Título: Supremo barra os fichas sujas
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 17/02/2012, Política, p. 2/3

Por sete votos a quatro, ministros do STF confirmam a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Regra vale para as eleições de outubro e impede candidatura de políticos condenados pela Justiça e que renunciaram para evitar a cassação do mandato

Um ano e oito meses depois de sancionada, a Lei da Ficha Limpa finalmente teve a sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por sete votos a quatro, os ministros decidiram manter a validade integral da legislação, que já será aplicada a partir das eleições municipais deste ano. A norma proíbe a candidatura de políticos condenados por órgão colegiado e também daqueles que renunciaram para escapar da cassação, como é o caso do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC), que, com a decisão, ficará fora da vida política até 2023.

A Lei da Ficha Limpa também torna inelegíveis os servidores demitidos do serviço público e os trabalhadores excluídos do exercício da profissão por órgão competente (veja quadro). O placar foi construído ao longo de quatro sessões, duas realizadas no fim do ano passado e as demais nesta semana. O resultado do julgamento, concluído ontem à noite, contempla a vontade da sociedade, uma vez que a lei surgiu de uma proposta de iniciativa popular que contou com 1,6 milhão de assinaturas de apoio.

Em plenário, prevaleceu o voto do ministro Joaquim Barbosa, que, em dezembro de 2011, votou pela aplicação do texto original da Ficha Limpa inclusive para casos ocorridos antes de a lei entrar em vigor, em junho de 2010. Seguiram esse entendimento Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto e Luiz Fux, relator dos três processos julgados em conjunto.

Fux, porém, discordou dos ministros favoráveis à lei quanto ao prazo da aplicação. Ele ressalvou que, da inelegibilidade de oito anos contada a partir do fim do cumprimento da pena, deveria ser descontado o período entre a decisão colegiada e a sentença definitiva. Marco Aurélio Mello, por sua vez, manifestou-se pela constitucionalidade da lei, mas destacou que ela não deve atingir renúncias e condenações anteriores a junho de 2010. Ou seja, no entendimento do ministro, a aplicação da regra no pleito de outubro seria reduzida apenas a políticos condenados depois dessa data.

"A lei é válida e apanha os atos e fatos que tenham ocorrido após junho de 2010, não atos e fatos pretéritos. Quando eu disse vamos consertar o Brasil foi de forma prospectiva e não retroativa, sob pena de não termos mais segurança jurídica", disse Marco Aurélio. "Que culpa temos nós de o Congresso ter demorado 16 anos para editar essa lei?", questionou.

A maioria que votou pela ampla validade da Ficha Limpa destacou que a norma está amparada na Constituição, que exige dos candidatos um passado "cândido e puro", como afirmou Ayres Britto. "O pedigree da lei vem da Constituição Federal. A probidade administrativa foi cuidada com especial carinho pela nossa Carta Magna", justificou.

Desde quarta-feira, quando o julgamento havia sido suspenso com o placar de quatro votos a um a favor da legalidade da lei, já se esperava o resultado pela validação da Ficha Limpa. Isso porque a ministra Rosa Weber, que, no ano passado não compunha o colegiado, manifestou-se anteontem pela constitucionalidade do dispositivo. "O homem público, ou que pretende ser público, não se encontra no mesmo patamar de obrigações do cidadão comum", declarou.

O voto de Rosa se mostrou decisivo, uma vez que o entendimento dos demais ministros sobre o tema já era conhecido. Lewandowski e Britto votaram ontem e, no meio da tarde, formaram a maioria necessária para a ratificação da lei. O julgamento se prolongou até as 20h40 de ontem.

Críticas Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente do Supremo, Cezar Peluso, votaram contra a lei. Eles alegam que a Ficha Limpa fere o preceito constitucional da presunção de não culpabilidade. Para os quatro ministros vencidos no julgamento, a inelegibilidade só poderia ser aplicada em casos de condenação definitiva — transitada em julgado.

Gilmar Mendes criticou a solução proposta pela lei para solucionar o problema da corrupção no Brasil. "A Ficha Limpa é a busca por um atalho, mas há falhas graves na Justiça que exigem soluções mais complexas. Não cabe a essa Corte fazer revisão de princípios constitucionais para atender a anseios populares", afirmou Mendes. Lewandowski rebateu: "É uma lei que me parece extremamente razoável, porque traz mecanismos que, no eventual cometimento de injustiça, podem corrigir prontamente a decisão e devolver o direito à candidatura."

Em 2010, a Ficha Limpa chegou a ser usada para barrar candidaturas. Entretanto, em março de 2011, o Supremo considerou que a lei não poderia ter sido aplicada para o pleito passado, uma vez que a legislação entrou em vigor no mesmo ano da eleição, o que contraria o artigo 16 da Constituição.

Colaborou Gabriel Mascarenhas

CNBB apoia a decisão O presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Raymundo Damasceno, manifestou apoio à aprovação da lei. Ele afirmou que a expectativa era grande pela mudança. "Essa lei é fruto de um movimento de combate à corrupção eleitoral. Trata-se de um caminho, mas não é tudo. Precisamos de uma reforma política muito mais profunda", disse. O diretor da Secretaria Executiva do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Carlos Alves Moura, declarou ontem que a Lei da Ficha Limpa representa o início de um processo de reforma política, já que terá um "grande impacto" nas eleições. "Enquanto alguém que foi considerado ficha suja estiver imobilizado de ferir a sociedade no exercício de um mandato, a população estará resguardada", declarou.

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