ao Congresso, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, vai aguardar um posicionamento da Corte sobre o pedido da defesa de Temer para suspender a acusação formal até que se esclareçam os indícios de irregularidade na delação da J&F. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou como “muito grave” a denúncia e admitiu que a tramitação do processo vai paralisar os trabalhos da Casa.

O Planalto disse que a acusação de Janot é “recheada de absurdos” e “realismo fantástico em estado puro”. Para a defesa de Joesley e Saud, o procurador-geral usurpou a competência do Supremo.

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Presidente é acusado de liderar organização criminosa do PMDB

Beatriz Bulla / Breno Pires / Rafael Moraes Moura

15/09/2017

 

 

Rodrigo Janot afirma que Temer é o único do grupo do partido ‘que tinha alguma espécie de ascensão sobre todos’

 

 

Na acusação referente ao crime de organização criminosa, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma que o presidente Michel Temer “dava a necessária estabilidade e segurança ao aparato criminoso, figurando ao mesmo tempo como cúpula e alicerce da organização”. “O núcleo empresarial agia nesse pressuposto, de que poderia contar com a discrição e, principalmente, a orientação de Michel Temer”, escreveu Janot.

Segundo o procurador-geral, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Henrique Eduardo Alves e Rodrigo Rocha Loures têm uma relação próxima e antiga com Temer e, por isso, falam diretamente com ele.

Janot considera que há um “escudo” ao redor do presidente: os aliados negociavam repasses ilícitos, enquanto Temer tinha o papel de articular com seu grupo político os cargos que ficariam sob sua área de influência. O presidente é, segundo Janot, “o único do grupo que tinha alguma espécie de ascensão sobre todos”. “O papel de negociar os cargos junto aos demais membros do núcleo político da organização criminosa, no caso do subnúcleo do ‘PMDB da Câmara’, era desempenhado por Michel Temer de forma mais estável, por ter sido ele o grande articulador para a unificação do partido em torno do governo Lula”, escreveu Janot.

O procurador-geral aponta que Temer “certas vezes” também atuava de forma direta, sem interlocutores e cita como exemplo o suposto pagamento de propina feito por Joesley Batista a pedido direto do presidente.

Conforme o dono da J&F, Temer pediu e ele efetuou pagamento de uma mesada de R$ 100 mil a Wagner Rossi e de R$ 20 mil a Milton Hortolan, quando ambos ficaram contrariados ao serem dispensados do Ministério da Agricultura.

A denúncia, incluindo as colaborações premiadas de representantes da J&F e da Odebrecht, recorre a pelo menos 23 delações.

A organização criminosa, segundo a Procuradoria, se vale do “loteamento” entre partidos da base do governo de diretorias e cargos relevantes dentro de órgãos públicos. Os indicados, por sua vez, atuavam a favor de empresas, entre elas as maiores empreiteiras do País. Em troca, os empresários garantiam vantagens como repasse de propina aos políticos ou doações eleitorais às siglas. Participavam do esquema, segundo Janot, o PP, o PMDB e o PT.

 

Impeachment. Desde o afastamento da presidente cassada Dilma Rousseff, em maio de 2016, o núcleo do PMDB da Câmara, “especialmente Michel Temer”, passou a ter papel de destaque nas nomeações para cargos-chave em razão da concentração de poderes no Executivo, segundo a denúncia do procurador.

Janot aponta que, no caso do PMDB da Câmara, as ações ilícitas foram cometidas por meio da Petrobrás, de Furnas, da Caixa Econômica Federal, do Ministério de Integração Nacional, Ministério da Agricultura, da Secretaria de Aviação Civil e da própria Câmara dos Deputados. Pelo esquema, os acusados teriam recebido propina no valor de “pelo menos” R$ 587,1 milhões.

A organização, segundo Janot, teria praticado lavagem de dinheiro por meio de transferências bancárias internacionais.

 

‘Pacto de silêncio’. Na parte da denúncia apresentada contra Temer que trata de obstrução da Justiça, Janot afirma que tanto Funaro quanto Joesley admitem ter havido a negociação e a concretização de um “pacto de silêncio”, do qual integrantes do PMDB teriam se beneficiado. Apesar das supostas tentativas de evitar um acordo, Funaro se tornou um delator e suas declarações são usadas na denúncia preparada pela PGR.

Janot narra como começou a negociação entre Joesley Batista e Lúcio Funaro, que envolveu a proposta de um contrato de R$ 100 milhões para, “além de conferir verniz de legalidade a atos criminosos perpetrados por ambos, mantê-lo (Funaro) em silêncio”. Cita pagamentos de R$ 600 mil e de R$ 400 mil por delatores da J&F a Dante Funaro e Roberta Funaro, irmãos de Lúcio. O procurador-geral cita a entrega de dinheiro à irmã de Funaro de R$ 400 mil que foi flagrada por ação controlada da Polícia Federal. Em busca e apreensão realizada posteriormente na casa de Roberta Funaro, foram encontrados R$ 1.699.800,00 em “valores recebidos pela mencionada denunciada que estavam sendo pagos mensalmente para comprar o silêncio de Lúcio Funaro”.

 

Tocantins. Temer ao participar de evento de assinatura da ordem de serviço para construção da Ponte Xambioá-São Geraldo

 

Delações

23 colaborações premiadas, ao menos, foram usadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na denúncia apresentada ontem contra o presidente Michel Temer e outros.