Correio braziliense, n. 19845, 22/09/2017. Política, p. 4.

 

Brecha para os enrolados

Natália Lambert

22/09/2017

 

 

Com apenas 16 dias para ter uma proposta de reforma política aprovada e sancionada, um grupo de cinco senadores, coordenados pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), elaborou uma proposta que, além de criar um Fundo Especial de Financiamento de Campanha com previsão de arrecadação de R$ 3,5 bilhões, trata de outras questões como regras para propaganda eleitoral na internet e a criação de Habilitação Prévia de Candidatos. O texto, segundo especialistas em direito eleitoral consultados pelo Correio, abre brecha para políticos enrolados com a Lava-Jato, a exemplo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, garantirem a candidatura por meio de recursos.

A proposta prevê que os candidatos que pretendem concorrer em outubro devem entregar uma série de documentos entre 1º de fevereiro e 15 de março do ano eleitoral. Com as certidões, a Justiça Eleitoral fará uma análise prévia dos que podem ser ou não candidatos. A divulgação do resultado será em 15 de maio. O texto até prevê a possibilidade de reavaliação da candidatura, mas, na opinião dos especialistas, ele gera instabilidade jurídica e cria mais uma chance de recurso, já que o candidato, caso venha a ser condenado após o prazo, tem o trunfo da autorização prévia.

A medida pode beneficiar políticos como o ex-presidente Lula, que já se apresentou como pré-candidato à Presidência da República no ano que vem, mas ainda depende de um julgamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que pode confirmar em segunda instância a condenação do juiz Sérgio Moro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A expectativa é que o julgamento ocorra somente no fim do primeiro semestre de 2018. “Essas novidades criadas com pressa podem ser muito perigosas. O projeto tem tudo para criar polêmica e instabilidade”, comenta um consultor legislativo que prefere não se identificar.

 

Votação

O texto foi baseado em um projeto de lei de autoria do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) e relatado por Armando Monteiro (PTB-PE). Justamente por ter sido feita às pressas, com a inclusão de muitos temas — alguns rejeitados na Câmara —, a proposta foi criticada na última quarta-feira em plenário e o presidente Eunício Oliveira (PMDB-CE) marcou a votação para a próxima terça. De acordo com informações da Presidência do Senado, como a prioridade é a criação do fundo para a garantia dos recursos na campanha, o texto deve ser desidratado para que possa ser aprovado e enviado à Câmara a tempo de valer para o ano que vem.

Apesar de abrir uma possibilidade polêmica, o juiz Marlon Reis, criador da Lei da Ficha Limpa, vê a ideia como um aperfeiçoamento da legislação já que uma análise prévia dos candidatos retiraria boa parte dos políticos inelegíveis. “Casos pontuais que venham a ser condenados depois têm a candidatura cancelada à frente. O projeto ainda corrige uma falha da lei que não exige certidões cíveis, só criminais. Com esses documentos podem ser descobertos casos de inelegibilidade decorrentes de ações de improbidade administrativa”, acrescenta.