O globo, n.30858 , 31/10/2018. PAÍS, p.4

JEFFERSON DÁ BRONCA, MAS MANTÉM INDICAÇÃO DE CRISTIANE BRASIL

CRISTIANE JUNGBLUT

KARLA GAMBA

 

 

 

O PÓS-VÍDEO Após repercussão negativa, pai da deputada cobra postura; governo mantém indicação para Ministério do Trabalho

 Não bastassem as piadas e o bombardeio nas redes sociais, a deputada e ministra do Trabalho nomeada e não empossada, Cristiane Brasil (PTB-RJ), teve que ouvir uma bronca pública do pai. Para conter o mal-estar no PTB e no Palácio do Planalto sobre a conduta da filha, o próprio presidente nacional do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson, reforçou o coro das críticas e deu um “puxão de orelhas” na parlamentar, que não tem poupado dores de cabeça desde sua nomeação. Ele criticou publicamente a performance da filha, que, em vídeo, aparece num barco, rodeada de amigos, tentando se defender das ações trabalhistas movidas contra ela por ex-funcionários.

 

Apesar de dizer que houve “deturpação” no episódio, o pai foi firme contra a filha, afirmando que “uma figura pública deve se portar como uma figura pública”. Mais tarde, ao GLOBO, Jefferson disse que o PTB e o governo aguardarão a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a posse ou não de Cristiane Brasil como ministra do Trabalho. Mas, ontem mesmo, o presidente Michel Temer foi procurado por deputados antigos do PTB, que reclamaram da situação e do desgaste dentro do partido. Segundo um destes parlamentares, Temer tem que se preparar para perder no Judiciário.

 

À ESPERA DE DECISÃO DO STF

A própria parlamentar, segundo pessoas próximas, está “muito triste” com todo o episódio. A situação de Cristiane Brasil como indicada para o cargo de ministra se deteriorou ainda mais depois do vídeo, que, até o início da noite de ontem, tinha mais de 3 milhões de visualizações no Facebook. Jefferson tomou à frente na tentativa de conter a avalanche de críticas, já que falou como presidente do PTB e como pai.

— Sobre o vídeo, a repercussão fala por si. Também teve muita deturpação. Eram famílias no barco, havia crianças passando. Dito isso, penso que uma figura pública deve se portar como uma figura pública e usar ferramentas como Facebook e Instagram apenas em caráter institucional — disse Jefferson, por meio de redes sociais.

Depois da publicação, Jefferson disse que é preciso aguardar a decisão final do STF sobre a posse, suspensa temporariamente por decisão da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia. O PTB e o Palácio do Planalto esperam que a questão seja resolvida até a próxima semana.

— A nomeação é do presidente Temer. Vamos aguardar a decisão do STF — disse Jefferson ao GLOBO.

O ministro Carlos Marun, da Secretaria de Governo, saiu em defesa da deputada e reclamou que a discussão não deveria ser a roupa que a parlamentar estava usando.

— Será que todas as pessoas que andam de lancha no litoral do Rio de Janeiro são amorais ou imorais? Muita gente bate bumbo pela liberdade, mas na verdade são uns talibãs enrustidos. Queriam que ela estivesse de burca? Praia a gente anda assim. Eu quando vou à praia, eu vou de calção de banho. Vocês vão de quimono, de burca? — disse o ministro a um grupo de jornalistas.

A tropa de choque do Planalto saiu em defesa da tese de que não cabe ao Poder Judiciário interferir em nomeações do presidente. O vice-líder do governo na Câmara, deputado Beto Mansur (PRB-SP), argumentou que, em 2016, foram quatro milhões de ações trabalhistas geradas no país e não se pode condenar as pessoas simplesmente porque estão sendo acionadas na Justiça. Ele reiterou que, para o governo, o importante é garantir a prerrogativa do presidente da República.

— O governo, e eu particularmente, defendemos uma tese de que um juiz de primeira instância não pode, através de uma liminar, brecar a decisão de um presidente da República. Essa questão da escolha de nomes cabe ao presidente e ao partido indicador. A Cristiane Brasil tinha duas ações na Justiça do Trabalho. Meu Deus! O Brasil, em 2016, produziu quatro milhões de ações trabalhistas. Não quer dizer que quatro milhões de cidadãos brasileiros que sofreram uma ação trabalhista sejam corruptos ou não possam eventualmente exercer algum tipo de função política. Vamos devagar! Não se pode denegrir a imagem desta pessoa por ter uma ação trabalhista — disse Beto Mansur.

Parlamentares do PTB que foram a Brasília para discutir a reforma da Previdência pretendiam “tocar no assunto” com Temer. A percepção é que dificilmente o Judiciário reverterá a decisão inicial de suspender a nomeação de Cristiane Brasil.

— E se o Judiciário não confirmar a posse dela? Vou falar isso com o presidente — disse um parlamentar antigo do PTB, preocupado com o desgaste para o partido e para o governo.

 

GOVERNO TEME OUTRAS AÇÕES

A estratégia, por enquanto, é de insistir na tese de que a prerrogativa é de Temer. Por isso, vários aliados saíram com esse discurso ontem.

Temer tem a preocupação de não perder poder nas decisões de governo. O presidente tem reclamado da interferência do Poder Judiciário nas questões do Executivo e acredita que, cedendo no aspecto formal, será alvo de outras ações, em casos como a privatização da Eletrobras.

Mas o problema se tornou político, ainda mais depois do vídeo da deputada em comportamento considerado impróprio.