Correio braziliense, n. 19866, 13/10/2017. Política, p. 2

 

Ministros veem um freio no próprio STF

Rosna Hessel e Guilherme Mendes
13/10/2017
 
 
PODER EM CRISE » Marco Aurélio e Gilmar Mendes acreditam que decisão do Supremo de submeter ao Congresso o afastamento de um parlamentar deverá inibir novas medidas que interfiram no exercício do mandato de deputado ou senador. Classe política aprova a medida

Enquanto a classe política vê com bons olhos a decisão do Supremo Tribunal Federal de autorizar o Congresso a dar a palavra final sobre o afastamento de parlamentares, dois ministros do STF acreditam que a medida deverá inibir a Corte de impor novas medidas que interfiram no exercício do mandato. “A proclamação foi de que a casa parlamentar pode rever a medida cautelar que implique qualquer embaraço ao exercício do mandato particular. Resultado: a ala do punitivismo pensará duas vezes antes de implementar medida nesse sentido, ante o risco da derrubada”, disse Marco Aurélio Mello.

O ministro Gilmar Mendes, que também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, concorda. Para Gilmar, as cautelares só podem ser aplicadas em situação “excepcionalíssima”. “Isso (aplicação de cautelares) não é necessário. Haverá um caso ou outro em que isso será imprescindível. Muito mais importante era julgarmos mais rapidamente os processos, termos um procedimento mais célere”, disse o ministro. Segundo ele, a questão do afastamento de Eduardo Cunha “foi muito peculiar”. “O problema é o excepcional se tornar regular”, disse Gilmar Mendes.

A decisão do Supremo permitirá ao Senado rever, na próxima terça-feira, o afastamento de Aécio Neves, determinado duas vezes pelo STF — primeiro, por liminar, do ministro Edson Fachin, em maio, e depois por decisão da primeira turma, em 26 de setembro. O tucano, flagrado em áudio gravado pelo empresário Joesley Batista, foi denunciado em junho pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo crime de corrupção passiva e de embaraço a investigações, acusado de ter aceitado propina de R$ 2 milhões, repassados pela J&F a um primo do senador e a um auxiliar parlamentar e de ter tentado obstruir investigações. Ele nega.

No Senado, a avaliação é de que o Supremo agiu corretamente. “Foi a decisão correta, que é o que a Constituição prescreve”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE). Já para José Aníbal (PSDB-SP), se tratou de “uma postura muito equilibrada e necessária”. O PT deve se reunir horas antes do início da sessão, para orientar como o partido se manifestará. “Nós vamos ter de discutir agora o mérito da questão”, afirmou Humberto Costa, sobre o afastamento de Aécio.

A postura do PT em defender o senador, na visão de integrantes do partido, existiu devido ao senso de autodefesa — os senadores Lindbergh Farias (RJ) e Gleisi Hoffmann (PR) estão sob investigação. A interlocutores, o homem-forte do partido José Dirceu afirmou, em uma festa em Brasília, que a legenda apoiar a prisão de Aécio seria “dificultar a vida” de Lula, também investigado em outras instâncias da Justiça federal.

Mas o afastamento também é visto como a melhor alternativa a ser tomada por outras siglas, como a Rede, do senador Randolfe Rodrigues (AP): “Isso (a investigação) é muito grave, e não pode ser o Senado a obstruir a investigação”, afirmou. “Por isso, vamos votar para que ele se afaste do cargo.” Já para José Aníbal, do partido de Aécio, a decisão seria um erro, já que “na realidade, se trata apenas de um pedido de prisão domiciliar com perda de mandato”.

Avaliação

O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), acredita que o debate na semana que vem será bastante intenso, uma vez que há uma divisão sobre o caso. Para ele, como muitos senadores estão citados na Lava-Jato, há a chance de o corporativismo prevalecer. “Muitos estarão com medo de estarem na mesma situação, isso pode ser um fator suficiente para não darem o aval para as punições do Supremo”, destacou. Para Fleischer, o Senado vive uma crise ética. “A imagem da Casa está muito ruim porque muitos senadores estão sendo acusados de corrupção não somente pelas denúncias da Lava-Jato”, lembrou.

Frase

"A proclamação foi de que a casa parlamentar pode rever a medida cautelar que implique qualquer embaraço ao exercício do mandato particular. Resultado: a ala do punitivismo pensará duas vezes antes de implementar medida nesse sentido, antes o risco da derrubada"

Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo