Correio braziliense, n. 19867, 14/10/2017. Política, p. 2

 

Moro cobra recibos originais de Lula

Renato Souza 

14/10/2017

 

 

PODER EM CRISE/ Juiz dá 48 horas para a defesa do ex-presidente apresentar os comprovantes de aluguel de imóvel em São Bernardo do Campo (SP). Cópias entregues à Justiça têm dois dias inexistentes: 31 de junho de 2014 e 31 de novembro de 2015

O embate envolvendo os recibos entregues pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comprovar o aluguel de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP) ganhou mais um capítulo. O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, determinou ontem que o petista apresente em 48 horas os documentos originais que comprovam a locação do imóvel. O magistrado — responsável por analisar os processos da Lava-Jato na capital paranaense — quer avaliar a veracidade dos 26 comprovantes. O pedido se baseia em inconsistências que foram encontradas em alguns deles. Um dos fatores que levantaram suspeitas da Justiça é a data de vencimento de dois comprovantes, que teriam ocorrido nos dias 31 de junho e 31 de novembro — inexistentes.

Outro problema encontrado se refere a um erro de ortografia no endereço informado. Na localização descrita no recibo, a cidade onde está localizado o imóvel aparece como “São Bernanrdo do Campo”. De acordo com a Justiça Federal, foram apresentados ainda mais de um recibo que correspondem ao mesmo mês. O apartamento alvo de investigação é vizinho ao que Lula mora.

Os recibos foram apresentados no fim do mês passado, após o ex-presidente ser questionado se tinha provas do aluguel do apartamento. O caso é investigado na Operação Lava-Jato. O Ministério Público afirma que o imóvel na verdade foi comprado com dinheiro de propina repassado pela Odebrecht. O apartamento está no nome de Glaucos da Costamarques, que é parente do pecuarista José Carlos Bumlai.

As suspeitas de pagamento de propina surgiram porque Bumlai é amigo do ex-presidente. Eles se conheceram em 2002. Durante a gestão de Lula na Presidência da República, o pecuarista tinha acesso livre ao Palácio do Planalto. Os procuradores afirmam que o apartamento seria entregue ao petista. Em depoimento à Justiça, Glaucos da Costamarques disse que começou a receber o valor dos aluguéis em 2015. No entanto, ele declarou a Receita Federal que a família de Lula pagou todos os meses desde 2011, quando teria firmado o contrato com a ex-primeira-dama Marisa Letícia.

Os ex-presidente também declarou o pagamento dos aluguéis para a Receita Federal. O Ministério Público afirma que essa manobra era feita para dar aparente legalidade às operações. As movimentações, de acordo com a investigação, ocorreram para dar veracidade ao contrato de aluguel. Os advogados do ex-presidente sustentam que não foram apresentadas provas das acusações, o que, nas palavras da defesa, “são meras afirmações”.

Críticas

A defesa de Lula pediu que os documentos originais fossem apresentados em uma audiência, convocada especificamente para este fim. Mas o magistrado não aceitou a solicitação. Moro considerou “desnecessária” uma audiência formal para entrega dos documentos ou a presença de perito. “Os recibos deverão ser entregues na secretaria deste juízo e que os acautelará para submetê-los a perícia caso seja de fato deferida”, destacou o juiz em sua decisão.

O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente, criticou a rejeição do juiz ao pedido para a realização da audiência. “Surpreende a defesa o fato de o juiz não aceitar a realização de uma audiência para a entrega das vias originais dos recibos, atestando o estado em que os documentos serão apresentados para dar total transparência ao ato. Temos interesse no reconhecimento de que os documentos são autênticos, como sempre afirmamos, e atendem à recomendação de entrega feita pelo próprio juiz”, destacou.

Além de determinar o prazo para a entrega dos recibos, Sérgio Moro também pediu ao Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, os registros do acesso do advogado de Lula, Roberto Teixeira, ao local. O defensor ficou internado para realizar um tratamento médico. No mesmo período, o engenheiro Glaucos da Costamarques também estava na unidade de saúde, de acordo com registros médicos.

A direção da unidade de saúde informou que não ocorreram visitas do advogado ao engenheiro. Informações adquiridas pela força-tarefa da Lava-Jato indicam que Glaucos assinou, ainda no hospital, 12 recibos referentes ao aluguel do apartamento, além de ter recebido a visita do contador.

Zanin criticou também os pedidos de acesso aos registros da entrada do advogado Roberto Teixeira no hospital. “É repugnante que um advogado septuagenário, cardiopata e de saúde frágil seja perseguido dessa forma, tenha sua vida devassada, apenas porque o juiz não se conforma que a acusação ruiu. O juiz Sérgio Moro não respeita a advocacia, não respeita os limites de suas funções e, sobretudo, não aceita que as fantasiosas versões da acusação sejam desmentidas por fatos e documentos idôneos”, afirmou o advogado.