Correio braziliense, n. 19849, 26/09/2017. Política, p. 2.

 

Uma brecha para a barganha de aliados

Natália Lambert e Rodolfo Costa

26/09/2017

 

 

Com a possibilidade de a denúncia contra Temer precisar ser fatiada por causa das acusações contra Padilha e Moreira Franco, deputados do Centrão aproveitam para pressionar por cargos e a oposição luta para ganhar tempo contra a votação na Câmara

 

 

Antes de se debruçarem sobre o conteúdo da segunda denúncia elaborada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer, deputados encontraram uma preocupação que tende a atrasar o calendário previsto pelo governo para enterrar as acusações de organização criminosa e obstrução de Justiça. A possibilidade de separação da denúncia em duas: uma contra Temer e uma contra dois ministros de Estado — Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) — deu brecha à oposição para ganhar tempo e a aliados para barganhar. Mesmo fiéis a Temer, parlamentares, principalmente do Centrão, veem a chance de duas cadeiras ficarem vagas no Palácio do Planalto.

A decisão está nas mãos do presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), Rodrigo Pacheco (PMDB-MG). Apesar de, na última sexta-feira, a Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara ter emitido um parecer afirmando que a denúncia tem de ser analisada conjuntamente, Pacheco pediu aos técnicos da CCJ para levantarem os precedentes legais antes de tomar uma decisão. Segundo ele, a preocupação é a tramitação ser questionada juridicamente. “A CCJ não pode deixar de ter o papel importante de orientação jurídica e constitucional da Câmara”, comenta.

Pacheco aguarda a leitura da peça acusatória em plenário para conversar com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O deputado considera, inclusive, consultar o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a dúvida, o que atrasaria os planos do governo de liquidar o obstáculo até o fim de outubro. O peemedebista deve decidir sobre o fatiamento amanhã, quando a denúncia chegará ao colegiado. A partir daí, escolherá um relator. Caso sejam duas denúncias, serão dois relatores e elas terão tramitação separada.

Na opinião de Maia, que se encontrou com a presidente do STF, Cármen Lúcia, na tarde de ontem, não há dúvidas. “Até pela forma conjunta como o Supremo encaminhou, não cabe o fatiamento por crime ou por autoridade. Para mim, é muito claro, até pelo crime ser de organização criminosa. Como você vai separar essa parte que é conexa?”, questionou. Maia também cita o precedente criado pelo STF, em 1990, ao analisar uma queixa-crime movida por Waldir Pires contra Antônio Carlos Magalhães.

 

Precedente

No julgamento, a maioria do Supremo flexibilizou o artigo 51 da Constituição, que determina que cabe à Câmara “autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o presidente, o vice-presidente da República e os ministros de Estado”. Pelo entendimento tomado à época, em relação aos ministros, só é necessária a autorização da Câmara se forem crimes comuns e/ou de responsabilidade conexos aos do chefe do Executivo. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, acredita que a discussão mereça maior profundidade e tanto o STF quanto a PGR terão de se manifestar. “As duas hipóteses são defensáveis juridicamente. Se há precedente, em tese, a Câmara poderia fazer até três denúncias, uma para cada um”, ressaltou.

Para o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), as consequências são inteiramente diferentes. “No caso do presidente, se a denúncia for aceita, ele é afastado, o que não ocorre com os ministros. Por essa razão, não se deve apreciar a denúncia contra todos em uma única peça”, afirmou. O líder do PT, Carlos Zarattini (PT-SP), concorda com a separação. “O fatiamento é importante para analisarmos a responsabilidade de cada um dos que estão denunciados. Não são coisas iguais. Você não pode julgar no atacado”, comentou.

Ao lado da oposição, mas com intenções diferentes, estão deputados do Centrão, que une siglas como PP, PR, PSD, PTB, SD e PRB. Um parlamentar do grupo afirmou que é da base de Temer, mas não dos ministros dele. Segundo ele, que prefere manter o anonimato, a abertura de ação penal contra Padilha e Moreira faria o governo rever o posicionamento de alguns aliados no governo, que buscam cada vez mais espaço. Disputa por cargos que já começou. Interlocutores do presidente no Planalto disseram que Temer aguarda a definição do relator para ver o que será ofertado. “O presidente mantém a serenidade para decidir os postos. Tudo transcorrerá conforme o avanço da denúncia”, diz.

 

Quórum

Ontem, mais uma vez não houve quórum para a leitura da peça acusatória. A primeira tentativa foi na sexta-feira, mas não teve número suficiente. Somente 23 marcaram presença — são necessários 51. A denúncia só é encaminhada à CCJ após esta etapa (veja quadro). Aliado do presidente Temer, Beto Mansur (PRB-SP) minimizou a ausência da base. “Poderia ter 51, mas nós tivemos uma semana pesada de votação. Optou-se por dar um descanso. Amanhã (hoje), vai ter quórum, vai mandar para CCJ e vamos votar isso logo”, defendeu. “Não existe nenhuma pressa de que tenha que ser ‘hoje ou amanhã’”, completou um dos interlocutores de Temer, que garante a “tranquilidade” do peemedebista.

 

Passo a passo

De acordo com a previsão de aliados do presidente Michel Temer, a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) deve ser votada no plenário da Câmara dos Deputados na semana entre 16 e 20 de outubro. Confira o caminho que ela tem pela frente:

 

Hoje

A partir do momento em que houver o quórum de 51 deputados no plenário, a segunda secretária da Mesa Diretora, deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO), fará a leitura da denúncia enviada pela PGR. Após ser lido, o documento seguirá para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Paralelamente, uma notificação será enviada ao presidente Michel Temer, que terá prazo de 10 dias para apresentar a defesa.

 

Amanhã

O presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), decidirá se fatia ou não a denúncia. Consultores consideram até um questionamento do STF sobre a questão. Caso opte pela divisão, deve indicar o nome de dois relatores, um para o caso do presidente e um para o caso dos ministros envolvidos (Eliseu Padilha e Moreira Franco). Após receber a defesa do presidente, o colegiado tem prazo de cinco sessões (estendível por mais duas) para votar o parecer a favor ou contra o prosseguimento da denúncia. Caso sejam duas peças, uma delas será analisada primeiro.

 

Outubro

Independentemente do resultado da CCJ, o parecer vai a plenário. Na última denúncia, o presidente Michel Temer enviou a defesa em três sessões. Caso a celeridade se mantenha, o texto deve chegar à análise dos deputados na semana entre 9 e 13 de outubro, entretanto, o feriado do dia 12 adiará a votação para a semana seguinte. Para que o processo seja autorizado, são necessários os votos de 342 deputados (dois terços dos 513 parlamentares).

 

Novembro

Diante do resultado da votação, o processo retorna ao STF. Caso a Câmara aceite a investigação, Temer se torna réu e tem de se afastar do cargo por até 180 dias. Se vetar a abertura do processo, a ação fica suspensa até o fim do mandato do presidente.

 

Fatiamento

Diante dos questionamentos, há a possibilidade de que o Supremo tenha de se manifestar sobre o fatiamento ou não da denúncia. Se for provocado antes, o trâmite na Câmara terá de esperar. Se não, quando receber a peça de volta, caso os deputados vetem o processo em plenário, o STF pode determinar o seguimento da ação penal contra os ministros e suspender somente o caso do presidente. A decisão seria do relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, que pode submeter a questão ao pleno da Suprema Corte.